Crítica sobre o filme "Amor à Queima-Roupa":

Rubens Ewald Filho
Amor à Queima-Roupa Por Rubens Ewald Filho
| Data: 06/11/1994

Depois de tentar entrar duas vezes numa sala do espaço Banco Nacional em São Paulo e ficar de fora para ver este Amor à Queima Roupa, o jeito foi assistir ao filme no centro. É irritante voltar para casa ou ver outra fita não prevista, mas pelo menos demonstra um tipo de sucesso raro hoje em dia. Certamente por causa do prestigio do roteirista Quentin Tarantino que acabou de ganhar merecidamente a Palma de Ouro em Cannes por seu Pulp Fiction. Tarantino é o primeiro representante de cineastas formados em videolocadoras. Enquanto tentava ser ator, ele escrevia scripts e trabalhava como atendente numa locadora, onde via todos os filmes. Este True Romance foi seu primeiro roteiro, o segundo, Natural Born Killers, ele vendeu para Oliver Stone (ainda não estreou). Sua estreia na direção foi o violentíssimo Cães de Aluguel (Reseroir Dogs, 92) com Harvey Keitel e Chris Penn (que ele confessa ter copiado de uma fita de Kung Fu), onde revela um incrível dom para os diálogos, a narrativa original e os excessos de violência.

Quando dirige, Tarantino consegue resultado fantástico dos atores e seu Pulp Fiction é realmente talentoso. O problema aqui é que a direção caiu nas mãos do medíocre Tony Scott (irmão de Ridley que se especializou em fitinhas comerciais como Top Gun, Tira da Pesada II, Vingança com Kevin Costner). Ele não só não tem o feeling para a trama (torna tudo bonitinho e correto demais). Falta-lhe garra, delírio, é cineasta para pores-do-sol e vídeo clips. Alguém além disso cometeu o erro de modificar o final, acrescentando uma conclusão feliz que nada tem a ver com a fita e acaba derrubando-a. É um absurdo inaceitável para uma história já tão "noir", tão forte. Amoral, mas ainda assim difícil de engolir, talvez porque nunca se teve a preocupação de tornar simpático o casal central.

O mais notável do filme é o elenco que ele conseguiu reunir com uma série de caras conhecidas e astro famosos fazendo papéis pequenos. Christian Slater (caindo no erro ainda de imitar Jack Nicholson) é um empregado de loja de quadrinhos que numa sessão de filmes de kung fu conhece uma garota (Patricia Arquette) que depois revela ser uma call girl em começo de carreira. Os dois se apaixonam, se casam e ingenuamente Slater vai tirar satisfações do gigolô dela (Gary Oldman, novamente exagerando na caracterização de um branco que deseja ser rastafari). Tudo termina numa carnificina e com Slater e Patricia fugindo com uma mala cheia de cocaína, perseguidos pelos traficantes (Christopher Walker é o chefe deles). Depois de uma visita ao pai dele (Dennis Hopper), fogem para Los Angeles para encontrar um amigo que sonha em ser ator (Mark Rapaport) e tentar vender a droga para um produtor de cinema (Saul Rubinek) representado por um assistente (o caricato Bronson Pinchot). Brad Pitt faz o colega drogado de quarto do amigo e Val Kilmer mal se vê o rosto nas poucas cenas em que ele interpreta Elvis Presley, o ídolo do herói.

Se o casal central é estranho (Especialmente Patricia, que nunca consegue dar dimensão humana ao personagem), o filme tem momentos fortes como violência, em geral inesperada e com humor negro. O grande achado é o tiroteio no hotel, onde convergem todas as forças rivais, para um grande entrevero. Mas sente-se a falta dos palavrões típicos de Tarantino, de sua câmera repleta de travellings, de sua irreverência. Mas a fita seria bem melhor se não tivessem acrescentado a absurda conclusão feliz. No universo de Tarantino, essas concessões estragam o resultado. (NE: Escrito em 1994 quando da exibição nos cinemas)