Polanski sempre foi um mestre em filmes em ambientes fechados, não necessariamente baseados em peça de teatro, como em sua estreia no clássico A Faca na Água (todo num barco), Repulsa ao Sexo (num apartamento), Armadilha do Destino (um castelo), A Morte e a Donzela (este sim teatral, numa casa). Embora tenha errado feio no filme anterior, Deus da Carnificina, se reabilita aqui na versão da peça de David Ives que fez bastante sucesso na Broadway e chegou a dar um premio Tony para a protagonista Nina Arianda (os atores foram Hugh Dancy e depois Wes Bentley).
Não é difícil explicar a atração de Polanski pela história que é baseada num livro famoso de Leopold Von Sacher -Masoch (1836-1895), que foi quem inspirou a expressão masoquismo. Afinal, o cineasta até hoje é fugido dos EUA (por ter tido relações com uma menor, ainda que consentida) e sempre lidou com variantes da psicossexualidade (como em Lua de Fel, O Inquilino, O Bebê de Rosemary, mesmo Chinatown). O que eu admirei mais no filme é a fluência da narrativa e a surpresa de ver a mulher de Polanski, a francesa Emmanuelle Seigner (está com ele desde 87, se casaram em 89 e tem dois filhos. Completou agora em junho 48 anos na melhor interpretação de sua carreira).
É um bom achado o começo do filme, uma tarde de chuva em Paris, quando alguém chega a um teatro e ingressa nele (foram utilizados dois teatros um para a externa e outro para os interiores). Ela é Vanda, uma loira madura que se veste de couro negro e poderia ser confundida com uma prostituta e que convence o diretor Thomas a fazer um teste com ela para a montagem de Venus (são apenas dois atores, ele é o bom Mathieu Almaric, de O Escafrando e a Borboleta e Quantum de Solace). Ele também é o adaptador do livro e com muita relutância, vai sendo seduzido pela esperteza e conhecimento de Vanda, que passam a viver os personagens do livro desnudando o mito de Venus Afrodite e a atração /fetiche por peles de animais. Não espere porém grandes ousadias ou cenas fortes, a relação é verbal e básica, não entra em detalhes sadomasoquistas.
Talvez seja um pouco previsível mas eu embarquei no jogo, que nunca chega ao exagero ou o explicito, é quase onírico e dominado pela figura de Seigner (ela foi indicada ao César, também ator, roteiro, trilha musical - do grande Alexandre Desplat, som e filme. Ganhou como melhor diretor!). Seria basicamente um exercício de estilo, mas demonstra que o veterano realizador (nasceu em 1933 e mesmo assim continua a ser cassado pela justiça americana!) ainda sabe cativar e nos envolver.