Os Assassinos ****
Ao lado de Laura (1944, de Otto Preminger) este é um dos grandes clássicos do cinema noir. É um daqueles filmes sombrios, magistralmente narrado em flashbacks e cujos meandros da trama vão se tornando cada vez mais abstratos e secundados pelo clima É adaptada de um conto curtíssimo de Ernest Hemingway que apenas mostrava o Sueco sabendo que os criminosos estão subindo para lhe matar e recusando a fugir. (aliás, é uma das poucas adaptações de obras suas que Hemingway gostava e ficou amigo para o resto da vida de Ava). Foi também uma notável estreia no cinema para Burt Lancaster (1913-94). Ele era trapezista de circo e aparece relativamente pouco, mas virou astro quase instantaneamente, esbanjando carisma e segurança como o Sueco, o fatalista ex-lutador de boxe em torno de quem a história gira. Desde o começo um ator dedicado Lancaster treinou boxe dois meses para tornar realistas as lutas. Também sua química com Ava Gardner (1922-90) ajuda. Ava vinha de uma infinidade de pontinhas insignificantes na MGM, mas foi aqui emprestada à Universal, em um vistoso papel de femme fatale, que chegou ao estrelato. E também o pouco lembrado hoje Edmond O’Brien (1915-85) mostra a sua competência como o detetive de seguros que vai deslindando o mistério. Mas tudo seria menos memorável sem a direção estilosa e precisa do alemão expressionista Robert Siodmak (1900-73), que acertou em cheio ao adaptar a linguagem rarefeita de Hemingway para a tela. Mas também merece crédito o produtor independente Mark Hellinger (1903-47), que em poucos anos faria uma série de filmes ousados e inovadores. Assim como o compositor Miklós Rózsa e sua marcante e influente trilha musical. Foi indicado aos Oscars de direção, roteiro, música e montagem. Em 1964, foi feita boa versão para a TV homônima com Ronald Reagan, John Cassavetes e Angie Dickinson, dirigida por Don Siegel. E que passou aqui em salas de cinema!
Sempre Chove aos Domingos **
Não entendi porque este filme foi incluído na coleçao Film Noir vol. 11 já que esta mais para história de costumes (poucos momentos de comédia) do que policial. Ele é elogiado como a primeira sátira social da produtora Ealing, que depois dele foi aperfeiçoando o gênero e o estilo. Mas é uma história de grupo social, basicamente a crise que os britânicos passaram com a falta de comida e recursos logo depois do fim da Segunda Guerra Mundial, quando havia toda sorte de dificuldades (ainda que não bem desenvolvidas no filme). A heroína é Googie, estrela na época esquecida totalmente hoje que vive numa modesta casa com uma família enorme, jovens ansiosas para namorar. O problema com ela é que um ex-namorado foge da cadeia e se refugia na casa dela. Enquanto isso continua a chover muito e somente uma boa sequência de perseguição numa estrada de trem vem a ter algum mérito. O resto é uma tentativa de comédia social que não chega a acontecer.
À Margem da Vida ****
Recordando Eleanor Parker, uma das Grandes
Num de seus livros, Dulce Damasceno de Britto, que foi durante anos correspondente dos Diários Associados em Hollywood, admite que Eleanor Parker era a mulher mais bela de Hollywood, especialmente ao vivo. Ninguém tinha sua pele, sua tez, seus cabelos ruivos, nem sua classe tímida e discreta, que certamente a impediu de ter sido ainda maior estrela. Na sua recente morte todos os lugares que eu vi diziam que morreu a Baronesa de A Noviça Rebelde quando na verdade este foi um dos papeis menos felizes de Eleanor (artificial de loira, em papel antipático em que não acertou especialmente). Mas outros como Christopher Plummer, confirmam o veredito de Dulce que, além disso, era extremamente talentosa. Teve três indicações para o Oscar em anos onde era difícil vencer. Seu trabalho como a jovem que é presa em Caged (À Margem da Vida, 50), é espetacular, mas perdeu para Judy Holliday num dos anos mais difícil da história do prêmio. Teria ainda duas outras indicações (em 51, por Chaga de Fogo, de William Wyler, como a mulher do policial Kirk Douglas que admite um aborto e em 1955, fez uma cantora de Ópera em Melodia Interrompida, que prossegue a carreira apesar de paralitica). Mas teve também outras incríveis interpretações que foram esquecidas: foi Mildred em mal recebida adaptação de Servidão Humana, que chamou-se Escravo de Uma Paixão, foi a vilã de O Homem do Braço de Ouro com Sinatra e perdeu para Joanne Woodward em 57, quando em Desejos Ocultos, Lizzie, sofria da mesma doença, personalidade múltipla. Mas tenho também meus favoritos. Seu papel mais inesquecível foi no capa-espada Scaramouche, como a Lenore, implacavelmente ruiva e sedutora . Como a mulher de Charlton Heston indo morar na Amazônia em Selva Nua, como a sobrevivente de a Fera do Forte Bravo, a estrela cinema fatal de Valentino.
Nascida Eleanor Jane Parker em 16 de junho de 1922, em Cedarville, Ohio, descobri agora por acaso por que ela largou a carreira relativamente tão cedo. Num livro sobre bastidores da Broadway, um agente de imprensa conta que ela estava ensaiando Pal Joey quando descobriram que ela não conseguia mais decorar os textos. Largou o Show e nunca mais trabalhou. Sabe-se agora que era uma doença então sem nome, hoje chamado de Alzenheimer. Como Rita Hayworth, viveu esses anos todos escondido em exílio. E a família negando acesso à imprensa. Sua carreira poderia ter começado aos 15 anos quando foi convidada pela Fox mas preferiu estudar mais um pouco e só em 1941 na Warner, onde não demorou a fazer parceria com Bogart, Errol Flynn, John Garfield, Paul Henreid. Seu melhor momento foi nos anos 50 quando estava na MGM, mas ao perder os prêmios foi-se também o super estrelato. Logo passou a fazer telefilmes e aparições em séries. Foi casada quatro vezes e mães de quatro filhos. Suas cinzas foram espalhadas no Oceano Pacifico.
Ao Cair da Noite ***
Drama romântico que pode prejudicar seu consume hoje em dia porque já esqueceram de sua dupla central. Dane Clark (1912-98) foi um tipo pouco bonito que teve uma carreira na época da Guerra enquanto Gail Russell, era uma bela morena de olhos claros que se tornou alcoólatra, namorou John Wayne e Guy Madison e acabou morrendo precocemente ( 1924-61). Meio Film Noir, meio drama policial. Teve ao menos um diretor importante, Borzage, ex-ator (que ganhou dois Oscars, O Sétimo Céu em 31 e Bad Girl, Depois do Casamento, 31, com James Dunn e Sally Eilers). Infelizmente esquecido era especializado em dramas românticos com este feito em estúdio com imagens evidentes. Dirigiu 107 filmes. Aqui é uma produção do modesto estúdio Republic feito com baixo orçamento, na verdade raro para um estúdio mais especializado em seriados e faroestes. Sua carreira foi prejudicada porque foi perseguido pela lista negra, sendo acusado de comunista e obrigado a não trabalhar por um ano. O filme tem uma leitura social e humanista, Danny Hawkins´s (Dane) teve problemas em sua cidade sulista porque o pai foi enforcado por assassinato e teve que viver com sua tia Jessie (a lendária Ethel Barrymore, tia avó de Drew Barrymore). Todos diziam que ele tinha um sangue ruim por causa do pai. E perseguido pelo filho do banqueiro local (Lloyd Bridges). Mas tem o amor de Gilly (Gail Russell), também disputada por outro. A situação se complica e ele se esconde num pântano. A avó e um xerife e um negro tentam ajudá-lo. Embora pareça hoje um pouco falso, tem uma mise-en-scene estilizada que pode ou não agradar hoje em dia. Garson Kanin queria fazer o filme com John Garfield enquanto John Farrow chamou Alan Ladd (claro que nenhum deles deu certo) assim como com James Stewart e Burt Lancaster. Ethel só aparece nos dez minutos finais do filme.
Rebelião no Presídio ***
Drama policial B produzido por uma dupla famosa, Walter Wanger e Walter Mirisch. O filme teve boa repercussão chegando a ser indicado ao Bafta britânico (de filme americano e o ator Neville), e Siegel, indicado como diretor pelo Sindicato americano. Na verdade, até então Siegel trabalhava como editor (inclusive cenas indicam revoltas ou protestos políticos) e a partir daqui viria a ser um diretor produtor importante e talentoso, o conselheiro de Clint Eastwood (fizeram vários filmes juntos) e dramas policiais. O filme grande sucesso de bilheteria para a Allied, antiga Monogran, é modesto na produção e a trama na época original hoje já é banal (os prisioneiros revoltados com as condições de vida na cadeia, iniciam uma revolta capturando funcionários e guardas, até chegarem a possível negociação com a administração). Interessante é a participação do produtor Wanger. Ele quis fazer o filme porque esteve preso por quarto meses por ter dar um tiro no agente Jennings Lang que seria o amante de sua mulher Joan Bennett. Essa experiência o levou a fazer o filme na prisão de Folsom State Prison com a ajuda dos guardas e prisioneiros, como conselheiros técnicos. Assim como Leo Gordon, veterano de Guerra que era preso por roubo e Sam Peckinpah, o famoso futuro diretor cujo pai Denver era importante juiz na Califórnia. O filme foi tão bem sucedido que Wanger chamou Siegel para outro filme, outro sucesso Vampiros de Almas, 56.