É sempre com interesse que eu aguardo um novo filme de François Ozon e raramente me desaponto. Fugindo da mesmice, variando gêneros, ele sempre é atrevido, divertido, indo do brilhante (Dentro da Casa) ao curioso (8 Mulheres) e já acumulando 36 créditos como realizador. Nunca nos deixando indiferente.
Desta vez ele acertou em cheio com um tema que atualmente esta em grande moda, o comportamento e as razões dos chamados “transgenders”. Claro que ele não é de fazer discurso, mostra as situações sem julgamento, mas com uma certa ironia, que não faz questão de esconder. Aqui ele convidou antes o ator belga Mathias Schoenaerts para protagonista, mas este recusou o papel, que foi para o mais famoso (e mais feio) Romain Duris, que na verdade dá outra leitura ao personagem, mais realista, mais patético talvez. Ou corajoso (ele foi indicado ao Cesar de melhor ator pelo filme, que foi também destacado pelo figurino). Foi também melhor filme em San Sebastian.
Aqui Ozon adapta ainda que livremente um livro da famoso escritora Ruth Rendell (1930-2015), autora de Carne Tremula (Almodóvar), Mulheres Diabólicas (Chabrol). Mas em geral mestre de tramas policiais. Aqui ele tomou certas liberdades, como matando um personagem central e acrescentar um bebê à história. São duas amigas de infância que juraram fidelidade eterna, Claire (Anais) e Laura (Isild), cujos laços ficam abalados naturalmente quando Laura fica doente e morre e deixa para o marido David (Duris) criar a filha bebê. Claire claro tem que ajudar com a participação de seu marido (o galã do momento Personnaz).
Os críticos acharam influência de De Palma e Almodóvar, mas acho que é a cara do próprio Ozon manter um clima de dúvida e ironia. Até o dia em que visitando a casa Laura encontra o bebê nos braços de uma mulher desconhecida, que no final das contas é David usando a peruca loira e o vestido da falecida! Mas não é gay. De qualquer forma na segunda parte o filme se torna mais comédia, sem nunca perder a ambiguidade. Um irreverente “divertissement”.