Crítica sobre o filme "Últimas Conversas":

Rubens Ewald Filho
Últimas Conversas Por Rubens Ewald Filho
| Data: 14/05/2015

Continua a ser difícil aceitar a morte trágica do grande diretor Eduardo Coutinho (1933-2014), assassinado pelas mãos do filho doente mental. Mesmo os que não conheciam pessoalmente guardam a lembrança ou a presença do diretor que criou um estilo muito particular de documentário conversando com as pessoas de uma maneira tão particular e pessoal que criou um gênero a parte. Um documentário de depoimentos sinceros e reveladores, que eram financiados pelos Irmãos Moreira Salles e que faziam descortinar um universo encantador e tocante, até mesmo por sua simplicidade.

Quando começa este filme Coutinho está reclamando do projeto, ranzinza, achando que nada esta dando certo, que foi uma má ideia chamar adolescentes para depor, que teria sido melhor ouvir crianças (eu discordo e ao final virá uma menina falar, com sua ingênua esperteza mas que em momento nenhum tem os momentos tristes e emocionantes que pipocam ao ouvir os teens se abrirem e contarem coisas, que muitas vezes parecem fazer isso porque querem que os pais os ouçam, que estes não fiquem impunes).

Com muita singeleza, o documentário acontece numa única sala e câmera, uma parede pintada de azul, uma porta (que o diretor quer aberta ao final) e uma cadeira. Assim vão entrando os convidados (que foram selecionados antes numa pré-conversa) e falam sobre eles, os pais, a escola, o bullying que sofreram (praticamente todos eles tem isso em comum), sobre o que é “ficar” (a garota vai se oferecer para dormir com o cara!), uma delas se esquece da vida ao cantar uma canção antiga que entoa com seu celular. Muitos deles são negros e todos são bonitos, a sua maneira. Pelo menos resultam assim, mesmo quando falam sobre a morte e incerteza de que existe algo além disso (vários deles se declaram ateus). Sente-se uma certa vontade de serem vistos e ouvidos, mas não seriam adolescentes se fosse ao contrário.

Mas todos se expressam de acordo com o que sentem como a jovem mulata (os irmãos de outro pai a ofendem xingando de preta) que se rebela contra a cota nas escolas (a que chama de racismo). O padrasto de uma jovem delicada tentou seduzi-la assim como a irmã menor e a mãe não acreditou. Uma velha história que se repete. Muitos escrevem e querem mostrar poemas. Todos tem sonhos e para desmentir o pseudo escândalo das lésbicas da novela das Nove, uma jovem homenageia seu “padrasto”, ou Pappi como chama, a mulher que é companheira de sua mãe e a tirou da vida na noite e hoje trabalha junto para dar a moça uma vida melhor.

São apenas alguns dos momentos tocantes que Coutinho magicamente extraiu dos jovens. Tudo muito humano, muito brasileiro, muito emocionante. Mais triste ainda quando se sabe que é será o último.