Crítica sobre o filme "Crepúsculo de Uma Raça":

Rubens Ewald Filho
Crepúsculo de Uma Raça Por Rubens Ewald Filho
| Data: 13/01/2018

John Ford, o Maior de todos.

 

“Meu nome é John Ford. Eu dirijo faroestes”. Era assim, com essa falsa humildade que ele se apresentava. Como se não soubesse que John Ford era considerado pelos próprios colegas, o maior diretor do cinema americano, o único a ganhar 4 Oscars (O Delator, Como era Verde o Meu Vale, Depois do Vendaval e ainda Vinhas da Ira). Uma lenda em própria vida e um dos poucos cuja reputação nunca foi abalada.

Ford (1893-1973) trabalhava como enorme simplicidade, sem nunca cair em excessos, fazendo sempre o mínimo possível e necessário. Nada de movimentos de câmera exagerados para chamar a atenção para o realizador. Nada de inventar truques ou planos complicados. Filmava pouco, sem planos de cobertura. O plano máster era o que ia valer. Até para protegê-lo de produtores que ousassem pensar em mexer no seu filme. O que Ford fazia era definitivo, irretocável. Ninguém sabia como ele, os colegas reconheciam escolher melhor o lugar para colocar a câmera. Mas Ford era bom em qualquer gênero, em qualquer situação.

Foi graças a Ford que o faroeste ganhou status de arte e grande aventura, não apenas diversão de matinés. Na verdade, Ford já era veterano de faroestes que funcionavam como complemento de programas quando foi conseguindo projetos mais ambiciosos. Foi ele quem deu status artístico aos westerns com o clássico No Tempo das Diligências (Stagecoach, 39), criando uma mitologia que perdura até hoje. E que inclui o mais famoso dos cowboys, seu ator preferido e amigo John Wayne. E vários elementos depois imitados: a diligência atacada pelos índios, que cercam os brancos que esperam a chegada salvadora da cavalaria. A prostituta de coração de ouro que no fundo é uma ótima pessoa (Claire Trevor). Sem esquecer do médico bêbado que tem que fazer um parto de ultima hora e assim por diante.

Ford sabia que muitas vezes havia sido injusto com os índios e sentindo-se responsável por isso, se aproximou deles e fez sua defesa a partir de Sangue de Heróis (Forte Apache, 47), quando já tem cenas mostrando-os como vitimas dos brancos que em última analise lhe roubaram as terras. E justamente seu último faroeste, Crepúsculo de uma Raça (Cheyene Autumn, 64) é como um testamento do Velho Oeste de Wyatt Earp e Doc Holliday, mas também de uma raça brava e heróica que irá morrer tragicamente.

Isso não quer dizer que Ford fosse perfeito. Não tinha muito jeito para a comédia, que resultava pesada, às vezes caía em certo sentimentalismo (principalmente quando se tratava de assuntos referentes à Irlanda natal de seus pais), mas era um diretor brilhante e modelar. Seu estilo utiliza uma notável economia de meios, um elenco que formava quase uma companhia de repertório, a mistura de drama com trechos de comédia e a filmagem em locações (na região que ficou famosa como a terra de J. Ford, em Monument Valley, no deserto de Arizona).

Foi num filme dele, O Homem que Matou o Facínora, que um dono do jornal diz a frase que se tornou uma espécie de epitáfio para todo o gênero faroeste: “Quando a lenda se torna fato, imprima-se a lenda”. Foi o que fez Ford imprimindo em celulóide a lenda imortal dos bandidos e mocinhos, dos pele-vermelhas e da Conquista do Oeste. Mostrando não um Oeste como realmente foi, feio, cruel, grosseiro, mas o Oeste como deveria ter sido, épico, generoso, justo, onde o mal sempre vencia o bem e pioneiros forjavam a ferro e sangue uma nova nação.

 

Crepúsculo de Uma Raça (Cheyenne Autumn)

EUA, 64. Direção de John Ford. Roteiro de James R. Webb. Baseado em livro de Mari Sandoz e sem crédito para Howard Fast. 2h34 min. Warner. Com Richard Widmark, Carroll Baker, Karl Malden, Sal Mineo, Dolores Del Rio, Ricardo Montalban, Gilbert Roland, Arthur Kennedy, James Stewart, Edward G. Robinson, Patrick Wayne, Elizabeth Allen, John Carradine, Victor Jory, Mike Mazurki, George O´Brien, Harry Carey Jr. Ben Johnson, Mae Marsh.

À primeira vista este parece ser o filme testamento do mestre John Ford e realmente é seu último trabalho de faroeste (e ainda por cima reunindo um grupo de astros famosos, seus amigos) num filme ambicioso, mas que não chegou a fazer grande sucesso, Depois dele, Ford ainda faria O Rebelde Sonhador, 65, que largou bem no começo e foi finalizado por Jack Cardiff e mais um filme de ficção, um drama de guerra chamado 7 Mulheres com Anne Bancroft, Sue Lyon, Margaret Leighton, Betty Field, Flora Robson, todas prisioneiras numa missão religiosa na Revolução da China! E ainda mais dois documentários de guerra que ficaram inéditos por aqui: Chesty Tribute for a Legend, 76 e December 7h: the Movie (exibido apenas em 2017!).

Parece que foi o ator Richard Widmark (que fez com Ford em 1961, o faroeste Terra Bruta, com James Stewart) que fez a descoberta do tema da história na Universidade de Yale e o trouxe para Ford, que depois de certa relutância resolveu rodá-lo.(embora curiosamente aqui no filme os índios nativos são navajos e não cheyennes de verdade!).

O duelo final entre Little Wolf e Red Shirt foi rodado no dia em que o presidente Kennedy foi assassinado em Dallas. Spencer Tracy ia fazer o papel do Secretário do Interior, mas teve edema pulmonar e foi substituído por Edward G. Robinson (cujas cenas tiveram todas que se rodadas em estúdio!). Um detalhe curioso: Ford achava o filme longo e criou uma sequência a que chamou de intervalo, um conflito com o famoso personagem Wyatt Earp interpretado por James Stewart! Depois disse que foi o melhor intervalo que já teve num filme!

Conta-se a história real de 960 índios Cheyennes do Norte, que tentaram retornar a seu terra natal no Wyoming depois de terem sido expulsos do antigo território de muitas décadas pelos soldados /cavalaria americana em 1877. Ford era um velho amigo dos índios a quem sempre tratou com respeito e foi várias vezes alvo de homenagens. Também a região que chamam de Terra de Ford no deserto de Utah, fronteira com Arizona, o Monument Valley (sem dúvida, uma das maiores belezas do deserto norte-americano) apareceu em quase todos westerns de Ford. Este aqui foi o último (a região também teve grande importância no filme de Ridley Scott, Thelma e Louise).

O filme custou cerca de 5 milhões de dólares! E foi exibido em vários cinemas pelo sistema 70 mm ou Super Panavision 70. Teve apenas uma indicação ao Oscar de fotografia (talvez o ponto alto do filme) e para Globo de Ouro para ator coadjuvante Gilbert Roland. Sua metragem variou muito entre 145 a 170 minutos. Uma pena que o resultado não seja tão espetacular quanto merecia a história ou o elenco (composto de muitos astros famosos, vários de origem latina), mas nunca chegou aos pés dos outros grandes westerns do diretor (como Rastros de Ódio e os filmes da cavalaria com John Wayne).