Nunca tinha revisto este filme que apreciei muito em sua estreia. Sempre me ficou a impressão de que era ele que deveria ter dado o Oscar para Glenn Close (que perdeu para Jodie Foster por Acusados que não era nada demais em papel de vítima de estupro. Esta já era sua quinta indicação e só iria ter outra depois em 2012 por Albert Nobbs).
Provavelmente perdeu porque era um personagem cruel e sem escrúpulos que ela representa com toda dignidade, sem qualquer exagero ou caricatura. É muito curioso como o diretor britânico Stephen Frears fez uma opção (que ele explica no comentário em áudio que fez junto com o co-produtor e dramaturgo Christopher Hampton).
Resolveu fazer o filme com elenco americano (o que é muito curioso porque atualmente qualquer filme de época, é sempre escalado, com britânicos ou australianos, com a desculpa de que o ator americano não sabe se comportar ou se vestir como de época e os britânicos trazem isso de sua experiência no teatro).
Ele achava também que os americanos reagem melhor com a câmera em close (seria sua característica) e o que parece ser comprovado aqui onde o elenco é excelente. Começa de uma maneira brilhante (e que tinha esquecido): o casal central se preparando, se vestindo e se maquiando num ritual muito longo (dizem que na época as vezes só terminado a tarde!) cercados de lacaios.
John Malkovich que esta excepcional, com um toque de cinismo e mesmo loucura que torna seu personagem de sedutor fantástico. Chega mesmo a olhar direto para a câmera no começo, procurando a cumplicidade.
Ou seja, a gente entra no jogo de sedução da dupla, que não tem qualquer escrúpulo ou vergonha ou moral. Vale tudo. De certa maneira Malkovich é tão assustador que por isso que não levou prêmios.
Mas é um exemplo de como talento supera mesmo o tipo, já que a princípio nunca se imaginaria um homem até feio e esquisito como ele, sendo irresistível para as mulheres.
Os closes também ajudam a esconder que o filme tinha um orçamento muito baixo e foi feito as pressas (principalmente por que Milos Forman, famoso diretor de Um Estranho no Ninho e Amadeus, resolveu fazer também uma adaptação do mesmo livro que estava em domínio público, Les Liason Dangereuses de Choderlos de Laclos (1741-1813), um livro que ao ser lançado em 1782 até a Rainha Maria Antonieta teve que lê-lo às escondidas.
O livro é todo narrado através de cartas e o casal nunca se encontra. Ele foi redescoberto na França, em 1959, quando Roger Vadim (aquele famoso como mentor de Jane Fonda e Brigitte Bardot), o adaptou como Ligações Amorosas, estrelado por Gerard Philippe, Jeanne Moreau, Annette Stroyberg Vadim (mulher e musa dele na época), Jean-Louis Trintignant e Boris Vian. Teve problemas com a censura, mas foi liberado e fez sucesso também no Brasil (hoje infelizmente esquecido, tinha também uma trilha musical de jazz notável de Thelonious Monk).
Era uma atualização do livro que funcionava porque era também o começo da liberação sexual. O IMDB registra 14 outras adaptações (sendo a mais recente chinesa!) inclusive uma com teens, chamada Segundas Intenções com o casal Reese Witherspoon e Ryan Philippe em 1999, que também foi sucesso.
Mas quem deu origem a redescoberta do autor foi Christopher Hampton que leu o livro ainda na Universidade e mais tarde fez uma adaptação dele para o palco que ficou anos em cartaz em Londres e depois encenado com sucesso em Nova York (indicado ao Tony) e também no Brasil.
Quando soube da concorrência largou um roteiro que fazia para David Lean e resolveu escrever este script (em três semanas) e começar rapidamente a filmagem. E tudo deu certo nesta excelente realização premiada com os Oscars de Roteiro (para Hampton), Direção de Arte e Figurinos. E indicado também como atriz (Glenn), coadj (Michelle Pfeiffer), trilha musical (George Fenton) e filme.
Rodado em diversos palácios na França, ele sendo um sucesso inesperado, de tal forma que o Globo de Ouro nem tomou conhecimento. Mas foi consagrado pelo Bafta (ganhou coadjuvante Pfeiffer e roteiro, mas foi indicado ainda como atriz, foto, figurino, direção, direção de arte, maquiagem, trilha musical, montagem).
Ganhou o César de melhor filme estrangeiro. O filme de Forman teve a infelicidade de ter estreado bem depois e já não teve maior impacto. Chamou-se apenas Valmont (o subtítulo que o iMDB lhe dá é erro). Ainda que Forman tenha se arriscado e acertado dando os papeis centrais para os pouco conhecidos então, mas hoje astros Colin Firth e Annette Bening. Foi menos feliz nos coadjuvantes com Meg Tilly, Fairuza Balk, Sean Phillips, Jeffrey Jones, Henry Thomas, todos inferiores a elenco daqui.
Quando vi o filme originalmente reclamei muito do jovem Keanu Reeves, que faz tudo em outro tom, mais naturalista e me pareceu errado. Revê-lo agora tão jovem e imaturo tem seu charme, porque parece estar no filme errado, mas é em parte salvo justamente pela juventude e sinceridade. O resultado do filme, porém é muito envolvente, de tal forma que nos vemos torcendo por dois canalhas. Certamente é o melhor trabalho do grande diretor Stephen Frears (1941), que depois de longa experiência na televisão, acertou com My Beautiful Laundrette, 85, que revelou Daniel Day Lewis, O Amor não Tem Sexo, 86, que revelou Gary Oldman. Depois deste filme acertou bastante com Os Imorais/The Grifters, 90 com Annette Bening, Herói por Acidente ,92 com Dustin Hoffman, A Grande Família/The Snapper, 94, Alta Fidelidade, 2000, Coisas Belas e Sujas, 02 com Audrey Tautou, A Rainha, 06, Chéri, 09 novamente com Michelle Pfeiffer. Seu filme mais recente está em cartaz nos cinemas, O Dobro ou Nada, com Bruce Willis.
Todo o elenco em Ligações é exemplar, incluindo a jovem (aliás, ela não mudou nada) Uma Thurman, a veterana Mildred Natwick (foi seu último filme), a coadjuvante da Broaway Swoosie Kurtz e o cantor lírico brasileiro Pedro Abel do Nascimento (que faz um castrado que se apresenta cantando).
Em geral tenho certo medo em rever clássicos, que podem me decepcionar. Não é o caso deste, que continua melhor do que nunca.