Este é finalmente o aguardado filme estrelado por uma das figures mais notáveis do repertório da Marvel, o Pantera Negra (o papel título apareceu já noutro filme deles, mas sem o mesmo destaque que foi Capitão Guerra Civil, 16). Não deixa de ser um atrevimento realizar esta aventura cara que é bem diferente como ação, fantasia, ficção científica realizada praticamente com elenco totalmente negro, com poucas exceções. Mas o mérito inicial é sem dúvida a escolha do que há de mais talentoso entre novos atores desta geração, em especial os dois protagonistas. Ainda não bem conhecidos por aqui, mas são altamente carismáticos (sempre admiro os atores negros que parecem ter um carisma, uma verdade, uma presença mais forte do que os norte-americanos).
O herói aqui é o pouco conhecido no Brasil, Chadwick Boseman (1976-), cujo filmes não tiveram grande distribuição no Brasil apesar de sua qualidade. Entre eles, biografias como A História de uma Lenda (Jackie Robinson, o primeiro esportista negro a jogar numa liga de beisebol, 13), A Grande Escolha (Draft com Kevin Costner, 14), A História de James Brown (14), o fraco Deuses do Egito (afinal todos tem que ganhar dinheiro! 16), King, uma História de Vingança (o policial Message from the King, 16), o ainda inédito e bom drama de julgamento Marshall (17), e o próximo Vingadores, Guerra Infinita.
Mas é importante que ele também tenha um inimigo, um rival, que é feito por outro ator brilhante que é bem mais novo que Chadwick, Michael B. Jordan (1987-) que tem uma figura mais cínica e perigosa. Que começou mal na infeliz aventura de O Quarteto Fantástico (foi Johnny Storm, 15). Por sorte, tinha feito um filme independente que foi premiado e louvado, aliás ele brilhava e que foi premiado, Fruitvale Station, a Última Parada, 13, que seguia Poder sem Limites, Esquadrão Red Tails, ambos de 12, este filme produzido por George Lucas. O reconhecimento veio com Creed, Nascido para Lutar, 15, com Stallone numa linha meio Rocky (e que vai ter continuação agora). Seu trabalho mais recente é uma refilmagem para a TV de Farenheit 451 de Truffaut. E não se pode esquecer de um terceiro componente, que é atualmente indicado ao Oscar de melhor ator (como foi no Globo de Ouro) que é Daniel Kaluuya, astro do polêmico Corra! (indicado a 4 Oscars) e que tem um tom diferente dos parceiros, no papel de W´Kabi.
Há outra figura fundamental em todo o projeto que é a do diretor Ryan Coogler, 1986, logicamente negro que justamente foi o realizador de Creed, Fruitvale e agora este Pantera (e a seguir Wrong Answer, novamente com Jordan). Tem sido super badalado nos EUA pela crítica (teve recorde inclusive) e também no Brasil.
Confesso a primeira vista me surpreendeu a opção dos realizadores em fazerem um filme positivamente africano (os sotaques são carregados, embora as cachoeiras utilizadas são não apenas locais mas também imagens da nossa Iguaçu). O lugar se chama Wakanda, que escondeu seus segredos de tecnologia na certeza de que seriam atacados por potências ambiciosas. O rei do lugar é T´Challa, que na verdade está enfrentando problemas pela morte de seu pai e o problema de assumir o cargo e as responsabilidades (Lupita faz a namorada em um papel mais ativo do que outros e a mãe é a notável Angela Bassett). Mas há uma disputa de vários rivais (além de Jordan, que só aos poucos irá revelando suas ambições) e a complexidade da vida naquele país disputado também por traficantes de armas (a figura mais explosiva e um pouco caricata é justamente a de Klaw, um super ladrão que é interpretado por Andy Serkis. Que finalmente está deixando de ser apenas um modelo para personagens bizarros). É quando o filme vai ganhando clima de James Bond passando por ambientes suntuosos do Ocidente com variantes de lutas e suspeitas (e no caso, o ocidental que é o bom e legal amigo é o britânico Martin Freeman, atualmente mais lembrado como o Doutor Watson, da série de TV recente).
Tive certo problema de entender a parte inicial, ou seja, um prólogo e vai-se custar a perceber que a conclusão terá uma resolução positiva e nunca vista em filmes de ação.
Mas nada disso afeta as marcas da Marvel com a aparição de Stan Lee como um viciado em jogo e a tradicional inserção de dois finais o primeiro depois dos letreiros principais e mais um outro na conclusão com a aparição de um personagem muito querido no Brasil.
Pantera Negra: A Cor do Heroísmo
Por Adilson de Carvalho Santos
Na cerimônia de entrega dos Golden Globes deste ano Oprah Winfrey tornou-se a primeira atriz negra agraciada com o prêmio Cecil B DeMille, ocasião que aproveitou para lembrar do impacto da premiação em 1964 quando Sidney Poitier ganhou o Oscar de melhor ator por “Uma Voz nas Sombras”. Era a época da luta pelos direitos civis, um ano depois do histórico discurso “I have a dream” de Martin Luther King, nove anos depois da costureira Rosa Parks ousar dizer não a um ato de segregação racial, e um ano antes do assassinato do ativista Malcom X. Se esses representaram a luta pela igualdade racial no mundo real, faltava um símbolo que trouxesse a questão para o campo da ficção. Coube a Stan Lee e Jack Kirby a criação do Pantera Negra, primeiro super herói das HQs.
É verdade que antes do Pantera Negra, já existia o Lothar, braço direito do mágico Mandrake (1934) de Lee Falk, mas a imagem era por demais estereotipada. Em 1947 foi publicada a revista “All-Negro comics” com os personagens Ace Harlem e Lion Man, mas esta ficou restrita ao número um. Em 1954 ainda houve “Waku, Príncipe dos Batu”, da Timely Comics (Antecessora da Marvel), mas poucas histórias do personagem foram publicadas no título “Jungle Tales”. O Pantera Negra quebrou essas barreiras, pois mostrava um homem negro com super poderes e inteligência extraordinária, herdeiro do trono da fictícia nação africana de Wakanda. Sua primeira aparição foi na edição #52 do “Quarteto Fantástico”, de Julho de 1966, na qual somos apresentados ao príncipe T’Challa, um homem culto (foi educado nas melhores escolas da Europa e América) que precisou superar o desejo de vingança quando seu pai, o Rei T’Chaka foi morto pelo vilão Garra Sônica, que planeja se apoderar do valioso metal Vibranium, existente apenas em Wakanda.
Dois meses depois da criação do personagem foi fundado o Partido dos Panteras Negras, grupo extremista que por causa 20 anos confrontou a polícia e demais instituições na luta contra atos racistas. Temendo qualquer associação inicial, Stan Lee chegou a rebatizar o personagem de “Black Leopard”, mas não demorou muito para reverter para o nome original. Depois de sua aparição inicial, o personagem ingressou nos Vingadores, levando a ganhar o título “Jungle Action featuring The Black Panther” a partir de 1973.
Pantera Negra no Brasil
Em 1969 Pelé marcou seu milésimo gol pelo Santos derrotando o Vasco no Maracanã marcando 2 a 1. Era um negro alcançando um marco nos esportes, no mesmo ano em que Grande Otelo venceu como melhor ator no Festival de Brasília por seu papel em “Macunaíma”. Em meio a essas conquistas chegou a nossas bancas a revista “Homem de Ferro & Capitão América” #19 trazendo a história “The Claws of the Panther” originalmente publicada em “Tales of Suspense” #98. Foi o primeiro contato do leitor brasileiro com o príncipe T’Challa. Somente em 1974, a clássica história publicada originalmente no título do Quarteto Fantástico chegaria no Brasil na revista do “Homem Aranha” # 66, pela editora Ebal. Muitos anos depois, o personagem ganhou maior destaque no Brasil quando os heróis Marvel começaram a ser publicados pela Editora Abril a partir de “Superaventuras Marvel” #7 (Janeiro 1983). A Princesa Shuri, a irmã do Pantera Negra só seria conhecida a partir de 2005 quando o escritor Reginald Hudlin e o desenhista John Romita Jr assumiram um novo título para o heroi. Nos quadrinhos T’Challa é voltado para a ciência enquanto Suri é mais voltada para as crenças espirituais de seu povo. No filme os papeis foram invertidos fazendo de Shuri uma inventora e levando T’Challa a dimensão espiritual onde se comunica com seu pai falecido. Outro momento marcante do personagem no Brasil é a história do casamento do herói com a Tempestade dos X Men nas páginas de “Marvel Action” #8 (Agosto de 2007). Mais tarde, a Marvel reverteria tudo separando os personagens.
Outros Herois Negros
Com o caminho aberto pelo Pantera, outros super heróis negros seriam lançados: Em 1969 Sam Wilson, o Falcão tornou-se o parceiro do Capitão América, chegando a substituí-lo recentemente. Em meio a Blackexplotation (série de filmes com elenco e equipe essencialmente com artistas negros) surgiu o icônico detetive Shaft, interpretado por Richard Roundtree em 1971, e revivido por Samuel L.Jackson em 2000. Em 1972 a Marvel publicou “Luke Cage Hero For Hire”, que chegou ao Brasil um ano depois pela editora Górrion. Nesta ocasião, enquanto Luke Cage tinha o poder de ser incrivelmente forte e de pele indestrutível, na vida real o boxeador Muhammed Ali suportou 12 assaltos com o maxilar quebrado em luta contra Ken Norton. Em 1979, a DC Comics chegou a publicar a icônica história “Superman Vs Muhammed Ali”. A mesma editora contribuiu com dois personagens de peso: Em 1972 surgiu John Stewart o primeiro Lanterna Verde negro (extremamente popular na animação da “Liga da Justiça”) e em 1977 surgiu Raio Negro que viria mais tarde a ingressar na Liga da Justiça. Entre as heroínas, a Marvel tinha a mutante Tempestade (1975) e a rival DC tinha Vixen (1978) capaz de mimetizar as habilidades de vários animais. Nos anos 80 estrearam a “Capitã Marvel” (1982) e Cyborg (1980) que originalmente fazia parte dos Titãs, e depois foi reformulado para a Liga da Justiça. Um dos personagens mais populares nos anos 90 foi o “Super Choque” (Static), criado pelo roteirista Dwayne McDuffie em 1993, e que chegou a ter uma animação de sucesso na TV. McDuffie juntou-se a vários artistas afro-americanos e criou um universo de personagens negros na editora Milestone.
Os quadrinhos contribuíram com uma respeitosa representação étnica, mas devemos nos lembrar que o meio reflete os esforços de artistas desbravadores como a atriz Hattie MCDaniel que foi a primeira negra a ganhar um Oscar (atriz coadjuvante) em 1939 por “E O Vento Levou”, a gravadora Motown quer abriu espaço para artistas como Michael Jackson, Isaac Hayes, Marvin Gaye, ou em tempos mais recentes atores como Samuel L.Jackson, Morgan Freeman, Viola Davis, Idris Elba, Whopi Goldberg, Halle Berry, Denzel Washington entre outros. Sua voz e a nossa são uma só, a de nos lembrar que seja na ficção ou na vida real somos iguais, humanos, e precisamos ser super heróis para vencer o racismo e fazer todo o mundo lembrar que se ébano ou marfim, o equilíbrio real é conviver com as diferenças.