Crítica sobre o filme "Ken Russell: Os Demônios, Tommy, Crimes de Paixão, Valentino, Gótico, O Boyfriend":

Rubens Ewald Filho
Ken Russell: Os Demônios, Tommy, Crimes de Paixão, Valentino, Gótico, O Boyfriend Por Rubens Ewald Filho
| Data: 07/05/2018

Os Demônios **1/2

Depois do sucesso de Mulheres Apaixonadas e Delírio de Amor, o diretor Russell resolveu fazer outro filme ainda mais ousado e delirante, com esta adaptação de um fato real que virou livro e foi feito antes mesmo no cinema polonês, num filme que fez muito sucesso no Brasil, Madre Joana dos Anjos (Matka Joanna od aniolow) de Jarzy Kawalerovicz, que ganhou prêmio especial do Juri em Cannes. Embora Russsell não diga nada a respeito, é basicamente a mesma história, só que a polonesa é em preto e branco e mais original, esta é mais delirante e exagerada e nem mesmo a grande Vanessa Redgrave está num melhor momento. Tudo é por demais excessivo, tanto que o filme ficou algum tempo proibido no Brasil, por causa do censura da ditadura. Por ser considerado anti católico. Mas depois foi considerado de pouca consequência e passou em branco.

Também interessante é o fato de que o diretor de arte do filme virou depois diretor de filmes de arte de fitas inovadoras e de temática gay. É Derek Jarman (1942- 94), com Caravaggio, Eduardo II, Wittgengtein, Crepusculo do Caos (embora ele tenha feito os sets aqui inspirado em Metrópolis, com cenários futurísticas). A modelo Twiggy faz ponta no filme. Glenda Jackson recusou o papel de protagonista no filme porque estava cansada de fazer trabalhos e escândalos com o diretor. A ação se passa na França no século 17, quando o padre Urbain Grandier tenta proteger a Cidade de Loudun dos homens corruptos do Cardeal Richilieu. Mas o lugar fica dominado pela histeria quando ele é acusado de bruxaria por conta de uma bruxaria sexualmente reprimida.

 

Tommy – O Filme ***1/2

Ópera-rock (ou seja, os diálogos são todos cantados pelos atores) com elenco de astros, baseada no disco homônimo de 1969 da banda inglesa The Who. A parábola concebida pelo guitarrista e compositor Pete Townshend pode, dependendo do ponto de vista, soar tanto ambiciosa quanto ingênua e pretensiosa ao questionar o poder dos gurus, dos que se dizem possuidores da verdade e intermediários de Deus. Tommy pode ser visto apenas como uma fraude forjada para render dinheiro, mas também como alguém que acredita naquilo que prega e tem seu caminho equivocado facilitado pelos fiéis (uma das letras diz: o Messias aponta para a porta, mas ninguém tem coragem de sair do templo), tornando-se vítima também do sistema que clama por esse tipo de líder. O que é uma reflexão interessante para os tempos atuais, de fanatismos religiosos vários.

Toda a exuberância de personagens e eventos já existia no disco original, mas ficou ainda mais realçado no filme pela direção do sempre excessivo Ken Russell (George Lucas, em início de carreira, chegou a ser convidado por Townshend para dirigir). Como é habitual nos filmes dele, o visual é sempre barroco e carregado e o elenco descontrolado e estimulado ao overacting. O filme ainda é prejudicado pelos maneirismos de narrativa dos anos 70, mas no conjunto tem muitas idéias interessantes e imagens marcantes e inesquecíveis. Naturalmente não é um filme para todos os públicos (quem detesta rock vai achar insuportável, e o fato de atores como Oliver Reed e Jack Nicholson cantarem com suas próprias vozes também não ajuda muito!), mas que tem uma merecida fama de cult e muitos admiradores. Vale descobrir.

O protagonista, o vocalista do The Who Roger Daltrey, chegou a ser indicado ao Globo de Ouro como Ator Estreante e tentou uma carreira cinematográfica que acabou sendo modesta e sem grandes resultados. A sequência em que o pastor interpretado por Eric Clapton toca guitarra e canta em uma igreja, cercado de imagens de santos como Marylin Monroe, foi cortada nos cinemas brasileiros na época devido ao desrespeito para com a Igreja! Para os não roqueiros, a figura mais marcante é Ann-Margret, que pelo filme foi indicada ao Oscar de Atriz. Foi ainda indicado a Oscar de Trilha Musical Adaptada. Chegou a ser adaptado para a Broadway nos anos 90 mas mudando a história, tirando a parte de abuso sexual e foi sucesso apenas relativo.

 

Crimes de Paixão ****

Este é certamente o melhor e mais ousado filme de Russell em sua fase final (embora tenha feito até o fim da vida grande quantidade de curtas, filmes musicais ou episódios (com em Ária, exotismos como A Última Dança de Salomé, A Maldição da Serpente) foi aqui que ele beirou o escândalo e a sedução do erotismo, envolvendo o astro de Psicose (Perkins, 1932-92, que morreu de Aids, que chegou a ser formar pregador religioso para o filme), e a então super estrela Kathleen Turner, que fez alguns clássicos do gênero erótico, como a obra prima como Corpos Ardentes, 81, A Guerra dos Roses, 89, alem de sucessos como Peggy Sue, Seu assado a Espera, Tudo por uma Esmeralda, A Honra do Poderoso Prizzi. Infelizmente ficou fisicamente doente, com artrite reumatóide, que a fez ganhar peso e ficar deformada, quase destruindo sua carreira. Uma pena porque ela era das mais atrevidas interpretes de Hollywood, o que confirma aqui num projeto erótico e sensual (pouco antes ela foi rejeitada no elenco de Nove Semanas e meia de Amor, Alec Baldwin e Patrick Swayze também foram rejeitados substituídos por John Laughlin, que apesar de talentoso não teve sucesso maior. Jeff Bridges foi considerado, mas queria melhor salário).

No original, o personagem de Peter Shayne vende sapatos, mas Perkins foi quem sugeriu ser um ministro religioso (Turner dizia que a cada cena ele cheirava uma espécie de Nitrato), a trilha musical de Rick Wakeman é baseada em Sinfonia From the New World, de Dvorak. O filme teve cortes da censura por causa de seus atrevimentos. Kathleeen teve problemas com o diretor que insistia em cenas sensuais, no papel da mulher da vida China Blue. Perkins cita também uma certa Joanna Crane, referência a Marion Crane, de Psicose. Embora críticos como Roger Ebert tenham sido negativos, o filme é notável justamente pelo desafio da trama. E os americanos tradicionalmente não sabem enfrentar assuntos assim, muito menos lidar com temática de erotismo sentindo-se chocados!. Daí por que desprezaram o filme erroneamente.

É a historia de China Blue, prostituta de luxo que durante o dia tem um trabalho normal como Joanna Crane, como desenhista de moda (é verdade que não dorme! Uma falha da trama!).Bobbie (Laughlin) casado com Amy (Potts) com dois filhos, que não gosta de sexo, mas ele ao fazer uma investigação transa com China e gosta do que fez. Mas ela tem que enfrentar um psicopata e serial killer, um reverendo que acha que deve matá-la. Ame-o ou deixe-o. De qualquer forma, acho sempre uma pena que Hollywood ou a America não saibam fazer mais filmes como este!

 

Valentino **

O diretor Russell provocou escândalos e sucessos por causa de suas adaptações para o cinema de histórias escandalosas como Mulheres Apaixonadas, biografias de compositores (com Tchaikowsky em Delírio de amor, Mahler, Uma Paixão Violenta, Liztomania etc.) e celebridades, como é o caso aqui ao realizar uma versão libertina e ate escandalosa do que teria sido a vida do mais famoso astro do cinema mudo, Rudolph Valentino (1895-1926), que nasceu em Puglia, Itália e veio a se tornar o ídolo das mulheres no cinema mudo e morreu tragicamente ao tentar demonstrar sua virilidade que deixou consequências em seu corpo que o levariam a sua morte precoce. Começou como dançarino gigolô (esse era o nome dos que dançavam com mulheres, que pagavam por isso, em night-clubes), fez sucesso em filmes exóticos e teve romances com mulheres com tendências lésbicas!

O ator que o interpreta aqui na verdade é o mais famoso dançarino de balé de sua época, o russo Nureyev (que fez poucos filmes como ator, e fugiu da União Soviética, fazendo uma notável carreira por todo o mundo. No cinema, fez pouca coisa, Exposed, 83, de James Toback, foi o único filme de ficção fora este. Teve no Brasil o sub titulo Os Desencontros da Vida! De qualquer forma, o filme é bastante ousado para sua época (tem ate rápida nudez masculina), acentuada pela direção como sempre descontrolada e tresloucada de Russell, que era justamente sua especialidade. O dançarino não é bom ator, mas tem justamente essa figura marcante (usa o corpo para representar) e não deixa de ser curiosa a reconstituição do que era o cinema mudo em seu apogeu. Houve também problemas do dançarino egocêntrico com a cantora e ocasionalmente atriz Michelle Phillips (The Mamas and the Papas). De qualquer forma, Russell se divertiu fazendo cena de ator (ele era do Sindicato dos Atores), mas não gostou do resultado do filme, chegando a dizer “Quem foi o idiota que fez este filme?” (que também foi considerado um dos filmes mais divertidos dentre os piores do cinema!).

Foi fracasso de critica e público, embora Hollywood tenha feito muitas biografias sobre a indústria do cinema. Mas Russell perdeu seu momento e desde então teve problemas para conseguir trabalho. Custou 5 milhões de dólares e perdeu praticamente tudo. Os figurinos foram criados por Shirley Russell, mulher do diretor. O principal papel feminino do filme é interpretado pela estrela francesa Leslie Caron (de Sinfonia em Paris).

 

Gótico ** 1/2

De todos os filmes do diretor Ken Russell (1927-2011) nesta edição em DVD este é o menos ilustre e menos conhecido. O auge de sua carreira já havia passado e ficado fora de moda, com suas ousadias. Mas sendo baseado em livros dos poetas e autores como Byron e Shelley, é ao menos um desafio cultural. Inspirado em fatos reais, em 16 de junho de 1816, quando o poeta Shelley (Sands) e sua mulher Mary (Natasha, 1963-2009, filha de Vanessa Redgrave e mulher de Liam Neeson) visitam o famoso escritor Lord Byron (Byrne) em sua residência em Vilda Diodati, nas margens do Lago Genebra, justamente quando é escrito clássicos do terror, em especial Frankenstein por Mary Shelley e The Vampyre de Dr. Polidori! Seria portanto sobre o uso de drogas e histórias de fantasmas que são usados numa noite de chuva na mansão de Byron, quando se revelam problemas pessoais, loucura, fantasia sexual e pesadelos. Ela principalmente sente se atraída, além de Shelley, pela prima Claire. Por isso tem várias referencias históricas (a pintura Nightmare, de Fuessil, os efeitos de luz da chama Phantasmagoria, o fato real de que Byron mancava, citação de O Moderno Prometheus, que seria o subtítulo do livro de Shelley, Frankenstein). Além de varias referencias a livros reais, como The Castle of Otranto, de Horace Walpole, considerada a primeira novela gótica, Vathek de William Beckford, The Monk de Matthew Lewis. O filme porém tem problemas com certos excessos, típicos do diretor de mão pesada, diálogos discutíveis e certos momentos perto do ridículo. Por isso que nunca teve a repercussão que merecia ao menos por sua originalidade. Só para quem admire o gênero.

 

O Namoradinho ***1/2

Premiado com Globo de Ouro de revelação e atriz em comédia ou musical (Twiggy, então com 21 anos) foi indicado ao Oscar de trilha musical. Este é um dos filmes mais cults do diretor Russell, já no final de seu prestígio (os filmes mais polêmicos e interessantes já o haviam consagrado e dali em diante sua carreira seria irregular). Na verdade, é a filmagem de um show musical britânico que ficou conhecido por ter sido o que revelou a futura estrela Julie Andrews no papel principal. Aqui ela foi substituída pela modelo britânica Twiggy, sua estreia no cinema, mas já era famosa no mundo inteiro por sua assustadora magreza e delicada figura. Curiosamente, porém, tinha uma presença eficiente como atriz e chegaria a estrelar show da Broadway sempre cantando bastante bem. Ela depois e antes deste filme faria ainda o suspense W. A Marca do Terror, Os Irmãos Cara de Pau (The Blues Brothers), Clube Paraíso, Madame Sousatzka e programas de TV.

Na verdade é uma sátira aos antigos musicais dos anos 30, do mestre coreografo Busby Berkeley em especial Rua 42, aproveitando frases desse filme e a presença de uma estrela não creditada vencedora de dois Oscars, Glenda Jackson (que faz a estrela que Twiggy substitui). O filme também é notável pela presença do diretor e coreografo e ocasional ator Tommy Tune (que faria no cinema somente outro musical Alô, Dolly) que se tornaria fiel amigo de Twiggy. Nas mãos do Russell, o tom acaba sendo caricato porque a intenção é que o diretor da peça fica imaginando o que aconteceria se ele pudesse fazer efeitos e danças lembrando as criações de Busby! Ele queria que fosse apenas escapismo e “fun” (diversão). Na verdade, as canções são simpáticas e o filme se equilibra bastante bem, em especial se você gosta do gênero.

Segundo o diretor, este foi o filme mais difícil que ele dirigiu em toda sua carreira. Os direitos do show haviam sido comprados pelo produtor Arthur Freed na MGM para Debbie Reynolds (que recusou o papel, que iria para Liza Minnelli, mas que também não foi adiante porque preferiu fazer Say it with Music, com canções de Irving Berlin, mas que também não foi produzido até pela crise do estúdio). O personagem do diretor feito por Vladek, DeThrill, era uma imitação do venerável Cecil B. De Mille. A brincadeira final quando Murray Melvin diz que vai se tornar padre, é uma referencia ao papel que ele fez com Russell em Os Demônios. O filme não teve o sucesso que merecia nos EUA, principalmente porque cortaram 14 minutos de sua projeção.