Crítica sobre o filme "Para Roma Com Amor":

Eron Duarte Fagundes
Para Roma Com Amor Por Eron Duarte Fagundes
| Data: 03/07/2012

Ao que diz inspirado na estrutura e no espírito narrativos do Decamerão de Bocaccio, que já rendeu ao realizador italiano Pier Paolo Pasolini um de seus filmes da trilogia da vida, Para Roma, com amor (To Rome with love; 2012), a nova peça do atual itinerário mundial do cinema do americano Woody Allen, tem bem uma natureza romana em imagens e assuntos. Absorvido por sua paixão por cidades, Allen se vale de algumas influências básicas que o cinema lhe deu para expor sua admiração, cinematográfica e humana, por Roma; o italiano Federico Fellini é provavelmente o centro deste giro de Allen, sua “angústia da influência”, que ele resolve com admirável categoria no episódio em que paparazzi correm despudoradamente atrás do novo-famoso vivido por Roberto Benigni, ressurge A doce vida (1960) e Anita Ekberg diante de nós; e em muitas cenas em que a câmara executa travellings ou panorâmicas por bares ao ar livre de Roma parece estarmos revendo Roma de Fellini (1972).

Para Roma, com amor, sem creditar Bocaccio, utiliza uma mistura de humor italiano, fácil e superficial, desde Bocaccio até Fellini, com o humor ácido de um intelectual nova-iorquino com Allen; maduro, Allen sabe como nunca zombar de seu próprio conhecimento intelectual. Na figura trêfega da personagem de Ellen Page, que está para transar com o noivo de sua amiga, Allen mostra um alter ego de saias, quase um citador superficial de cultura, para mostrar muito do vazio de si mesmo: Page acaba sendo uma figurinha do cinema comercial americano revitalizada pelo cinema “inteligente” de Allen. E com ela contracena outra persona de um cinema jovem e ágil, Jesse Eisenberg (o noivo), reeditada por Allen com seu cinema verbal que é sempre um herdeiro do francês Eric Rohmer.

De uma certa maneira, os quatro episódios romanos de Para Roma, com amor falam do amor. E também de sua perturbação: a traição. A jovem recém-casada que não resiste às cantadas de seu ator favorito. O jovem recém-casado, pudico, que topa com uma prostituta. Quando sai desta linha de falsa seriedade dramática, é para se entregar ao deboche e ao riso, como no episódio de que o próprio Allen participa, fazendo um aposentado diretor de ópera que vai a Roma conhecer a família do noivo de sua filha e acaba vendo no sogro dela um cantor de chuveiro que pode render (reconstituindo-se o chuveiro em cena) um espetáculo operístico: é de se matar de rir a maneira como Allen presta uma respeitosa homenagem a uma das instituições da arte italiana, a ópera, ao mesmo tempo em que sutilmente a ridiculariza como efeito da pompa vazia de alguns esnobes.

Desabusado, inteligente, superficialmente inteligente, culto mas naturalmente culto, Allen tem percorrido com paixão a natureza das cidades por onde filma. Para Roma, com amor é um dos pontos de fascínio deste percurso.