Crítica sobre o filme "Eles e Elas":

Rubens Ewald Filho
Eles e Elas Por Rubens Ewald Filho
| Data: 19/12/2012

A primeira vez que eu assisti ao filme ainda criança levei um choque porque era a primeira vez que via um filme totalmente rodado em estúdio, onde não procuram disfarçar isso. Ao contrário, tudo é propositalmente fake, estilizado, para dar uma ideia do que seria a Nova York dos anos 30 - 50 pelo ponto de vista do escritor Damon Runyon (1880-1946), especialista em descrever tipos característicos da cidade, bem exóticos e populares.

Ele também fez o mesmo em filmes mais convencionais como Dama por um Dia de Capra, Rua da Ilusão, A Barbada do Biruta. Depois quando eu vi uma remontagem do show musical original do compositor Frank Loesser (1910-69), também autor de clássicos como Baby, It´s Cold Outside (premiada com Oscar de canção), On a Slow Boat to China, o show Como Vencer na Vida Sem Fazer Força que está sendo montado atualmente no Rio etc.

Também escreveu os shows Where´s Charley, The Most Happy Fella, Greenwillow. E percebi que essa era a intenção, deixando claro que é um musical, uma fantasia (Sinfonia de Paris de 51 faz também isso, mas de forma menos visível e de qualquer forma na época eu ainda não tinha visto). Lembro também que os jornais da época anunciavam a visita ao Brasil, digo Rio de Janeiro, claro, das célebres Goldwyn Girls, que eram coristas do filme que levavam o nome do produtor Samuel Goldwyn. Elas tinham jeito e comportamento mais familiar, para toda a família e não de vedetes.

E as revistas de cinema (Cinelândia e Filmelândia, dentre outras) não se fartavam de fazer matérias sobre as novidades: pela primeira vez no cinema Marlon Brando cantava (com sua própria voz) assim como a inglesa e queridíssima Jean Simmons (depois que eu verificaria que ambos se defendem bem, em particular Jean) e os dois se tornaram bons amigos quando fizeram também juntos o Desireé, o Amor de Napoleão pouco antes.

Houve muita polêmica na época pela escolha de Frank Sinatra fazer o papel de Nathan Detroit porque o criador premiado do personagem na Broadway era feio, judeu e nada galã: Sam Levene, que no cinema sempre foi mero coadjuvante. Mas Sinatra estava no auge da popularidade por causa do Oscar e tinha aquela bela e incrível voz que justificava tudo, embora não gostasse de Brando.

Para Adelaide, Goldwyn queria Betty Grable, mas ela estava se aposentando, cansada de uma carreira desde que era menina e vivia em Las Vegas onde se dedicava ao passatempo preferido: a jogatina. Ela cancelou o encontro com o diretor para cuidar de seu cachorro doente. No seu lugar foi chamada a criadora do papel na Broadway, em 1950, Vivian Blaine (1921-95), que eu sempre considerei do segundo time. Ela trabalhou muito tempo na Fox, como substituta de Betty, coadjuvante em alguns filmes de Carmen Miranda, com Esther Williams em Eva na Marinha, na versão original de State Fair/Corações Enamorados, 45.

Não compromete, mas é um pouco mais teatral do que os colegas e não era memorável, até Marilyn Monroe estaria muito melhor do que ela (O diretor não queria trabalhar com ela de novo, já tinham feito antes A Malvada). Para o diretor Mankiewicz (1909-93), o mesmo de De repente no último verão e Cleópatra, teve mais cuidado e interesse em escalar os papeis de coadjuvante e mesmo figurantes, que ele desejava que fossem curiosos e memoráveis.

Para a versão do cinema, houve mudanças com 3 canções novas tendo sido acrescentadas: uma chamada Adelaide. Por sinal muito bonita, foi composta originalmente para a secretária do compositor que tinha esse nome. Pet me Poppa foi escrita especialmente para ser um número de palco para Vivien substituindo a famosa A Bushel and Peck, que o produtor Goldwyn odiava (embora seja clássica hoje).

E mais uma canção romântica chamada A Woman in Love Your Eyes are the Eyes of a woman in love, que na época diziam ser a canção preferida de Grace Kelly que, por sinal, recusara o papel principal, até porque já estava para se casar com o príncipe. Deborah Kerr também o recusou.

O interessante é que no filme ela tem várias variações, cantada também em espanhol (seria em Cuba). Foram Cortadas também: My Time of Day, Marry the Man Today, More I Can not Wish You. Um detalhe as canções que foram cortadas foram incluídas no filme sem letras, como música de backgroud. Quem fez a coreografia do filme foi o excelente Michael Kidd, 1915-2007, vencedor de Oscar especial e famoso por seu trabalho em Sete Noivas para Sete Irmãos e como ator em Dançando nas Nuvens.

Falta mencionar melhor a figura importante do produtor Samuel Goldwyn (1884-1974). Produtor americano, o mais famoso e importante dos produtores independentes. Nascido Samuel Goldfish, na Polônia, fugiu de casa aos 11 anos com dinheiro roubado para viver na Inglaterra. Aos 15 foi para a América trabalhar na indústria de luvas. Em 1913, formou a Lasky Feature Play com o cunhado Jesse L. Lasky e Cecil B. DeMille que seria a base da futura Paramount.

Em 1916, fundou sua própria firma: a Goldwyn Picture Corporation, através da qual se tornou um dos mais importantes produtores fora dos estúdios, trabalhando com capital próprio, famoso por suas produções de prestígio: Os Melhores Anos de Nossa Vida e O Morro dos Ventos Uivantes, ambos de William Wyller; Eles e Elas, de Manckiewickz; Porgy and Bess, de Preminger, pelos altos salários que pagava, pelos escritores importantes que contratava, como Maeterlinck, por exemplo. E também por suas frases antológicas, muitas vezes com erros de concordância e trocadilhos.

Foi também notável descobridor de estrelas: David Niven, Merle Oberon, Danny Kaye, Vera Zorina, Gary Cooper, Farley Granger etc. Embora seu maior fracasso tenha sido sua tentativa de transformar certa Anna Sten numa nova Greta Garbo. Apesar de ter saído da sociedade, logo após sua criação, a MGM leva até hoje seu sobrenome: Metro-Goldwyn-Mayer. Seu filho Samuel Goldwyn Jr. (1926- ) tentou a direção sem sucesso, mas produziu alguns filmes interessantes, entre eles O Rebelde Orgulhoso, de Michael Curtiz; Três Mulheres, Três Amores/ Mystic Pizza, 1988, de Donald Petrie, que revelou Julia Roberts.

O neto Tony Goldwyn (1960- ), depois de se tornar um ator conhecido, Ghost – Do Outro Lado da Vida (1990), Mais que o Acaso (Bounce, 2001), também se tornou diretor: 2001 – Alguém como Você (Someone Like You... Ashley Judd, Hugh Jackman). 2006 – Um Beijo a Mais (The Last Kiss. Zach Braff, Jacinda Barrett). O velho Samuel produziu 100 filmes sempre fazendo empréstimos pessoais aos bancos, usando a sua própria casa como garantia colateral e, apesar de fracassos, terminou a vida milionário. Seu elenco ideal para este filme teria sido Clark Gable, Bob Hope, Jane Russell e Betty Grable.

Em 2006, Guys and Dolls foi votado pelo AFI em 23º lugar entre os melhores musicais de todos os tempos e a canção Luck Be a Lady (cantada por Brando no filme e Robert Alda, pai de Alan, no palco) ficou em 42 lugar. Apesar de tudo, o musical não é facilmente compreensível pelos que não sabem bem inglês, por causa de sua gíria datada e canções intrincadas, por exemplo, numa banca de jornal canta sobre corridas de cavalos numa espécie de código numa musica chamada de “Fuga”.

Voltando a peça, ela estreou em novembro de 1950 e ficou em cartaz ate novembro de 52, com 1200 performances. Levou o Tony de melhor musical, ator (Alda) e outro para a coreografia. Dizem que Sky Masterson foi inspirado num vigarista real chamado William Barclay Bat Masterson, que teria sido um dos poucos a conseguir enganar o gangster Al Capone.

Naturalmente Brando e Sinatra não se deram durante as filmagens principalmente por que o papel de Frank era secundário e ele achava que deveria fazer o papel de Sky! Este não é o tipo de musical por quem a gente se apaixona de uma só vez, é um gosto adquirido que vai crescendo em você.