Crítica sobre o filme "Show Deve Continuar, O":

Rubens Ewald Filho
Show Deve Continuar, O Por Rubens Ewald Filho
| Data: 12/03/2018

O tempo deu nova perspectiva a este filme que foi um testamento prematuro do maior coreógrafo do cinema moderno. Agora fica claro como ele pressentia a morte iminente e como o personagem Joe Gideon é autobiográfico, seu alter-ego. Um brilhante artista da Broadway e do cinema, fracasso na sua vida particular. Num momento chave, já próximo do final, Gideon olha para o alto e com ironia pergunta: “Como é Deus, o Senhor não gosta de musical?”. Mas este não é um musical convencional, é uma fita séria, sobre um homem que sente a proximidade da morte (Fosse, como Gideon, sofreu uma operação de peito aberto enquanto dirigia o show “Chicago” e montava o filme Lenny). Todos os personagens da fita tem paralelos com sua vida particular. A ex-esposa nada mais é do que um retrato afetuoso da estrela e depois melhor amiga Gwen Verdon, mãe de sua filha Nicole (embora esta faça uma ponta na fita, no papel de Michelle, a filha é interpretada pela estreante Erzsebet Foldi). A dançarina Ann Reinking chega o cúmulo de interpretar a si mesma e assim por diante. Todos são visões, caricaturas ou simpáticas, de pessoas com que Fosse trabalhou em sua carreira. Claro que isso é egocêntrico e um pouco cabotino, mas com tanto talento também perdoável, principalmente porque Fosse não se poupa. Gideon não é um protagonista simpático: é arrogante, egoísta, auto-suficiente, machista, mas resulta profundamente humano. Na famosa cena de abertura onde utilizam a música “On Broadway” de George Benson, ele faz o seu Chorus Line particular. Mais tarde realiza um dos números de dança mais erótico do cinema em Take off with Us (Saia Voando Conosco). Como ele mesmo admitia, este é o Oito e Meio de Fosse, mas com uma diferença: Fellini procurava fazer as pazes com a vida, Fosse tenta se reconciliar com a morte, retratando-a como uma bela mulher. O filme é visão de um coreógrafo, de um homem do show business que alternadamente ama e detesta seu universo. Por isso a visão da vida e da conseqüente morte, só poderia ser muito a lá Broadway, com muito brilho, paetê e plumas, muita mulher bonita. É ao mesmo tempo uma apoteose e uma profunda crítica à falsidade do mundo do teatro. Não é à toa que nos letreiros finais Ethel Merman canta o hino do teatro, “There’s no Business Like Show Business” onde se afirma que não há negócio como o negócio do teatro, onde as pessoas sorriem quando estão deprimidas e choram quando estão alegres. Para eles, para Gideon, para Fosse, a vida é um show, um show que deve continuar.