No avião de volta ao Brasil, estava lendo uma entrevista onde Tarantino afirma que o que vale na carreira de um cineasta é sua filmografia, que o importante é que tenha poucos filmes ruins, admite que o seu pior é sem duvida À Prova de Morte e que precisa se cuidar para não fazer mais porcarias, até ameaça se aposentar. Mas ele é uma figura tão esperta, tão criativa, ninguém melhor do que ele para reaproveitar e reciclar ideias alheias, que costuma acertar, sabendo aproveitar temas. Fiquei pensando como foram poucos os filmes norte-americanos feitos sobre a escravidão e como é oportuno agora que tem um presidente negro como Obama abordar o assunto.
Lincoln, de Spielberg, também nessa mesma onda, mas é um filme austero e até um pouco aborrecido. Não foi à toa que Amy Poehler disse que dormiu vendo o filme! Isso não acontece nunca em filme de Tarantino, se aborrecer nunca. Pode até provocar polêmicas, como aconteceu aqui com o uso da palavra nigger, que tem até hoje um aura ofensiva, porque assim eram chamados os negros na escravidão. Spike Lee se ofendeu, disse que não vai assistir embora não tenha chegado ao ponto de pedir que o filme fosse boicotado pelos negros.
Já contei que na sala de LA no Sunset Boulevard não tinha um único negro numa sessão lotada de mais de 500 pessoas, mas tenho lido que eles estão indo e gostando do filme, que por sinal já rendeu mais de US$ 126 milhões de dólares, a melhor renda de sua carreira. Além disso, o filme ganhou como roteiro no Globo de Ouro e no Critic´s Choice, não pegou o SAG porque os votantes não tiveram tempo de assistir, ficou pronto em cima da hora e foi indicado 5 vezes para o Oscar: filme, mas não diretor, roteiro, fotografia, edição de som, ator coadjuvante para Christoph Waltz, mas não para Leonardo Di Caprio que merecia.
Espero que todo mundo já saiba que Django é uma espécie de homenagem, quase paródia, mas a sério, ainda que não perca o humor, de um faroeste spaghetti que, se podemos dizer assim, é um clássico do gênero: Django (Idem, como diz o filme com D mudo) de 1966, dirigido por Sergio Corbucci, com trilha de Ennio Morricone, estrelado por Franco Nero, que faz participação especial na cena da luta dos mandingos, Loredana Nusciak, Angel Alvarez. Django é um pistoleiro que carrega sempre um caixão onde esconde uma metralhadora e outras armas. Depois de ajudar uma moça, a leva para uma cidade lamacenta, onde se envolvem numa disputa entre mexicanos e fazendeiros. Acaba assaltando um forte e foge com o minério dentro do caixão.
Nero, numa entrevista na edição nacional em DVD, relembra que o filme foi proibido na Inglaterra pela violência, foi interrompido no meio porque não tinham roteiro, teve seus exteriores feitos na Espanha e estava sendo rodado quando estreou o pioneiro dos spaghetti westerns, Por um Punhado de Dólares, de Sergio Leone. Naturalmente os sets são falsos, mas a cidade cenográfica feita com lama na rua é bem interessante, a violência é bem risível, o filme na verdade tem um tom de comédia, de sátira, que não se leva a sério. E o elenco de apoio uma tragédia. Justamente o oposto daqui onde como é seu habito Tarantino reúne um bando de veteranos esquecidos dos mais diversos matizes desde o astro de West Side Story, Russ Tamblyn junto com a filha estrela de TV, Bruce Dern, Don Johnson, James Remar, o próprio Tarantino - aliás gordo!, Tom Wopat, Jonah Hill, Michael Parks e outros alguns nem creditados.
Mas certamente a maior ousadia de todas e que, curiosamente é pouco comentada pela crítica americana, é a presença de Samuel L. Jackson, que faz o papel do mordomo traidor que se vendeu ao patrão branco, renegando e explorando sua raça, um tipo de personagem que hoje os negros rejeitam com toda razão e que acaba sendo um dos mais repulsivos vilões do cinema. Eu pelo menos não lembro de ter visto um personagem assim tão desprezível nem num contexto de denúncia dos males da escravidão.
Quando eu o vi pela primeira vez em tela grande, achei que não era filme para se conhecer primeiro em DVD, saí com uma ligeira sensação de já visto, talvez de decepção.
Na verdade, quem vai ver um filme de Tarantino sabe o que esperar: muita violência e a plateia americana é assustadora, aplaude, quanto mais sangue melhor! Aí a gente entende porque tanto massacre! Humor negro, trilha musical que é pastiche das usadas pelo gênero, assim como os títulos de apresentação e crédito final. Obviamente Django Livre é aquilo que a gente sempre esperou mais cedo ou mais tarde que Tarantino fizesse, como bom filhote da Universidade da locadora, ou seja, quando o atendente viu todos os exemplares do gênero, portando, estava preparado para realizar uma parodia de um faroeste spaghetti.
O que é mais difícil do que parece porque o gênero já era por definição um parodia. Fazer sátira da sátira fica difícil, ainda mais tratando de um assunto tão doloroso. Há momentos onde o filme se arrasta e perde a graça, principalmente porque dura duas horas e 45 minutos. A grande qualidade de Tarantino realmente é a escolha do elenco, porque não tem medo de ousar e escalar contra o tipo. Então, Leonardo Di Caprio esta ótimo como o fazendeiro que aposta na luta livre de mendingos até a morte, que é dono de bordel de escravas negras e também dono da mulher (Kerry Washington) do herói (Jamie Foxx, que tem sido injustamente esquecido nas premiações, mas esta atlético e convincente).
É engraçado que Christoph Waltz tenha ganhado um Oscar de coadjuvante por outro trabalho com Tarantino, Bastardos Inglórios, e depois teve vários escorregões: Água para Elefantes, Deus da Carnificina, para novamente se redimir em outra interpretação brilhante. Seu papel é forte e ele que segura toda a primeira parte da história, fazendo uma caçador de recompensas que recruta o negro que se chama Django. Depois de várias capturas e mortes, sempre divertidas, eles vão em busca da esposa de Django que está escrava na fazenda de DiCaprio.
Com muita explosão, muito tiroteio, várias sacadas e surpresas, principalmente mortes feitas com humor, deve ir para a filmografia de Tarantino dentre os sucessos. Os fãs vão se divertir com o resultado. É sempre um prazer assistir à trabalhos criativos como este.