Uma Vida Marcada ***
Um clássico do cinema noir, feito por um dos mestres do gênero. Na verdade, é uma refilmagem de Manhattan Melodrama (Vencido pela Lei, com Clark Gable e William Powell, 34). Dois amigos de infância tomam rumos opostos na vida: um se torna policial, o outro bandido. E seus caminhos voltam a se cruzar depois de um assassinato. Estreia no cinema da jovem e bela Debra Paget, que durante uma década chegou a ser estrela (ainda está viva, mesmo que esquecida). Roteiro não creditado de um grande especialista no gênero, Ben Hecht. Talvez a história seja familiar demais e com poucas novidades. Mas o diretor consegue criar uma poesia cinemática usando a calçada molhada das ruas da cidade, o constante barulho do tráfico, sirenes das ruas, ou seja, a paisagem urbana de um bairro pobre de uma grande cidade, com tráfico e polícia, vida no gheto e a corrupção diária. Siodmak, que se sentia mais confortável quando trabalhava no estúdio, aqui utiliza umas vividas locações para dar ao filme um clima de documentário. Sempre mantendo sua marca registrada expressionista. É uma trama pesada mas muito bem executada, com ótimo elenco de apoio, e os dois heróis feiosos Conte e Mature em seus melhores dias. Ainda que tenha fãs que acham o máximo a alto e gordo Hope Emerson, uma das figures mais sinistras do cinema!
Robert Siodmak
Olá. Convido vocês a conhecerem a obra de um dos maiores cineastas de Hollywood, infelizmente hoje um pouco esquecido. Mas nos anos quarenta, Robert Siodmak foi um dos mestres do Filme Noir. Teve uma carreira internacional justificada porque tinha pais alemães. O pai era banqueiro em Leipizig, embora as fontes sejam contraditórias, alguns dizem que ele nasceu nos Estados Unidos, outras falam em Leipizig, na Alemanha. Mas foi lá que começou como autor, produtor e diretor de teatro, perdendo seu dinheiro com a crise econômica e a inflação. Tentou fazer cinema se tornando montador e estreando na direção em 1929. Em 1933 teve que fugir da Alemanha perseguido pelo nazismo. Depois de um estágio em Paris, veio para Hollywood em 1940 contratado pela Universal. Foi lá que fez uma raridade no Brasil, Férias de Natal (Christmas Holiday, 1944, que tem roteiro de Herman Mankiewicz, o mesmo de Cidadão Kane, baseado num romance de Somerset Maugham). Siodmak estava a serviço da atriz mais popular da Universal que era a cantora Deanna Durbin que desejava provar que também sabia interpretar papeis dramáticos. Mas como tinha o jeito de ingênua, tiveram que mudar a história, em vez de uma prostituta russa em Paris, ela virou uma cantora de Night Club em Nova York que se casa com um homem rico que se revela um canalha. É curioso que como galã a Universal pediu emprestado a Metro o jovem e na época promissor Gene Kelly, outro astro de musicais. Mas o filme é dramático, tem a marcante fotografia em preto e branco e nunca foi mostrado no Brasil desde sua estreia. Apesar de ter sido sucesso, a Universal nunca mais quiser fazer outro filme do gênero e Deanna acabou se desinteressando e se aposentando prematuramente.
No mesmo ano, 1944, Siodmark fez outro filme famoso com outra estrela do estúdio, Mulher Satânica (Cobra Woman), estrelado por Maria Montez. Nascida na República Dominicana, Maria era uma figura exótica, que virou estrela de fitas no estilo sand and sexo, areia e sexo. Aqui está ao lado seus habituais parceiros Jon hall e Sabu, numa fita cult que não é para ser levada a sério. Tem-se até a impressão de que Siodmak lhe deu um leve tom de sátira. Maria teria morte prematura em 1951, quando tomava um banho de banheira. Tinha 34 anos incompletos.
Para muitos a obra prima do diretor é Os Assassinos (Killers, de 1946), brilhante adaptação de um pequeno conto de Ernest Hemingway sobre um boxeador que acha que vai ser assassinado. O filme ficou famoso por ter lançado dois grandes astros, Burt Lancaster e Ava Gardner. Burt era antes um trapezista de circo e Ava fazia pontas na Metro, que lhe emprestou para a Universal. O filme é um dos grandes clássicos do cinema policial americano.
Robert Siodmak fez ainda Deportado (Deported, 1950), outra história de gangster em que Jeff Chandler, é deportado para a Itália e se envolve com bandidos do mercado negro. Novamente os astros do filme teriam morte prematura. Jeff morreu em 1961 por erro médico quando foi operado por uma hérnia de disco. Tinha 43 anos. A estrela aqui é Marta Toren, uma bela sueca que morreu de leucemia em 1957, com apenas trinta anos.
Estranha Fascinação **
Após 14 anos, Frankie sai da prisão e vai atrás de seu antigo comparsa, Noll Turner, mas descobre que muita coisa mudou no mundo do crime durante a sua ausência. Noll Turner, que traficava uísque agora é um rico gerente de um nightclub. Frankie achava que eram ainda amigos, mas nem os métodos de tráfico de bebidas ajuda muito. Elogiado filme noir que foi refeito na Turquia em 65. Canção de Hoagy Carmichael chamada Heart and Soul é representada pelo compositor. Apesar do elenco, o diretor não é dos mais famosos (A Selva Nua - The Naked Jungle) e tenta misturar o clima noir com uma situação romântica. Embora seja divertido e consiga entreter o espectador, a melhor interpretação é do hoje esquecido Wendell Corey, como o irmão covarde. Um detalhe o roteiro é baseado na peça Beggars Are Coming to Town de Theodore Reeves que tem uma conclusão melodramática. Ou seja, é menos do que deveria ser.
O Ódio É Cego **1/2
Foi indicado ao Oscar de melhor roteiro assim como o National Board e o Sindicado dos Escritores. No mundo tão polêmico e racista da atualidade é importante assistir este que é um dos poucos filmes corajosos da época que por sinal é a estreia do grande astro da categoria Sidney Poitier (ainda vivo) e outro coadjuvante black importante que foi Ossie Davis. É um drama até polêmico e violento, criticando o racismo com o ótimo Widmark (na época famoso por seus papeis de bandido ou safado) que contrata gangsters amigos para se vingar da morte de seu irmão criando perseguições. Poitier faz esse médico negro que é designado para tratar de dois suspeitos brancos, que são irmãos. Quando um deles morre, as tensões raciais explodem. O diretor ganhou 4 Oscars em sua carreira.
Os Valentões ***
Roteiro original e em começo de carreira do famoso Blake Edwards (então parceiro de Quine, que por sua vez foi ator e diretor de muitos filmes, namorado de Kim Novak). Blake e o amigo transformam o resultado em algum superior, dando ao lendário Mickey Rooney (os dois eram amigos e fizeram muita coisa juntos, sendo que o ator demonstra ser bom ator, porque este é de seus melhores momentos). Um mecânico honesto Eddie Shannon é um mecânico de carros esportivos que sonha em se tornar piloto em corridas europeias. Ele se apaixona por Barbara Matthews, a namorada de um gângster, que o convida a participar de um carro num assalto ao banco. Reluta muito mas participa do assalto até descobrir que Barbara estava apenas usando ele. A vingança virá. O filme é admirado por Martin Scorsese e um grande momento de Rooney (1920-2014).
Golpe do Destino **
Modesto e raro filme Noir originalmente da RKO, famoso por ter sido na realidade dirigido pelo astro Dick Powell (1904-63), que ficou sem o crédito (foi o primeiro filme de Parrish que seria consagrado pela crítica francesa. Ele ganhou um Oscar como montador do filme Body and Soul, 47/Corpo e Alma). Parrish estava prestes a ir para a televisão onde faria muito sucesso como produtor e ator, para mais tarde acertar também como realizador de cinema, até a morte prematura. O roteiro é bastante sólido, mas a trama é previsível, com Powell reencontrando as pessoas do passado (a bela Rhonda que por sinal ainda está viva como a ex-namorada, o detetive de polícia que cuidou do caso, o gangster vivido pelo gordo e expressivo Conrard). Mas alguns personagens não fazem muito sentido (como o falso amigo alcoólatra que o ajuda a sair da cadeia, ou a punguista que é eliminada na trama sem mais nem menos). Praticamente um filme B que só se valorizou por causa do gênero Noir que entrou em moda.
Concerto Macabro ****
Uma clássica trilha musical do grande mestre Bernard Hermann (das trilhas de Hitchcock) é uma das qualidades maiores deste notável suspense. Justamente a figura mais importante é a presença de Cregar, no seu último trabalho. Ele usa seu tipo assustador e original, no papel de um compositor misterioso. Ou seja, na Londres vitoriana, a polícia suspeita que um músico, que sofre de períodos de amnésia, pode ser um assassino. Mistura de noir e gótico, ele tenta matar mulheres a cada vez que ouve vozes altas e distorcidas. O roteiro foi escrito por um certo Barre Lyndon (nada a ver com o filme de Kubrick) que ao contrário se inspira num roteiro de outro escritor Patrick Hamilton. O filme é citado por Stephen Sondheim como inspirador de Sweeney Todd. Muita elogiada cenografia da Londres Vitoriana. Vale a pena conhecer.
Laird Cregar
Este ator tem nome difícil e francamente está meio esquecido. Mas houve tempo em que (Samuel) Laird Cregar era considerado um dos melhores vilões do cinema, um verdadeiro sucessor de Charles Laughton. A Fox o considerava um Sidney Greenstreet jovem. Afinal era um homem grande, alto, forte, capaz de trazer compaixão aos personagens que representava. Nunca era o herói mas teve sempre uma presença marcante. Nascido na Filadélfia em 1916, ganhou bolsa para estudar arte dramática em Pasadena e em 1940 conseguiu pontas no cinema. Foi fazendo o papel de Oscar Wilde numa peça que conseguiu ser descoberto e contratado pela Fox. Você viu Laird na YV como Mr Spettigrew no A Tia de Carlitos com Jack Benny e Kay Francis. Foi um detetive sinistro em Quem Matou Vicky (I Wake up Screaming) com Bette Davis. Esteve junto de Alan Ladd e Veronica Lake no clássico Alma Torturada (This Gun for Hire). No capa espada O Cisne Negro ele foi o arqui-inimigo de Tyrone Power, o Capitão Henry Morgan. Mas também foi o amigo do mocinho no musical Aquilo Sim Era a Vida (Hello Frisco Hello, com Alice Faye). Sob a direção de Lubitsch teve a grande chance de interpretar o diabo em O Céu Pode Esperar, era ele quem controlava a entrada do inferno e impedia Don Ameche de entrar... Vindo de família rica da Filadélfia, aos 9 anos já se mudou para a Inglaterra na Winchester Academy e fez questão de fazer papel de pagem com os Strattford Upon Avon Players. De volta aos EUA formou-se pela Episcopal Academy e ganhou uma Bolsa do Pasadena Plauhouse famoso grupo teatral da Calif[ornia de onde saiu também Gregory Peck. Fez algumas pontas em filmes menores, mas se revelou interpretando Oscar Wilde. Logo foi chamado para fazer o temível critico de tourada em Sangue e Areia, com Tyrone Power. Sua carreira estava entrando no auge, quando a vaidade o matou. Seus dois últimos papéis foram de personagens malignos e hoje são considerados os grandes momentos do ator, a figura do Jack o Estripador em Ódio que o Mata e depois outro assassino maníaco em Concerto Macabro. Decidido a virar galã resolveu fazer um drástico regime para emagrecer. Exagerou. Seu coração ficou enfraquecido e em 9 de dezembro de 1944 morre de enfarto em consequências de operação no estômago. Tinha um metro e noventa e um, era homossexual e apenas 31 anos. Vincent Price fez o elogio fúnebre. Sua carreira durou apenas 6 anos.
Encontro em Londres ***1/2
É extra no DVD, mas de primeira linha! Drama policial britânico (o diretor Dearden era muito famoso e respeitado, por filmes importantes como Meu Passado Me Condena, A Lâmpada Azul, Na Solidão da Noite, Safira, com 45 créditos, morreu em acidente de carro). Sobre dois marinheiros em Londres, um americano aberto aos roubos e tráfico e contrabando, e um jamaicano honesto. E também os bandidos e garotas que eles conhecem. Um assalto a joia da errada e os envolvidos tem que decidir se querem tentar fugir ou fazer a coisa certa. O filme tem uma fotografia especialmente marcante do centro da Londres central quase vazia num domingo. Conhecido por ter sido o primeiro britânico a apresentar um romance de raça mista, os críticos ingleses o consideram uma joia. Sem ter mão pesada, o filme aborda temas de raça, desespero, moralidade, solidão, sempre dando um tour pela cidade de Londres, com um elenco variado de bons atores coadjuvantes. E foi brilhantemente realizado por Dearden.