Crítica sobre o filme "Inside Llewyn Davis - Balada de um Homem Comum":

Rubens Ewald Filho
Inside Llewyn Davis - Balada de um Homem Comum Por Rubens Ewald Filho
| Data: 09/02/2014

É notável como, após 20 anos de carreira e 16 filmes no currículo, os irmãos Joel e Ethan Coen conseguem continuar se reinventando, filme após filme, e na maioria das vezes, mantendo um nível de qualidade excepcional. Também conseguem manter  um estilo, uma chancela, que os diferencia de outros realizadores , ressaltando as peculiaridades e qualidades que os fizeram únicos. Basta apenas alguns minutos para sabemos que estamos vendo um filme dos Coen, tudo isso sem jamais perder o frescor e explorando novos horizontes, temáticas e gêneros. Não é nenhum exagero dizer que é  uma das melhores duplas de toda a história do cinema , até porque não houve tantas assim.  Seu novo filme depois de levar o Grande Premio do Júri em Cannes, acabou não tendo a repercussão desejada. Talvez por ter sido esnobada pelo publico que recusou embarcar nesta viagem (azar deles. Na verdade, o filme é muito de gosto pessoal. Outro da linha Ame-o ou Deixe-o). Não passou dos 12 milhões de dólares de renda nos EUA e de 10 milhões no mercado externo. Ou seja, nem os franceses entraram nesta.

Francisco Cannalonga meu assistente que viu o filme na Mostra de São Paulo o considera um grande filme. Não sei se tem o mesmo fôlego de outros clássicos já consagrados como Onde Os Fracos Não Tem Vez (2007), Fargo (1996), Gosto de Sangue (1984), Barton Fink (1991) . Discorre em uma semana  em 1961, na vida do músico folk, chamado Llewyn Davis, interpretado com surpreendente brilho  por Oscar Isaac (que foi o latino de Drive). Mas não parece ser apenas uma semana, da a sensação de uma odisséia, uma longa jornada, mostrando a  trajetória de um tão comum e cheio de idiossincrasias. Llewyn é um personagem fictício não baseado na vida de Bob Dylan como muitos podem pensar e que surgiria historicamente logo depois dele. Quem o inspirou foi um certo Dave Dan Ronk, quando leram sua autobiografia The Mayor of MacDougal Street. Mostrando o ambiente musical de Greenwich Village em torno dos bares que aparecem no filme, Gaslight Café e Gerde´s Folk City. Ou seja, é preciso curtir musica folk para embarcar no filme (o que não me parece nada difícil. Oscar Isaac canta com sua própria voz).

Acho excepcional fotografia fantasmagórica e desnorteante de Bruno Delbonnel (Fausto, O Fabuloso Destino de Amélie Poulain) que foi finalista para o Oscar® (assim como a mixagem).  Usa e abusa do soft-focus (foco suave) conferindo um glow belíssimo nos contornos e linhas das imagens, amplificam essa sensação de viagem espiritual, todo o filme, de certa forma, tem o ritmo de um sonho. Ironicamente tomando o lugar que sempre foi de outro fotografo Roger Deakins, que desta vez estava ocupado. E sempre com a trilha Blue Grass, aquele tipo de musica meio caipira que os Coen usaram antes em seu E aí, Irmão Cadê Você?. Na verdade, a música merece uma menção especial porque a produção  musical do filme foi do celebre  T- Bone Burnett especialista em musica country e similares (Jogos Vorazes, Coração Louco, Johnny & June). Não poderia ter sido mais certeira na seleção musical, canções folk clássicas ganham um novo brilho nas afinadas vozes dos atores (destaque especial para 500 Miles de Hedy West co-interpretada por Justin Timberlake).

É importante porém que o filme não é um Roman a clef, que esconde referencias a famosos. O roteiro original está mais preocupado com as neuroses de seu protagonista, agravado por sua incapacidade de usar suas deficiências para benefício próprio. Em outras palavras, ele é um chato, criador de casos, que briga com os próprios amigos, incapaz de fazer concessões para seu próprio bem. Este é um cara que não se tornou um Dylan, mas bem que poderia. Tinha talento, mas era uma pessoa difícil, incapaz de manter relações duradouras. Pior que isso trata muito mal os poucos amigos que tem  e precisa. O curioso é que o espectador acostumado com o formato de biografias musicais tradicional fica esperando o momento em que ele vai ficar famoso e dar certo. E isso como na vida real custa a chegar... Assim desfilam uma irmã cheia de ressentimento (Jeanine Serralles), uma cantora dona de um sofá (Carey Mulligan) que está furiosa com ele, pode estar grávida e prefere sair com seu produtor musical (Timberlake), ou outros que vai encontrando (como Adam Driver, um judeu fingindo ser cowboy). Alias isso é interessante a presença da herança judia (como Dylan e os próprios diretores), mas que nunca é discutido no contexto do filme.

A vida é desperdiçada atrás de um sucesso mítico (como a viagem ate outra cidade, dando chance para uma participação de F.Murray Abraham, que está retornando e John Goodman , ator favorito dos diretores e hoje dos melhores em ação em Hollywood).  Enfim, o nosso anti-herói  é um relutante loser (não há excesso de piadas para não virar comédia e perder o impacto da descoberta).

Já disseram que o filme é também um sátira a toda lenda do On the Road, dos personagens em constante viagem, sem nunca chegarem a nada. Será que por isso colocaram Garret Hedlund (que foi Moriarty no filme) num papel quase mudo? Vai ver o que diz o titulo é isso, vocês vão dar uma olhada dentro (inside) Llewyn e para sua surpresa, não vão encontrar muita coisa. Mas no filme sim, não é comercial, mas sempre impecável (não esqueçam que os Coen também assinam a montagem com o pseudônimo).