Crítica sobre o filme "Hitchcock":

Rubens Ewald Filho
Hitchcock Por Rubens Ewald Filho
| Data: 01/03/2013

É uma lei muito discutível a política americana de permitir que a pessoa famosa, publicamente notória, depois de morta perder qualquer direito de se defender de infâmias e difamações. Qualquer um pode escrever um livro dizendo que o ditocujo é assassino ou espião nazista ou serial killer e nada lhe sucederá. E como sempre o publico acredita no pior. Agora chegou a vez do diretor mais famoso de todos os tempos, o rei do suspense, Alfred Hitchcock (1899-1980) ser vitima dessas acusações, que renderam dois filmes quase simultâneos, a produção da HBO e BBC The Girl (12), que ainda circula no canal e se inspirava nos problemas que a atriz Tippi Hendren teve com o assedio sexual e moral que teria sofrido do diretor durante as filmagens de dois filmes, Os Pássaros e Marnie.

The Girl é baseado em livro de Donald Spoto, por sua vez inspirado nas confissões da atriz Tippi Hendren (mais lembrada como a mãe de Melanie Griffith que é vista criança no filme) que afirmou que ela foi vitima de sedução, ameaçada e sofreu maus tratos na mão de Hitch .Li o livro original de Donald Spoto, que tenta criar uma tese de que ele era realmente problemático (aparentemente impotente e só teria transado uma vez com a esposa que resultou em sua única filha). Isso o ajudava a ser obsessivo com suas estrelas em geral loiras como suas favoritas Ingrid Bergman e Grace Kelly. Apaixonados por elas? Talvez mas o autor não fica nisso. Acho que no fundo ele esta é delirando.

The Girl tem um roteiro totalmente trash de uma certa Gwyneth Hughes (que tem feito telefilmes). Não sei porque tinha expectativas porque normalmente é o que sucede, com esse tipo de biografia de televisão, que resulta falsa e mentirosa. Tudo fica comprometido pela escolha do ator inglês, o muito baixo Toby Jones, prejudicado pela maquiagem esquisita e por uma postura antipática, deixa cair na caricatura e mesmo no ridículo, com o lábio inferior pronunciado, a voz pausada e pomposa, o que lhe dá um jeito repulsivo demais. O roteiro não dá elementos para entendermos o seu comportamento descontrolado e maldoso (segundo o filme durante as filmagens de Os Pássaros porque ela não quis dormir com ele permitiu que ela se ferisse com os pássaros de verdade ou de mentira que a atacavam). Também não é acertada a escolha da inglesa Sienna Miller como Tippi, com quem não se parece em nada. Tippi não era boa atriz mas tinha uma certa elegância e frieza, que Sienna nem tenta imitar. Esta é
daquelas atrizes que não se guarda o rosto, não tem carisma. É até bonita e por vezes lembra mais Kim Novak que Tippi. Mas imemorável.

Chega a ser irritante a escolha da ótima Imelda Staunton como a esposa Alma, quando não lhe dão absolutamente nada para fazer, vira figuração de luxo (quando ela era como diz o nome mesmo a Alma de Hitch, a sombra que mandava em tudo, a inspiração). Há também outra cena de Hitch com seu fotografo favorito Robert Burks (Sean Cameron Michael) que há um olhar suspeito meio gay que também achei fora de hora.

Se o roteiro é péssimo, a direção não fica atrás assinada por John Jerrold que fez Amor e Inocência (sobre Jane Austen) e a refilmagem de Brideshead Revisited. Mas tudo se estraga de vez com um letreiro final que afirma que Marnie (o segundo e ultimo filme da dupla foi um grande sucesso e virou clássico, quando
sucedeu justamente o oposto. É considerado dos piores de Hitch) Alias faz pensar já que foi tão trágica a filmagem de Pássaros, por que ela aceitou outro filme, Marnie? Não dá para engolir Tippi ingênua e vitima quase santa!). Enfim, só na cabeça dessa gente maluca, é que dá para engolir o filme.

Agora este chamado Hitchcock que estreia nos cinemas consegue ser igualmente ruim. A culpa parece ser do diretor Sacha Gervasi que escreveu o roteiro de O Terminal (04) de Spielberg e fez antes o documentário Anvil: The Story of Anvil, 08. Também a indicação ao Oscar de maquiagem e figurino que o filme teve é outra piada de mau gosto, porque aqui temos não apenas a pior interpretação da carreira de Anthony Hopkins como sua maquiagem é ridícula e infeliz. Tão ruim quanto a de Toby.

Hitchcock, o filme, nos conta os bastidores da realização de Psicose, em 1959, com Scarlett Johansson como Janet Leigh, Helen Mirren como a esposa Alma e Anthony Hopkins como o diretor. Ainda Jessica Biel como Vera Miles, James D´Arcy como Anthony Perkins, mais Ralph Macchio, Toni Colette, Danny Huston. Eu não apenas li o livro que Janet Leigh escreveu sobre a filmagem como tive uma longa entrevista na casa dela onde nunca transpareceu
qualquer problema sobre o diretor (então já falecido faz tempo). Na verdade, a melhor coisa do filme é Scarlett Johansson que faz Janet, conseguindo ficar razoavelmente parecida com a já falecida estrela ele dando uma participação digna (é mais do que se pode falar do resto).

É incrível como o cinema toma liberdades ate com a Historia do próprio cinema. Segundo o roteiro do renomado John McLaughlin (Cisne Negro, Parker, a minissérie Coma), apesar de estar rico e famoso brigou com os chefes da Paramount que não queria que ele fizesse o filme mas que insistiu em realiza-lo em preto e branco, com o mínimo de orçamento (também por isso o preto e branco). O que me incomodou foi a insistência com que afirmam que Hitch tinha uma fixação no primeiro famoso serial killer Ed Gein que teria inspirado o livro original e também Silencio dos Inocentes (e este fica lhe aparecendo em delírios durante o filme).

Embora mostre detalhes mais ou menos curiosos da filmagem, a ênfase da historia esta no relacionamento do diretor com sua mulher Alma que sempre foi a melhor companheira em tudo, a que tinha melhores ideias, a ultima palavra em qualquer questão. Os filmes são tanto dela quanto dele, ou ate mais, porque Alma era uma senhora baixinha, discreta, que falava pouco. Nada tem a ver fisicamente com Helen Mirren que a interpreta em outro tom (boa atriz sempre, só que no personagem errado) quando eles desenvolvem a teoria de que ela teria tido ou desejado ter um casinha com um roteirista-produtor que estava ajudando (esse caso, dizem os livros nunca ficou comprovado foi apenas boato).

Como admirador confesso de Hitchcock, não apreciei o fato de que o filme demonstre tanta leviandade ao especular lorotas a respeito de um verdadeiro gênio do cinema. Ou seja, fã de Hitchcock vai ser irritar e outros nem vão passar perto do cinema (foi total fracasso nos EUA onde não chegou aos 6 milhões de dólares de renda).