Crítica sobre o filme "Um Barco e Nove Destinos":

Rubens Ewald Filho
Um Barco e Nove Destinos Por Rubens Ewald Filho
| Data: 16/08/2018

Logo após chegar aos EUA em 1939 o diretor inglês Alfred Hitchcock (1899-1980) realizou alguns filmes convencionais e sob encomenda (como Rebecca e Um Casal do Barulho) e outros mais autorais (Suspeita e em especial A Sombra de Uma Dúvida, uma de suas obras-primas). Este foi seu primeiro projeto inteiramente ousado e criativo. Baseado em um conto de John Steinbeck (que não gostou do filme por achar que o diretor tratou de forma racista o personagem negro), é uma fábula moral, em que toda a ação se passa dentro de um bote salva-vidas, sobre um grupo de sobreviventes de um navio americano bombardeado por um submarino alemão na II Guerra. Há um liberal quase comunista (Hodiak), um simplório (Bendix), um ricaço falsamente humilde (Hull), um negro religioso (Lee). E uma escritora sarcástica e cínica, que aos poucos se humaniza, o melhor momento no cinema da grande Tallulah Bankhead (1903-68). Eles acabam resgatando do mar um nazista (Slezak), que progressivamente os domina, utilizando suas fraquezas e jogando uns contra os outros com a intenção de sobreviver e alcançar um navio alemão.

O roteiro é brilhante, um estudo de personagens em que todos estão bem caracterizados e críveis, um microcosmo da sociedade seduzida e ludibriada pelo nazismo e que acaba sendo levada por ele à selvageria e violência. Também é acertado o retrato do alemão, um quase super-homem de extremo autocontrole e sangue frio. Mas incapaz de demonstrar humanidade, de sentir gratidão ou piedade. O filme nunca perde o ritmo e vai construindo aos poucos o drama, pontuando tudo com o horror da guerra: um bebê afogado, uma perna gangrenada amputada, o enlouquecimento causado pela sede. Todo rodado em estúdio, em um grande tanque e com back-projections, é tecnicamente impecável, extremamente realista e bem realizado(quase todo o elenco pegou pneumonia!). Até a tradicional aparição de Hitchcock é criativa, em duas fotos do tipo “antes e depois” em um anúncio de remédio para reduzir peso em um jornal dentro do bote (curiosamente as fotos eram reais, visto que o diretor estava mesmo em pesada dieta).

Não foi um grande sucesso na época, talvez devido à sobriedade da narrativa e à falta de maniqueísmo do enredo, mas hoje se alinha entre as grandes obras do diretor. O famoso escritor Ben Hecht ajudou a revisar o roteiro e o final. Foi indicado aos Oscars de filme, direção e roteiro adaptado.