Certamente como quase todo filme francês, este não é para todo o público. Espero que você tenha um gosto parecido com o meu, que admiro a cultura francesa, adoro Molière, sou encantado com histórias sobre grandes atores e suas idiossincrasias, curto histórias passadas em lugares tranquilos e exóticos (no caso, Ile de Ré, Charmante Maritime) que permitem longos passeios (no caso, obviamente de bicicleta) e conversações, passando por belas paisagens (mas de inverno, tristes). E principalmente sou grande admirador daquele que considero o melhor ator francês do momento o grande Fabrice Luchini (ele estrelou também o filme anterior do mesmo diretor em 2010, o divertido As Mulheres do Sexto Andar). Tive oportunidade de estar com ele algumas vezes em Cannes e observar sua personalidade de “grand vedette”, difícil, mal-humorado, vaidoso, estrela, de sólida formação no palco, mas que durante anos foi polindo o estilo de representar para o cinema. Assim como conheço bastante Lambert Wilson, co-astro do filme (até Jean-Thomas dono do Reserva Cultural e eu tivemos um episódio curioso com ele em Portugal quando Wilson quase morreu diante de nós engasgado com uma espinha de peixe!).
Tudo isso que mencionei pode sem dúvida ter me influenciado por ter gostado tanto do filme, mas o fato principal foi ter me interessado pela trama muito especial. Wilson foi um ator de meia idade (cabelos pintados de grisalho) que faz sucesso em séries de teve e que vai até o litoral desolado procurar um antigo amigo e parceiro de filmagem, um ator que há três anos abandonou tudo e mora numa casinha velha que herdou de um tio. Sua ideia é montar a primeira peça de Molière, O Misantropo, e quer que Fabrice retorne aos palcos já que adora o texto e o papel de Alceste (a princípio há uma disputa entre eles pelo personagem, mas surge a proposta de o alternarem a cada semana). Apesar da má vontade inicial, é o que chamamos de uma proposta irrecusável.
O filme irá se complicar (para se tornar também mais acessível) com a participação da dona da pensão que tem uma sobrinha que é atriz de filme pornô e que vem lhe pedir conselhos para a carreira, demonstrando inesperado talento, uma italiana mal humorada que está vendendo uma casa e que acha todos atores narcisistas, o agente imobiliário, uma vasectomia, Wilson quase morrendo afogado na jacuzzi, uma traição amorosa que parece perdoada fácil de mais, uma canção antiga de Yves Montand para servir de fundo para um passeio de bicicleta. E como sempre acontece nas relações humanas, a inevitável traição.
Há dois momentos deliciosos de Luchini falando italiano e tentando cantar com a canção Il Mondo no rádio...E o final vai surpreender ao fugir do lugar comum. Claro que tudo isso é para não deixar o filme arrastado e aborrecido. Se bem que para mim o maior prazer é ver os momentos de ensaio em que os dois atores alternam frases da vida com as de Molière.