Crítica sobre o filme "Nada de Mau Pode Acontecer":

Rubens Ewald Filho
Nada de Mau Pode Acontecer Por Rubens Ewald Filho
| Data: 31/10/2013

Cerca de dez, quinze pessoas abandonaram a projeção no meio da sessão que assisti esse filme. Isso não se deve à falta de qualidade, mas ao seu poder cinemático. Nada de Mau Pode Acontecer é um filme feito para chocar, machucar e incomodar. Se a diretora Katrin Gebbe pudesse ver as pessoas provavelmente abriria um sorriso de canto de boca, o filme alcança as metas desejadas. Vale lembrar, esse é o primeiro longa da diretora, uma cineasta que vale à pena ficar de olho, caso seu estilo “Hanekiano” de tortura emocional seja do seu agrado. Ainda há lacunas a serem preenchidas, mas é animador ver alguém talentoso, ainda que com bastante espaço para melhorias.

O enredo gira em torno do protagonista Tore (Julius Feldmeier), um jovem católico extremamente devotado à suas crenças, que integra o grupo “Jesus Freaks”, uma versão “punk” dos cultos evangélicos mais fervorosos. Tore decepciona-se com algumas atitudes de seus “irmãos” e abandona o grupo, muda-se para a casa da família de Benno (Sascha Alexander Gersak), a quem Tore ajudou a consertar o carro. Tore é extremamente passivo e amoroso com a nova família, no entanto, essa sua passividade desperta, pouco a pouco, os sentimentos e reações mais violentas de quase todos os membros da família. Benno é um homem xucro por natureza, mas a violência crescente em relação à Tore é surpreendente, não apenas Benno, mas sua mulher e o filho mais novo dessa também tornam-se mais e mais agressivos, resultando em algumas cenas de tortura física e psicológica das mais intragáveis dos últimos anos. Tore, movido por sua crença, acredita que Benno é a encarnação do mal que Deus colocou na terra para que ele pudesse combater e, seguindo as palavras de Jesus “Se te derem um tapa no rosto, ofereça a outra face”, Tore tenta combater a violência com crescente passividade.

Esse estudo do ódio e crueldade humana me lembra uma performance executada por Marina Abramovic, onde ela ficava parada em uma cadeira e o público presente tinha a sua disposição diversos objetos com os quais eles poderiam acariciar ou agredir a artista. As pessoas começaram acariciando-a, mas à medida que eles perceberam que ela estava completamente passiva, foram tornando-se mais e mais violentos, a performance teve de ser interrompida, eventualmente. Provavelmente é essa a afirmação que a diretora quer fazer, que o ser humano é cruel por natureza. Não é das mais inovadoras, mas a construção em volta dela é notável.

Curiosamente, o filme é dividido em três partes - Fé, Amor e Esperança. O que de imediato remete à trilogia “Paraíso” do diretor, também alemão, Ulrich Seidl (Paraíso: Amor, Paraíso: Fé, Paraíso: Esperança). Não consegui achar nenhuma conexão solida entre os filmes, mas é interessante.

Nada de Mau Pode Acontecer é um filme cruel e doloroso, um filme que deixaria o diretor austríaco Michael Haneke orgulhoso (Talvez não o Haneke de “Amor”, mas o Haneke de “Violência Gratuita” e “Caché. Certamente não é para qualquer um.