Crítica sobre o filme "Thérèse D.":

Rubens Ewald Filho
Thérèse D. Por Rubens Ewald Filho
| Data: 17/04/2013

Filme de encerramento do Festival de Cannes do ano passado, funcionando também como homenagem ao falecido e bom diretor Claude Miller (1942-2012). Era uma pessoa discreta e morreu também assim. Em geral, as pessoas não prestavam muita atenção na pessoa (sempre um sujeito educado, articulado, que veio a Festivais no Brasil) nem na obra do diretor francês Claude Miller apesar de ter ganhado o prêmio especial do júri em Cannes (O filme não passou comercialmente aqui Classe de Neige). Pelo mesmo motivo poucos deram valor a sua obra-prima La Meilleure Façon de Marcher, só lançado aqui em DVD e que revelou o depois astro Patrick Dewaere (de curta carreira, logo se suicidaria). Miller nasceu em 20 de fevereiro em Paris, foi ex-assistente de Godard e Truffaut. Formado pelo Idhec, era presidente de sua sucessora, a mais famosa escola de cinema da França atualmente a Fémis. Por isso viajou também dando aulas e conferencias. Começou dirigindo curtas-metragens quando fez o Serviço Militar até chegar à direção de produção e realizar longas-metragens. Seu primeiro longa A Melhor Maneira de Andar se tornou uma espécie de clássico, graças à interpretação do ator Patrick Dewaere. Especialista em suspense psicológico, sempre manteve uma carreira digna. Filmou um roteiro inédito do amigo Truffaut com Ladra e Sedutora. Fez sucesso em Cannes com La Classe de Neige. Em 1999, co-produziu e aprovou Sob Suspeita (Under Suspicion), de Stephen Hopkins, refilmagem de seu Cidadão Sob Custódia. Seu último filme, já sofrendo do câncer foi uma versão de Thérèse Desqueyroux de François Mauriac com Audrey Tautou e Gilles Lelouche foi escolhido como filme de encerramento do Festival de Cannes.

Já faz tempo que ninguém adaptava para cinema o famoso escritor François Mauriac (1885-1970), que ganhou em 1952, o Nobel de Literatura e a anterior foi justamente a mesma Thérèse Desqueyroux de 62, dirigida por Georges Franju, com a grande Emmanuelle Riva (Amor), Philipe Noiret, Samy Frey (não passou aqui comercialmente). Aquela versão começava com o julgamento da heroína que recordava tudo em flashback. Aqui os fatos são contados em ordem cronológica começando com a heroína ainda adolescente (embora a moça que faz o papel não pareça nada Audrey Tautou que a substituirá) e muito amiga de sua futura cunhada (a Anais Demoustier me pareceu muito promissora, ela esteve também em Elles, com a Binoche). A história do livro original foi inspirada em fato real, de 1906, o caso de Henriette Canaby, que tentou matar o marido.

Difícil dizer porque gostei tanto do filme, talvez seja sua história solida, bem narrada, bem produzida, que não é superficial como as adaptações americanas nem dá explicações definitivas, para o fato principal há várias interpretações, todas convincentes. Os personagens resultam humanos e verossímeis mesmo quando é um obstáculo a presença de Audrey, uma atriz leve para comedias românticas que não tem a densidade para um personagem tão trágico (que vive reclamando dos pensamentos que não param de rodar em sua cabeça) e contraditória, sempre azeda e cínica (enquanto isso Audrey parece uma garotinha amuada, embora o roteiro faça uso do sorriso em momentos chaves).

A ação se passa no fim dos anos vinte, 1926 na região de Landes, perto de Bordeaux, quando Thérèse Larroque, filha de um fazendeiro provinciano socialista (o que é pouco desenvolvido) aceita se casar com o vizinho que é dono de pinheiros e porque juntos ficariam mais ricos. Ela era muito amiga da irmã do marido que por sua vez irá se apaixonar por um galã português judeu de sobrenome Azevedo (fiquei com a pulga atrás da orelha porque este também é meu sobrenome!), o que é rejeitado pela família (Thèrèse encontrará um jeito de resolver o caso, mas perderá a amizade da moça).

O problema, porém, é o marido que é um parvo que só pensa em caçar pombos selvagens, lhe dá uma filha e tem medo de morrer do coração e usa um remédio a base de veneno. Por razões que não ficam nem muito claras para ela, a tentação de aumentar a dose é irresistível. O que o leva a beira da morte e a suspeita de um crime, que só o medo de um escândalo pode evitar. A personagem da protagonista é muito interessante (como se confirma ao final), mas a parte feminista, a liberação de seu direito de pensar e agir, poderia ter sido mais acentuada.

Ainda assim ajudada pela bela fotografia, a história inteligente, a produção cuidada e a trama intrigante resulta num filme para ser conferido.