Fiquei muito surpreso em constatar o fracasso de público deste mais recente filme do mestre Alain Resnais (Hiroshima, Mon Amour, O Ano Passado em Marienbad) que está em cartaz numa sala de arte (Reserva Cultural), ou seja, endereçada a um público especial, mas mesmo assim houve um número grande de espectadores saindo no meio, reclamando. Tanto que só está em duas sessões na sala menor, 4. De uma certa maneira, acho isso um feito notável. Um diretor de 90 anos (91 agora em junho), praticamente cego, que ainda consegue polemizar e provocar xingamentos (com o mesmo público paulista que deixou um ano em cartaz seu filme “Vícios privados em lugares públicos”! Por outro me deixa desanimado diante da preguiça da plateia em consumir algo de diferente, mas para ser justo, tenho que confirmar que o filme faz jus a seu título. Realmente é um osso duro de roer. É assumidamente teatro filmado (o que não é teatro para Resnais que já fez coisa semelhante antes), com um mínimo de frescuras (mas não abdica de uma fotografia bonita, uma estética prazerosa). E no fundo é uma homenagem não apenas ao palco, mas a seus atores favoritos, já que conseguiu reunir além de sua companheira fiel Zabine Azéma, quase todos os atores mais próximos.
A história começa quando chega a notícia de que um famoso dramaturgo Antoine D´Anthac morreu inesperadamente (a montagem mostra a sucessão de atores recebendo o recado por telefone, todos interpretando a si mesmo) e tem um último pedido, que todos estejam presentes na cerimônia de enterro. Eles têm algo em comum, todos apareceram através dos anos em versões de sua peça Eurídice (aquela lenda grega que conhecemos tanto por causa do Orfeu Negro brasileiro). Esse atores primeiro assistem a gravação feita por uma jovem companhia (que eu suponha que exista realmente, que seria La Compagnie de la Colombe). E depois o texto vai sendo encenado com eles, num meio termo entre palco e os recursos do cinema. Quem tiver paciência e esperar o final, será recompensado não apenas com uma conclusão inesperada como ainda três finais sucessivos dando a impressão de que o espectador pode escolher aquela que mais lhe convier.
Ou seja, um filme nada preguiçoso, mas inquisitivo e diferente, com excelente elenco dizendo um texto mais para o clássico. E como sempre acontece com Resnais, mexendo com a memória, amores perdidos, passado, vida e morte. O texto original é do famoso dramaturgo Jean Anouilh (1910-87), autor de obras famosas como Becket, A Valsa dos Toureadores (que foram Eurydice e Cher Antoine, ou l´amour rate. Ou seja, é um filme para poucos, que se dirige menos a coração e mais a cabeça, mas que não desonra a lenda.