Foi um risco para a Walt Disney produzir este musical clássico de Broadway, que dá uma visão dark dos contos de fadas, mas que é muito popular nos Estados Unidos porque tem sido liberado para montagens amadoras em escolas. Risco porque é embora fale de princesas como a tradição do estúdio (e daqui a pouco já vai estrear outra Cinderela) e se torna mesmo violento e trágico no segundo ato. Já dizia isso quando eu assisti a montagem original no palco com Bernadette Peters de bruxa e por esse mesmo motivo algumas versões conseguem a licença para encenar o espetáculo sem o final oficial.
Embora tenha sido justamente essa a intenção do compositor original, o mestre Stephen Sondheim, hoje o mais consagrado vivo de seu métier que começa com West Side Story, prossegue com Gypsy, Follies, A Little Night Music (não filmado), Passion (também não), A Funny Thing Happened on the way to the Forum (Um Escravo das Arábias em Roma), o seminal Company. Etc. Na verdade chegaram a compor uma canção inédita para talvez concorrer ao Oscar® mas preferiram deixá-la como extra do futuro DVD/Blue Ray. Ele já tem Oscar® pela musica de Dick Tracy, com Madonna (Sooner or Later). De qualquer forma, os que não apreciam musicais possivelmente não vão embarcar neste projeto (embora Les Miserables fosse mil vezes pior e mal realizado). Até porque o segundo ato realmente é desconcertante (como a própria vida diríamos).
O filme no final das contas dividiu a crítica americana, mas fez uma carreira honrosa (sendo indicado aos Oscar® de coadjuvante Meryl Streep, design de produção, figurinos). Foi indicado ao Globo de Ouro de musical, atriz (Emily Blunt) e coadjuvante (Meryl). Ficou mais ou menos nisso. Mas foi ate bem de bilheteria para o custo de 50 milhões de dólares, já passou dos 116!
Quero relatar um depoimento pessoal porque há algum tempo em fui convidado para dirigir a montagem nacional do espetáculo. Fiquei feliz porque gostava do texto (ainda que percebendo suas dificuldades, inclusive nas canções que não são especialmente melódicas. Como sempre com Sondheim, elas viram gosto adquirido com o passar do tempo. E poucas são inesquecíveis (como a Children will listen!). Depois não é qualquer um que esta disposto a ver o que parece um conto de fadas se desmoronar (no bom sentido) numa crítica a ambição, vaidade, mesquinhez do ser humano. Chegamos a fazer testes mas na véspera de começar eu percebi finalmente que não havia verba suficiente para um espetáculo dessa envergadura além de sofrer a ameaça de estranhos interessados em co-dirigir. Mas isso faz parte do show, é quase o tema dele, o que eu não podia aceitar era o que no final das contas sucedeu, o espetáculo estreou ninguém quase viu e o elenco, reza a lenda, ficou sem receber.
Ou seja, fiz a coisa certa. Não podia sujar o nome por besteira. O filme agora é sob a direção do mais experimentado diretor do gênero no momento, o mesmo de Chicago, mas também Piratas do Caribe, Rob Marshall. Ele precisava também não mexer demais para não desagradar o fã fiel que rejeitou logo de cara o corte do segundo ato. Então as mudanças são poucas (algumas canções menores, o narrador que na peça sumia no meio) em troca dos muitos acertos. Como Meryl Streep fazendo uma bruxa pela primeira vez em sua carreira (sua voz está incrivelmente melhor do que Mamma Mia), a irreverente Emily Blunt sempre brilhando (mas foi preciso tratar do adultério de forma discreta), a surpresa de ver o galã Chris Pine que faz o príncipe brilhando no melhor momento musical que é a canção Agonia (uma brincadeira que acontece numa cachoeira). Enfim, acho muito feliz a realização, basta dizer que mesmo Johnny Depp não atrapalha porque seu lobo mau mal aparece.
De qualquer forma é mesmo difícil adaptar um musical mais satírico e existencialista. Tenha ao menos a certeza de que o fiel público que assiste os musicais no palco brasileiro, que fazem cursos e estão aprendendo e que como eu veneram Sondheim irão saborear o filme com muito prazer. Ainda que com momentos amargos.