Este filme está entre os filmes mais bonitos, mais bem fotografados, mais perfeitos de todos os tempos. Na verdade, reserve também um lugar nesta lista para outras obras de Sir David Lean (1908-91). Indiscutivelmente um mestre do grande espetáculo, modelo para qualquer cineasta e realizador. Se no final da carreira ficou lento demais, demorando uma eternidade para completar os filmes, por excesso de zelo e busca de perfeição, houve poucos cineastas capazes de contar uma história tão bem, com tanta perfeição. Provavelmente porque teve uma formação como montador de filmes.
Sabia tudo sobre como fazer um filme. Por isso, com frequência no começo da carreira estava nas filmagens dizendo que planos eram necessários fazer para certas sequências funcionarem. Dessa forma foi praticamente o diretor de Major Barbara de Gabriel Pascal. Também bom amigo, ajudou George Stevens dirigindo a sequência com Claude Rains para o filme A Maior História de Todos os Tempos para o projeto conseguir ser concluído a tempo. Entre os filmes inesquecíveis estão Quando o Coração Floresce com Katharie Hepburn, 1955 (Veneza nunca esteve tão bela), A Ponte do Rio Kwai, 1957, um dos melhores filmes a mostrar a futilidade da Guerra, Desencanto, 1945, uma das melhores e mais pudicas histórias de amor do cinema, Doutor Jivago, 1965 e suas adaptações exemplares da obra de Charles Dickens (Oliver Twist, Grandes Esperanças) e também do amigo e padrinho Noel Coward, com quem começou dirigindo Nosso Barco, Nossa Alma, 42). Sem dúvida, um mestre.
No caso de Lawrence, até hoje é o exemplo perfeito de como se fotografar um filme no deserto. Esses exteriores foram rodados no Marrocos, na região de Quarzazate, onde desde então se filmam a maior parte de produções passadas no deserto. Eu estive por duas vezes por lá, numa cidade que fica justamente na fronteira com o deserto. Ninguém conseguiu fazer melhor, nem acredito que tentará. Este é um filme definitivo também como biografia, que mostra muito e explica muito pouco, por isso que coloque a biografia de Lawrence acima. Falando de um personagem controvertido e ambíguo, que teve um papel político confuso, em particular para o público atual, é um verdadeiro milagre que a fita sustente o interesse e por vezes até empolgue.
É sempre graças ao trabalho do diretor, que fotografa as dunas de maneira irretocável, na inesquecível tomada do trem turco, mas que também se dá ao luxo de utilizar o calor da areia formando o que primeiro parece uma miragem e que aos poucos vai tomando forma, no que é a primeira aparição de Omar Sharif no filme. Grandioso sem ser grandiloquente, épico sem cair em exageros, histórico sem se tornar didático, Lawrence é uma obra-prima no gênero, de tal forma que fica difícil pensar num deserto sem a fotografia de Freddie Young e a música de Maurice Jarre. Tudo, porém, confirma os elogios para a fotografia que é “de tirar o fôlego”. Lawrence teve uma continuação feita para a TV que saiu aqui em DVD.
Lawrence da Arábia II Missão de risco / A Dangerous Man: Lawrence After Arabia, 1990. Foi dirigido por Christopher Menaul e estrelado pelo hoje ainda mais famoso Ralph Fiennes. Mostra como em 1919, Lawrence e o emir Faissal, rei da Síria, numa conferência de paz em Paris, se dedicando a defender os árabes contra as pretensões ocidentais. O telefilme aproveita a semelhança de Fiennes com o jovem O´Toole. Ele era estreante e três anos depois faria A Lista de Schindler para Spielberg.
Produzido por David Puttnam, já começa bem com o herói falando para a câmera sobre sonhos que realizou. Bastante complexo para uma telebiografia, tentando apresentar todas as contradições da enigmática figura, que seria mais assexual que homossexual. Faz um resumo de sua figura prosseguindo como uma palestra sobre ele feita na época. Um pedaço de história realizado de maneira impecável como só os ingleses conseguem. Também conhecido como Um Homem Perigoso.
Bastidores: Houve um primeiro projeto em 1955 sobre Lawrence com o diretor Anthony Asquith, que era para ser estrelado por Dirk Bogarde. Mas foi abortado por causa de um golpe de estado no Iraque. O produtor Sam Spiegel (de A Ponte do Rio Kwai) é quem decidiu levar a ideia adiante contratando primeiro o diretor David Lean e depois o roteirista Michael Wilson e em 1960 anunciou a fita que seria estrelada por Marlon Brando, mas este preferiu fazer O Grande Motim.
Ao mesmo tempo houve uma peça teatral de sucesso sobre o personagem, escrita por Terence Rattigan, Ross, estrelada por Alec Guinness, que está no filme, mas em outro personagem, o do Príncipe Faissal. Mas ainda assim foi um grande feito um produtor judeu como Spiegel fazer uma fita em território árabe. Antes de sua morte, Sir David Lean (1908-91) ainda teve tempo de supervisionar a restauração deste seu filme, que foi relançado em sua versão completa, incluída uma cena polêmica onde o herói era estuprado pelo árabe José Ferrer, deixando mais clara os seus traumas posteriores. O filme restaurado em 1989 foi apresentado em première no Festival de Cannes, que começou mais cedo e passou o filme um dia antes da estreia oficial. Eu estava presente, mas não Lean, porque estava doente. Foram divulgar o filme Anthony Quinn, Omar Sharif e Peter OToole.
A fita deve ser vista em widescreen, onde se pode completar melhor todo seu esplendor visual. Foi ela que lançou o então pouco conhecido irlandês O´Toole (1932- ) que depois faria história no Oscar, sendo indicado ao prêmio por 8 vezes sem ganhar nenhuma, finalmente a Academia lhe daria um Oscar especial pela carreira em 2003. Recentemente ele anunciou que se aposentaria, mas continua trabalhando. Lean o descobriu num papel menor em O Dia em que Roubaram o Banco da Inglaterra de 1960, depois de terem sido considerados para o papel Marlon Brando, Albert Finney, que passou no teste, mas recusou o contrato, Anthony Perkins e Guinness, que era velho demais para o papel.
O antigo Ministro das Relações Exteriores da Inglaterra Anthony Nutting ajudou O´Toole a pesquisar o enigmático personagem e serviu de contato com os países árabes. Com seu cabelo pintado de ainda mais loiro e ainda uma operação plástica para tornar mais reto seu nariz, ele teve também de controlar suas lendárias bebedeiras para que Lean o aceitasse no papel. Mas foi difícil, durante as filmagens ele teve uma longa sucessão de queimaduras, ligamentos quebrados e outros problemas semelhantes. Além de ter sido mordido e derrubado por camelos diversas vezes.
Na cena do acidente de moto, a última filmada, quase que o ator realmente morreu quando o veículo se desmontou inteiro. Dizem que ao final das filmagens ele se retirou para um hospital para descansar. O filme transformou em astro um ator egípcio, que era astro em sua terra natal, Omar Sharif (1932- ), que mais tarde faria com o mesmo diretor, o papel título de Doutor Jivago. Todas as cidades (Damasco, Cairo, Jerusalém) foram recriadas na Espanha e para interpretar mulheres muçulmanas algumas foram realmente importadas do Egito. O filme ganhou sete Oscars, inclusive melhor filme, diretor, direção de arte a cores. Fotografia a cores, montagem, trilha musical (o primeiro para Maurice Jarre), som, mas não ator. O´Toole perdeu para Gregory Peck, o coadjuvante Sharif perdeu para Ed Begley. Foi ainda indicado como roteiro, sendo que um dos creditados Michael Wilson estava na lista negra do McCarthismo e só foi reconhecido em 1995. A fita custou na época a fortuna de US$ 15 milhões.
O papel de Sherif Ali foi pensado antes para o ator alemão, Horst Buchholz, mas ele tinha que fazer o filme de Billy Wilder Cupido Não Tem Bandeira. Alain Delon passou no teste, mas teve problemas com as lentes de contato castanhas. Maurice Ronet foi escalado, mas teve problemas com a roupa árabe. Lean queixou-se dizendo que era parecia travestido.
Não há mulheres com falas. Dizem que é o filme mais longo sem mulheres falando! T.E. Lawrence recusou vender os direitos de seu livro já em 1926, quando o diretor Rex Ingram sugeriu a ideia. Vieram depois propostas do produtor Alexander Korda com Leslie Howard,dirigido por Lewis Milestone. Outros astros também quiseram o papel: Robert Donat, Laurence Olivier, Cary Grant, Burgess Meredith, e Alan Ladd. Mas foi o roteirista Michael Wilson que finalmente convenceu o irmão de Lawrence a vender os direitos vendendo o roteiro depois para Sam Spiegel em 1960. Para a famosa cena da chegada de Sharif,
O fotógrafo Freddie Young usou uma lenta especial de 482mm da Panavision. Ela ainda existe e é chamada de "David Lean lens". Foi criada especialmente para esta cena e não teria sido usada nunca mais. Na restauração do filme, foram redescobrir o ator americano Arthur Kennedy (1914-90) que estava aposentado e dali em diante voltou a fazer cinema (quem ia fazer o papel antes era Edmund O´Brien, mas este ficou doente, teve enfarto durante as filmagens. O papel é inspirado em Lowell Thomas. Mas Charles Gray teve que redublar o ator Jack Hawkins que perdera a voz por causa de câncer na garganta. Dizem que Lean assistiu várias vezes Rastros de Ódio de John Ford para se inspirar.
Em 2007, o American Film Institute colocou o filme em sétimo lugar dentre os maiores filmes de todos os tempos; primeiro como épico. É considerado o filme favorito em todos os tempos de Steven Spielberg. Originalmente a trilha musical foi oferecida por os compositores Malcolm Arnold e William Walton que a recusaram. Maurice Jarre (1924- 2009) foi contratado, mas teria ajuda de Aram Khachaturyan para temas árabes e Benjamin Britten para músicas do Império Britânico. Nenhum deles deu certo e Spiegel chegou a contratar o célebre compositor Richard Rodgers, mas ficaram todos desapontados com o resultado. E Jarre acabou ficando com todo o filme que ele musicou em apenas 6 semanas. O filme não foi indicado ao Oscar de figurino porque alguém esqueceu que colocar o nome dela Phyllis Dalton na ficha de inscrição!
O filme foi banido em vários países árabes, mas Omar Sharif conseguiu que o presidente do Egito, seu país natal, Gamal Abdel Nasser visse o filme. Nasser gostou e o liberou onde se tornou um enorme sucesso. O famoso corte de um fósforo para o pôr do sol no deserto foi ideia da montadora que achou que seria no estilo da moda de então, a Nouvelle Vague. As cenas noturnas foram rodadas durante o dia usando as lentes chamadas de Noite Americana/Day for Night, de que falava Truffaut.