Crítica sobre o filme "Barbarella":

Rubens Ewald Filho
Barbarella Por Rubens Ewald Filho
| Data: 05/12/2012

Ficção-fantasia inspirada na história em quadrinhos de Jean-Claude Forest. Jane no auge de sua fase de símbolo sexual, ainda casada com o diretor Vadim (1928-2000) (que tentou transformá-la em nova Brigitte Bardot, ou seja, sua ex-mulher!). Mas no Brasil, o filme foi apelidado de “Chatarella”. Lento, com pouca ação e humor, não é nada do que se espera da história de uma astronauta ninfomaníaca do ano 40.000.

Produzido por Dino de Laurentiis, Vadim usa de mil recursos (mas será que o mau gosto da produção é intencional?), mas não encontra o tom certo para o filme. A fita seria sobre sexo, numa época onde se usa pílulas e as mãos (amor à maneira convencional é considerado atrasado). A melhor coisa do filme é o striptease inicial de Jane nos letreiros, que para o jeito moralista atual é bastante atrevida, deixando ver Jane bem nua (é divertida também a cena com Hemmings, onde eles fazem amor com as mãos). Mas toda a direção de arte ficou antiga e cafona, os efeitos são nada especiais (por vezes grotescos e ridículos). Ao menos há uma ênfase muito grande em sexo.

Ainda que os diálogos pretendam ser satíricos e irônicos. A única coisa que sobreviveu é mesmo Jane com longos cabelos loiros, trajes até adequados e uma perpetua cara de espanto. Quando eu a entrevistei até perguntei sobre Barbarella como uma mancha negra em sua carreira (foi o quarto e último filme que fez com Vadim antes do divórcio, mas eles continuaram amigos até sua morte, quando todas as suas ex-mulheres choraram juntas, ate Brigitte!). Mas ela defendeu o filme, dizendo “não implica com o filme, ele pretende se apenas divertido!”.

Pode-se aceitar essa leitura, com senso de humor e se divertir com a produção precária e apreciar a nudez da estrela (na sequência com Tognazzi dublado, ela novamente se expõe). Pena que tecnicamente tudo é tão constrangedor que faz lembrarmos filmes de Ed Wood. A trilha musical reflete o gosto contemporâneo, roubando da Tijuana Brass, Burt Bacharach e compositores italianos.

Na versão original que passou no Brasil não tinha a participação de Ugo Tognazzi (1922-90), como o caçador peludo, que a salva das bonecas de dentes de ferro, precursoras de Chucky. É preciso entender que o filme é psicodélico, ou seja, fruto de sua época, de uma estética hoje bizarra, mas que predominava nos anos 70 (nesse caso foi até precursor!). Depois a nave da heroína fura a terra e vai parar nos braços do Anjo Cego, vivido pelo americano John Phillip Law (1937-2008), um ator americano loiro, magro, alto (um metro e 93!), de olhos azuis e rosto delicado. Ele havia sido figurante quando criança, mas começou sua carreira na Itália, em filmes como Alta Infidelidade e Smog (mas Hollywood o usou logo em Os Russos Estão Chegando e O Incerto Amanhã, aliás, com Jane Fonda, que deve ter indicado ele para este personagem aqui). Eu o conheci quando veio ao Festival do Rio de 1969. Ele era muito simpático, saiu com Barbara Bouchet durante o Festival, mas foi casado com uma modelo e teve uma filha. Convivi com ele (veio com um amigo!) e sempre foi muito simpático. Conseguiria fazer uma carreira media, mas na Europa (Perigo: Diabolik, As novas Viagens de Sinbad, num total de 85 títulos). Mas este é o grande papel de sua carreira, como um anjo de asas, Pygar, cego, mas longilíneo, mas sarado (coisa ainda rara na época) que voará com a heroína nos braços, lutando contra naves inimigas e sendo ferido (as naves são impagáveis).

E a sequência termina com uma cena sexualmente sugestiva (ela esconde seu revólver dentro da sunga dele!). Quem também faz parte dela é o célebre mímico francês, Marcel Marceau (1923-2007), o maior do mundo que desta vez fala (certamente dublado também por outro) desperdiçado no papel do Professor Ping (que explica como funcionam as coisas).

Nem José Mojica Marins em Esta Noite Encarnarei em seu Cadáver, sem orçamento nenhum, foi tão delirante e surrealista como os sets que vamos ver a seguir. Barbarella é sequestrada para ser estuprada, mas é salva por Anita Pallenberg (famosa por performance com Mick Jagger), como A Grande Tirana, assumidamente lésbica (uma sequência delas na cama das quais existem stills, fotos de cena, deve ter sido cortada na edição final). Vão parar na Câmara das Soluções Drástricas, que seria o lugar para o suicídio (cada porta, uma morte diferente). São salvos por um Serviçal (Milo O´Shea) que lhes explica sobre o Mathmos, um lago de água repleta de energia que vive das vítimas. Retorna a Grande Tirana e Barbarella é torturada sendo colocada em gaiola cheia de passarinhos, ficando rasgada (sexo com sado masoquismo). Sim, o filme é posterior a Pássaros de Hitchcock.

Mas ela escapa e vai parar no esconderijo de Dildano, chefe das forças revolucionárias (feito pelo inglês David Hemmings, 1941-2003 recém-revelado por Blow Up) e temos a sequência do sexo pelas mãos, que é realmente o ponto alto do filme.

Logo depois vem outra cena do mesmo teor, o Serviçal Milo a leva para outra máquina musical basicamente de sofisticada masturbação, literalmente morrendo de prazer. Mas eles subestimam o poder de Barbarella, capaz de fundir fusíveis. Temos finalmente uma surpresa, que não vou revelar, mas descobre-se que lá está Duran Duran (claro que pensei que o nome tivesse sido inspirado no conjunto homônimo, mas fui confirmar e eles só existem a partir de 1978, ou seja, foi o oposto, o que é confirmado pela Wikipédia!).

Vem depois a Câmara dos Sonhos, com a frase um anjo não faz amor, um anjo é amor. E a conclusão com alguns patéticos de ação e o previsto Apocalipse, que também não vou contar. Um detalhe: a foto é de Claude Renoir, sobrinho do diretor Jean Renoir e neto do celebre pintor.

Tem algumas trívias curiosas: o fato que originalmente o projeto foi oferecido a Virna Lisi que na época estava nos EUA contratada pela United. Preferiu rompe-lo e voltar à Itália do que fazer o filme! Sophia Loren também o recusou. Barbarella foi o primeiro herói de ficção cientifica dos quadrinhos que inspirou um longa-metragem (Flash Gordon e Buck Rogers geraram até então apenas seriados). Antonio Sabato ainda creditado era quem fazia Dildano mas não gostaram de sua interpretação fria e foi substituído por Hemmings.