Crítica sobre o filme "Ang Lee Trilogia: A Arte de Viver, Banquete de Casamento, Comer Beber Viver":

Rubens Ewald Filho
Ang Lee Trilogia: A Arte de Viver, Banquete de Casamento, Comer Beber Viver Por Rubens Ewald Filho
| Data: 19/04/2018

A Arte de Viver

Ninguém podia imaginar que um diretor chinês saído do nada iria um dia se tornar o vencedor de 2 Oscars como diretor (A Vida de Pi, 13, e O Segredo de Brokeback Mountain, 06) sem esquecer a indicação ao Oscar também como diretor e filme, por O Tigre e o Dragão, 2000. Também ganhou 4 prêmios Baftas e Prêmio no Festival de Berlim por Razão e Sensibilidade. Nada mal para um desconhecido nascido em 1954, em Pingtung, Taiwan. Formado no National Taiwan Colleger of Arts em 1975, veio para os EUA para se formar em teatro na Universidade de Illinois, e Master Degree em Produção de Cinema na New York University. Foi lá que se tornou assistente de Spike Lee, em seu filme de estudante, Joe´s Bed-Stuy Barbershop, We Cut Heads (1983). Depois de escrever alguns roteiros foi quando fez o primeiro longa, A Arte de Viver (Pushing Hans, 91), uma comédia dramática muito modesta, feita com pouco dinheiro, mas que teve uma repercussão notável (no Brasil, só chegou depois do êxito dos filmes seguintes).

Este aqui basicamente reflete os conflitos de Geração e adaptação cultural centrado no comportamento do avô e na técnica de Tai-Chi, conhecido como "Master Chu”, um professor aposentado que se muda para Westchester, Nova York para viver com seu filho Alex, a mulher dele Martha, e o filho dele s Jeremy. Ela é escritora mas esta bloqueada artisticamente provocada pela presença de Chu na casa. Alex tem que manter sua família unida apesar do modo de vida Americano e a tradição oriental. O filme ganhou o prêmio de Amiens (92) como estreante, depois melhor filme do Asia Pacifica Film Festival, 92, Melhor ator Sihung Lung e coadjuvante Lai Wang no Golden Horse Award. Ainda prêmio especial do Júri. Mais modesto e mais pessoal do que os trabalhos posteriores, começa de forma lenta, com sete minutos sem dialogo. Apenas mostrando as diferenças culturais (quando comem, quando usam caligrafia oriental etc). Sem esquecer de mostrar sempre idéias tradicionais chinesas. Tudo isso por causa de seu orçamento muito baixo (há cenas onde não se consegue esconder o microfone). Mas de certa maneira este é o charme do filme muito simples e muito complexo ao mesmo tempo. Foi justamente isso que despertou o interesse do público em todo o mundo e ajudou a consagrar o cineasta.

 

Banquete de Casamento

Ninguém conhecia Ang Lee antes deste Banquete de Casamento e não se tinha ideia de que este diretor de Taiwan iria ter uma brilhante carreira no cinema. Nascido em Pingtung, em 1954, ele é um dos raros cineastas a transitar entre o cinema americano (comercial ou independente) e o cinema chinês com o mesmo sucesso, rigor visual e a mesma sensibilidade. Premiado em Festivais, reconhecido pela Academia de Hollywood e até com sucessos de bilheteria, é um cronista dos relacionamentos humanos, seja da cultura oriental seja ocidental. Lee estudou Interpretação na Academia de Artes de Taiwan. Em seguida, mudou-se para os Estados Unidos e estudou Teatro na Universidade de Illinois e Produção de Filmes da Universidade de Nova York, onde trabalhou como assistente de direção de Spike Lee em seu projeto acadêmico Joe´s Bed-Stuy Barbershop: We Cut Heads. Depois, voltou para Taiwan e dedicou-se a escrever roteiros. Em 1992, dirigiu seu primeiro filme, Arte de Viver, sobre um professor de Tai Chi Chuan (e que no Brasil chegou depois deste). No ano seguinte, recebeu o Grande Premio Urso de Ouro em Berlim com Banquete de Casamento. Foi indicado ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro pelo filme seguinte Comer, Beber, Viver. Em 1995, Lee dirigiu seu primeiro filme em língua inglesa, Razão e Sensibilidade, baseado no romance de Jane Austen. Das sete indicações para o Oscar, o filme recebeu a de Melhor Roteiro Adaptado, assinado pela atriz Emma Thompson. No ano 2000, Lee voltou-se para o Oriente e realizou o seu maior sucesso de bilheteria, O Tigre e o Dragão, vencedor do Globo de Ouro de Direção e Melhor Filme Estrangeiro, e de quatro Oscars. Em 2003, cometeu um equivoco com o lamentável Hulk, que logo corrigiu quando realizou O Segredo de Brokeback Mountain (2005), que foi indicado para 8 Oscars e ganhou três: melhor diretor (Ang), trilha musical (Gustavo Santaolalla), roteiro adaptado (Larry McMurtry, Diana Ossana). E que no consenso geral deveria ter levado o de melhor filme.

É importante notar que este filme é o segundo de quatro trabalhos que Lee fez com seu ator preferido, Sihung Lung (1930-2002), que foi famoso na China e fez mais de cem filmes. Mas este já estava aposentado quando Lee o chamou para A Arte de Viver. E depois escreveu especialmente para ele, este Banquete, Comer Beber, Viver e o colocou também no posterior O Tigre e o Dragão. Ou seja, foi seu ator preferido o que explica a importância que tem aqui a figura do pai, o militar aposentado super-respeitado que nem suspeita que possa ter um filho gay. E que Lee nunca deixa virar vilão, mantendo sempre sua dignidade.

Wai Tung (Winston Chao) é um homem de negócios que trabalha com transações imobiliárias em Nova York e que tem uma boa relação com o namorado e companheiro de quarto, Simon (o ator americano Mitchell Lichtenstein, filho do famoso artista plástico Roy Lichtenstein e que fez Exército Inútil de Robert Altman). Só que os pais que vivem em Taiwan não se conformam dele ficar solteiro, principalmente porque desejam um neto. A solução acaba sendo inventar um casamento de conveniência com uma artista chinesa Wei Wei (May Chin) que está ameaçada de ser deportada (o casamento lhe dará o green card e a estadia). O problema maior é quando os pais chegam para o casamento e assim começa uma confusão com falsas identidades, mentiras e equívocos, que culminam com um encontro com um amigo do pai, agora dono de um grande restaurante chinês e que faz questão de dar de presente aos noivos, um grande banquete de casamento. Com todas as consequncias e tradições. Para desespero de Simon.

A principal qualidade de Banquete de Casamento é sua humanidade. Todos os personagens têm razão, têm sua lógica interna, parecem gente de verdade. A parte de comédia pode ter envelhecido um pouco. Acabou-se a novidade. Na época, ainda era raro e ousado se contar uma história sobre uma dupla homossexual miscigenada (um chinês e um americano). Não era possível se sonhar então com um casamento homossexual como hoje. Tocar no assunto já era um atrevimento e foi uma das razões principais do sucesso do filme no circuito de arte. Porque Ang Lee conseguiu com muita habilidade misturar as duas culturas, se aproveitando de um momento fundamental do ritual do casamento oriental, o banquete.

A culinária desde o começo do filme é uma parte integrante da história. Embora do banquete a gente veja mais os rituais (brincadeiras com os noivos) do que propriamente a comida, é nas pequenas refeições que Simon vai preparando que nasce a suspeita de que ele é algo mais do que um simples amigo. Afinal, amar é cuidar, é também alimentar. Não quero revelar o final do filme, mas é importante dizer que não há heróis ou vilões. E às vezes a honestidade é a melhor política. Não se pode agradar a todos, mas sendo sinceros quase que é possível. Assim como é possível o entendimento entre raças e culturas diferentes, mesmo quando iguais, do mesmo sexo. E entre gerações, desde que haja amor. Essas ideias Ang Lee e seus roteiristas iriam explorar mais adiante, deixando claro sua paixão pela culinária chinesa, no primoroso food-filme que é Comer, Beber, Viver.

 

Comer Beber Viver

Como deu certo a primeira vez, por que não fazer de novo? Foi mais ou menos assim que pensou Ang Lee quando reuniu praticamente a mesma equipe de seu primeiro sucesso Banquete de Casamento. Os mesmos técnicos, roteiristas e parte do elenco, com destaque especial para os que fizeram os papeis dos pais no filme anterior. Sihung Lung agora tem o papel estrelar do grande chefe de cozinha que enfrenta seu drama maior: está perdendo o que tem de mais importante, o paladar. E Ah-Leh Gua que fazia a mãe, muda agora de registro e faz como comédia, quase caricatura, uma mulher de meia idade, que retorna dos EUA porque não conseguiu suportar o american way of life e agora procura por um marido (e o velho mestre cuca poderia ser uma boa perspectiva).

Não é fácil classificar este Comer Beber Viver. Talvez seja melhor chamá-lo de comédia dramática, ou mesmo romance. Mas é característica hoje dos bons filmes não se limitarem a um único gênero. E este já se amplifica pelo próprio t[itulo, que tem uma leitura existencial no Brasil, quase pessimista. Mas que no original, procura refletir as diferenças essenciais entre as espécies através da culinária (reparem como Comer Beber estão numa mesma linha, Já Homem Mulher noutra).

É um fato notório que a maior parte dos grandes chefs de cozinha são homens e isso se repete aqui, onde através do chef Chu se mostra como são os bastidores daqueles grandes palácios /restaurantes tão comuns no Oriente, majestosos em seu formato, em sua iluminação e também em seus festejos (o que Chu vai salvar a pedido de um amigo é o casamento do filho do prefeito local). Chu é um homem no fim da vida, que leva confortável numa boa casa onde moram também suas três filhas, todas insatisfeitas por causa de amores frustrados e que se sentem sufocadas até pela habilidade do pai, que é capaz de realizar autênticas orgias culinárias todos os domingos (o que elas cumprem com enfado e rebeldia). A tragédia do velho não é apenas ver que esta perdendo a habilidade que dá sentido a sua vida, mas principalmente porque percebe que sua arte esta em vias de acabar. Não interessa mais aos jovens os cuidados, as receitas, o requinte com que ela é preparada. Sua arte não tem seguidores, nem mesmo entre seus descendentes. Tudo isso é contado sem lamentações. As refeições são espetaculares, a habilidade de Mestre Chu, incontestável assim como não se pode negar a passagem do tempo (que irá levar seu melhor amigo e compadre).

Grande parte do filme é em cima das três filhas. A mais nova, que ironicamente trabalha uma lanchonete é que resolve sua situação mais rapidamente. Se não com sabedoria, arranja um namorado artista, engravida e sai de casa para morar com ele. Outra é professora mal resolvida e que nem consegue manter um namorado com o professor de educação física que é interessado por ela. E a terceira é uma competente e bem sucedida executiva que comprou novo apartamento de luxo (só que não percebeu que o apartamento foi construído em cima de lixo tóxico) e deve ter promoção que a pode levar para morar fora do país. Nada disso nenhuma delas é capaz de compartilhar com o pai. Que também tem seus segredos, que irá só revelar ao final, quando já está praticamente sozinho em sua casa.

Mas o esfacelamento da estrutura familiar e sua reconstrução em novas bases será sempre ilustrado pela própria culinária que mais do que moldura e a própria razão de ser do filme. Comer não é apenas uma necessidade e um prazer. Não esta ali apenas como moldura, é a própria essência das coisas básicas da vida. O filme ao mesmo tempo celebra uma velha tradição culinária em vias de desaparecimento, o esplendor do vermelho com dourado, como também dá uma mensagem de esperança, de renascimento, de reconstrução, sempre em torno da celular familiar, do grande almoço de domingo que tem poder de rejuvenescer e literalmente revitalizar a sociedade familiar.

 Sua mensagem atingiu de forma tão universal que o filme chegou a ser refeito nos EUA como Tortilla Soup (2001), usando o mesmo roteiro original com situações semelhantes, só que adaptadas para a comida mexicana (feitas especialmente para o filme por duas chefs americanas, Mary Sue Milliken e Susan Feniger). O protagonista é mexicano-americano Martin Naranjo (Hector Elizondo) que volta a ter problemas com suas filhas Maribel (Tamara Mello), Carmen (Jacqueline Obradors) e Letícia (Elizabeth Peña). Quem faz a mulher interessada em se casar com o chefe é o ex-sex Symbol Raquel Welch (que é venezuelana de nascimento e que na maturidade ganhou contornos latinos). Curiosamente o filme também chegou a ser indicado para prêmios (por seu elenco, por mostrar o lado positivo dos latinos etc.). E fez um trabalho semelhante com outra cultura culinária pouco prezada pelo cinema, a riquíssima comida mexicana.

Essa foi a refilmagem oficial, mas houve outra que apenas se inspirou em Comer Beber Viver e nunca assumiu sua origem, Tudo aos Domingos /Soul Food (1997) de George Tilman Jr, que mostra uma reunião familiar de uma matriarca que depois de 40 anos, é feita por suas descendentes. Pretexto para mostrar receitas e prazeres da mesa da culinária negra norte-americana apelidada de Soul e desconhecidas no Brasil. Em 2000, ela deu origem a série de TV homônima de pouca duração.