Crítica sobre o filme "Ernst Lubitsch: Sócios no Amor, Ladrão de Alcova, A Oitava Esposa de Barba Azul, Madame Dubarry":

Rubens Ewald Filho
Ernst Lubitsch: Sócios no Amor, Ladrão de Alcova, A Oitava Esposa de Barba Azul, Madame Dubarry Por Rubens Ewald Filho
| Data: 27/06/2018

Sócios no Amor ***1/2

Com roteiro de Ben Hecht baseado numa peça do britânico Noel Coward, que foi reescrita mas miraculosamente conseguiu se tornar ainda mais chique e divertida. São dois americanos dividindo um apartamento em Paris, um dramaturgo Tom Chambers, e parceiro George Curtis, mas ambos se apaixonam pela mesma mulher, a livre Gilda Farrell. Quando ela não consegue decidir qual dos dois prefere, propõe um acordo entre cavalheiros: ela vai se mudar para o apartamento deles mas como amiga e crítica do trabalho deles. Mas nunca farão sexo! Só que quando Tom vai a Londres para supervisionar uma produção teatral dele, até quando será possível manter o acordo? Pelo resumo já da para perceber que o filme teve problemas com a censura que estava se instaurando no cinema. Por causa de insinuações e ousadias, o que ficou ainda mais sério quando passou a funcionar o chamado código Hays (que limitava muita coisa). Talvez por isso foi uma das maiores bilheterias daquele ano, curioso também porque o astro Gary Cooper pela primeira vez na TV fala francês língua que ele já dominava! Mas praticamente foi modificado do texto original e conservada apenas uma frase ao final (quando dizem “Para o bem de nossas almas imortais”!).

Lubitsch queria no elenco Ronald Colman e Leslie Howard, mas eles pediram dinheiro demais e o substituto foi Douglas Fairbanks Jr (mas este ficou doente de pneumonia). A montagem teatral na Broadway aconteceu em janeiro de 33, com o autor Coward e mais a famosa dupla Lynn Fontanne e Alfred Lunt tendo 135 performances. O filme tinha originalmente 105 minutos, mas foram cortados 14 minutos ninguém sabe explicar bem porque... A protagonista do filme se chama Gilda que viria a ser o nome também (e raro) de Rita Hayworth na produção de 46 e novamente ninguém sabe bem porque. Curiosamente o filme não foi sucesso em sua estreia e rejeitado pelos críticos (porém com o passar do tempo, a opinião foi mudando e hoje virou um clássico!).

 

 

 

Ladrão de Alcova *****

Este é considerado com justiça a obra-prima do diretor (e ponto chave para toda sua obra). Basicamente são dois ladrões de jóias que se apaixonam, mas são ameaçados por nova vítima. Para entender o que seria uma “comédia sofisticada”. No filme, Gaston Monescu, um sofisticado ladrão europeu, encontra sua alma gemer Lily, uma batedora de carteiras que se disfarça de condessa. Os dois unem forças e vão trabalhar para Madame Colet, a bela dona de uma companhia de perfumes. Gaston usa um nome de guerra, virou Monsieur La Valle e é secretário pessoal do Monsieur La Valle. Mas surgem boatos e o segredo da identidade fica em perigo, porque Gaston fica preso entre duas belas mulheres.

Bom gosto, classe, charme, educação, discrição, humor fino, foram coisas que entraram definitivamente fora de moda no final do século 20 onde passaram a imperar nas comédias a vulgaridade e grossura. Mas hoje vamos tentar uma exceção porque vamos entrar no mundo elegante sofisticado e charmoso do mestre Ernest Lubitsch e assistir uma de suas obras primas. Era mesmo bom que os humoristas atuais tomassem um banho de Lubitsch. Ele sabia que sugerir pode ser mais engraçado do que mostrar, que a espera da piada é tão saborosa quanto desfrutar dela. Herdeiro direto da tradição da sofisticação europeia, ele conseguiu encontrar nos estúdios da Paramount o espaço ideal para criar um mundo de faz de conta - e usando uma palavra fora de moda - que também era picante! Mesmo com uma censura ferrenha em cima, nunca deixou de contar o que desejava. O estúdio o promovia como “o homem que tem o toque dourado” porque Lubitsch teve a sorte de chegar à América já famoso como um estilista que fazia os sucessos da grande estrela européia Pola Negri. Uma reputação que ele não deixou de solidificar fazendo inovadoras e maliciosas comédias musicais com Jeanette Mac Donald e Maurice Chevalier, tão charmosas que ninguém era capaz de dizer vendo os filmes que a dupla se odiava. E depois numa carreira brilhante só interrompida por sua morte prematura, manteve sua reputação dos cineastas mais admirados pelos colegas.

Lubitsch planejava suas fitas nos mínimos detalhes (até mais do que Hitchcock) e elas sempre refletiam sua visão de mundo, muito mais idealizados obviamente do que a vida real. Por isso você não pode perder Ladrão de Alcova, um dos filmes que dizem os livros que temos que ver antes de morrer. Curiosamente este filme teve problemas com a censura (já que ele foi inicialmente realizado antes de aprovarem o código moralista). Em 1943, a Paramount quis fazer uma versão musical da história e a censura não permitiu. Era forte demais! Ainda assim é interessante saber o que significa o Lubitsch: o famoso toque enfatiza a elegância, mas também a discrição, expressava sempre o bom gosto, mas sempre sendo econômico com o que deve ou não deve ser mostrado, confiando mais no público que sempre saberá dizer melhor a diferença! A peça original que inspirou o filme chamou se "A Becsuletes Megtalalo" (A Descoberta Honesta) e estreou em Budapeste em Dezembro de 1931. O filme está incluindo na lista do 100 maiores filmes da História do Cinema pelo American Film Institute.

Apesar de tudo não se pode esconder que este é um filme amoral, cheio de comédia de identidades trocadas, sempre com uma crítica contra as classes sociais, diálogos espertos, uma narrativa graciosa, direção de arte com o melhor da art deco (feita por Hans Dreier, chefe do departamento de arte da Paramount) e sempre sugestões sexuais não muito disfarçadas. Foi feita em 1930, para criar os preguiçosos e tolos ricaços. Sempre vulneráveis as suas vaidades. O fato de ter sobrevivido ao teste do tempo é um milagre!

 

 

A Oitava Esposa do Barba Azul ****

Comédia clássica do mestre Lubitsch (1892-1947), pela primeira vez com roteiro de outro mestre do gênero, Billy Wilder (e seu parceiro habitual, Charles Brackett). E que também serve para relembrar o quanto o astro Gary Cooper (1901-61), imortalizado principalmente pelos westerns e filmes de guerra, era um excelente comediante, sutil e com timing perfeito. Aqui o milionário americano que faz parece uma versão mais jovem do ricaço de Amor na Tarde, que ele estrelaria em 1957 com Wilder, cuja oitava esposa é uma decidida francesa filha de um marquês falido (Colbert). O filme já começa com uma sequência antológica e frequentemente citada, com Cooper e Colbert se conhecendo na seção de roupas masculinas de uma loja de departamentos da Riviera muito chique, onde ambos querem comprar um pijama, ele só as calças, ela só a parte de cima.

Um aviso previne ("Fala-se Inglês. Americano Entendido” diz o sinal). A câmera de Lubitsch acompanha o pedido revolucionário usando a escada ate quando alcança o dono, que sai da cama de pijama só com a parte de cima para declarar isso como “comunismo”, Claudette Colbert entra para comprar a parte de baixo esbarrando numa confusão de conceitos e objetos. ("Tchecoslovaquia" falado de trás para diante é um sedativo, a banheira de Louis XIV que tem o tamanho de Cooper). Ele é multimilionário Americano, Colbert é a filha de um nobre sem um tostão (Edward Everett Horton) o namoro é apressado (“Fazer amor é a burocracia do casamento”), o casamento é resolvido com arranjos pré-nupciais, ou acordos, que podem ser também um escândalo, ou barganha. Quando Cooper fala para Colbert sobre as sete esposas anteriores justamente na hora em que estão tirando a fotografia, a noiva não consegue manter a pose. São momentos como esse em que o filme se modifica se tornando uma comédia absurda e hilariante. A lua de mel em Veneza Mostra os casal em duas gôndolas diferentes, agindo mais como estranhos do que nunca. Cooper esta pronto para assumir a A Megera Domada usando cebolas como armas. E exigindo “Cumpra o seu contrato”. Talvez muitos dizem que o filme é melhor entendido por outros cineastas do que críticos. É fácil perceber que o filme influenciou Esse Obscuro Objeto do Desejo de Buñuel, As Tres Noites de Eva, Mel Brooks na maquina de escrever de The Producers ou Alta Ansiedade.

Daí segue-se uma infinidade de momentos deliciosos, engenhosos e cheios de frescor e de erotismo esperto que definem o que era o lendário “Toque Lubitsch”. A peça francesa na qual o roteiro se baseia, de Alfred Savoir, já tinha sido filmada em 1923, ainda no período mudo, com Gloria Swanson. Curiosidade: Quando Lubitsch pensava numa maneira de abrir o filme, pediu a ajuda de seus parceiros Billy Wilder e Charles Brackett. E foi Billy quem sugeriu a confusão dos pijamas que foi logo aprovada com entusiasmo. Só semanas depois é que descobriram que há tempos Billy estava planejando essa cena. O filme foi baseado numa peça francesa de Alfred Savoir que foi produzida na Broadway em 19 de setembro de 1921, e ficou em cartaz por 115 performances. Depois foi produzida como filme mudo com Gloria Swanson (claro que como A Oitava Esposa de Barba Azul, 23).

várias vezes tenta segurar o marido. Roteiro de Billy Wilder feito por experts.

 

Madama Dubarry ***

O depois mestre da comédia sofisticada Ernst Lubitsch (1892-1947) começou a carreira na Alemanha, ainda no período mudo, realizando uma grande variedade de filmes onde já se via seu apuro e grande talento, vários deles com a polonesa Pola Negri (1897-1987). É o caso desse melodrama histórico razoavelmente fiel aos fatos, biografando a famosa amante de Luís XV, a Madame Du Barry (1743-1793). Uma visão benevolente da personagem, mais vítima que vilã e que pouco se utiliza do imenso poder que a predileção real lhe dá, servindo no mais das vezes como joguete das intrigas palacianas e por fim da sanha dos revolucionários, já no reinado de Luís XVI. O filme, como muitos da época, tem encenação rígida e teatral, com a câmera imóvel e atuações exageradas, em especial Pola, cuja carreira praticamente se encerraria com a chegada do cinema falado. Quem faz Luiz XV é o grande astro do cinema alemão de então, Emil Jannings (1884-1950) de O Anjo Azul! Logo o diretor migraria para Hollywood onde faria História. Cópia restaurada, suavemente tingida a cores.