Sem dúvida, Serra Pelada é um dos melhores filmes brasileiros deste ano, indiscutivelmente o mais bem produzido. É espantoso que tenha sido rodado em apenas cinco semanas e meia, dada a dificuldade de recriar todo um universo (quase) desaparecido, que foi o campo de mineração de Serra Pelada, no Pará, em 1980, ainda sob o domínio da Ditadura (era um morro, virou hoje um lago, foi o maior campo de mineração do mundo a céu aberto).
A história lendária chegou a ser tema de um dos filmes dos Trapalhões (82), Os Trapalhões na Serra Pelada que na verdade teve dificuldade de lidar com um assunto tão dramático, abordando o tema apenas de passagem, mas servindo para captar imagens que foram restauradas para o filme (aliás, todo o trabalho com essas cenas e algumas de noticiários de teve estão organicamente integradas ao filme, restauradas pela Tele Image). Toda a direção de arte/cenografia, figurinos, escolha de figuração (o roteiro enxuto se fixa em poucos personagens escolhidos entre os melhores do atual cinema nacional) e particularmente a fotografia (Lito Mendes da Rocha), montagem (Marcio H. Soares) e a trilha musical (Antonio Pinto). Orquestrada pela produção de Tatiana Quintella para a Paranoid e pela direção extremamente competente de Heitor Dahlia, que lhe deu uma narrativa moderna, nervosa (mas sem exageros de câmera tremula), criando uma estrutura quase de épico (um amigo Claudio Erlichman disse que este era o verdadeiro “faroeste caboclo”).
O fato é que o clima do garimpo não era muito diferente de qualquer terra sem lei, onde era matar ou morrer, ou as vezes matar antes para não ser atingido depois a traição. Sem dúvida uma história complexa que os roteiristas Dahlia e sua mulher Vera Egito depois de consultarem as diversas fontes de pesquisa resolveram sintetizar na figura de dois amigos de infância, que decidem ir para o garimpo na esperança de enriquecerem na busca do Ouro.
Joaquim (Juliano Andrade) foi mandado embora como professor do ensino público e deixa em São Paulo sua mulher grávida. Vai junto com Juliano (Juliano Cazarré), jurando fidelidade e a certeza de trabalhariam juntos. É a situação clássica dos amigos/irmãos cuja a vida e as circunstancias separam e eventualmente chegam a ser inimigos. A fortuna sobe a cabeça de Juliano que se apaixona por uma jovem e bela prostituta (a encantadora Sophie Charlotte) que pertencia a um dos chefões do lugar Carvalho (Matheus). Provocado por um homossexual ele é obrigado a matar pela primeira vez, e depois vem outra, e mais outras vezes (o filme abre com um super close de Cazarré, mas é o outro Joaquim quem faz a narrativa na primeira pessoa, e dessa forma sintetiza os fatos mais importantes do garimpo: pepitas enormes de Ouro que batem recordes de tamanho e valor, a expulsão dos homossexuais do lugar quando chega o vírus da Aids, mas prefere não entrar em detalhes sobre a administração oficial do lugar feita pelo governo, se fixando mais nos corruptos donos do garimpo, que logo passam também a contrabandear ouro e drogas com a participação de quadrilhas da qual naturalmente faz parte a polícia).
Quando estavam para começar o filme, Wagner Moura teve que ir filmar no exterior e largar o papel de Juliano que passou para o homônimo Cazarré (que vinha de sucesso na televisão na novela Avenida Brasil). Foi feita então uma adaptação criando-se um papel menor especialmente para o Wagner, outro maquiavélico e carismático negociante (Wagner usa maquiagem que lhe dá uma calvície, mas como de hábito sabe usar sua notável invenção e domínio de cena. Aparece pouco, mas de maneira marcante).
Não acho que se possa cobrar do filme denúncias políticas, as imagens já falam por si só. É uma história muito brasileira, muito bem contada e realizada. Um filme impressionante e acessível, que não cai em excessos e merece ser visto.