Crítica sobre o filme "Meu Amigo Harvey":

Rubens Ewald Filho
Meu Amigo Harvey Por Rubens Ewald Filho
| Data: 03/12/2012

Gostaria de ter podido assistir a remontagem de Harvey na Broadway estrelada por Jim Parsons, da série de tevê The Big Bang Theory. Parece o papel certo para ele se sair bem e não por acaso é também uma de minhas comédias favoritas desde que a assisti ainda criança. O fato é que a peça original de Mary Chase (1907-81), que ficou em cartaz durante 1775 performances, foi vencedora do famoso Prêmio Pulitzer e é um primor de construção dramática. Em momento nenhum vemos de verdade o Coelho gigante (a não ser numa pintura) mesmo assim acreditamos que ele existe graças à habilidade do texto e da direção e atores. Estranhamente Mary só escreveu outro filme que Bernadine (O Sonho que Vivi, com Pat Boone e Janet Gaynor, em 57).

James Stewart é sem dúvida o ator ideal para o personagem, ele é simpático, suave, dá a impressão mesmo de gosta de conversar e mesmo beber. Não foi à toa que teve pelo filme outra indicação ao Oscar (Perdeu para Jose Ferrer, por Cyrano de Bergerac). Foi indicado também por A Mulher faz o homem (40), A Felicidade não se compra (46), Anatomia de um Crime (59) e um especial pela carreira em 1985. Ganhou em 1941 por Núpcias de Escândalo, que todo mundo achou que era consolação por ter perdido no ano anterior por A Mulher faz o Homem, de Frank Capra. Você lembra que foi refilmado para a tevê em 1997, como Harvey (Idem), lançado em vídeo no Brasil, dirigido por George Schaefer, com Leslie Nielsen?

O que você diria de Elwood P.Dowd, um homem de meia-idade (que frequenta bares, mas nunca aparece alcoolizado) que adora apresentar para todo mundo seu companheiro inseparável, um coelho gigante e invisível? E que tem mais de um metro e oitenta (no filme ele cresceu ficou com um metro e noventa e pouco para ficar mais alto que Stewart que tinha um metro e noventa e um e queria olhar para cima quando falasse com o coelho). Há uma explicação, ele seria um “Pooka” (nas legendas Puca), que seria do folclore celta, uma espécie de espírito brincalhão que pode tomar diversas formas. Obviamente todo mundo acha que ele é louco, mas inofensivo. Só que a irmã, no fundo uma boa alma, pensa em interná-lo num sanatório (numa confusão, ela que acaba internada!) e o próprio diretor do lugar (o bonachão e querido ator característico Cecil Kellaway) é que fica acompanhado por Harvey. Esta é a história simples e por isso mesmo ainda tão eficiente, de um herói invisível, que não é visto, nem sequer em sombra (o máximo que se aprecia de Harvey, fora as mesuras e gestos de Stewart, é um retrato que pintaram dele com o Coelho Gigante). Talvez por isso ainda resista tão bem esta encantadora comédia, que transcende o mero teatro filmado por causa da presença magnética e bonachona de Stewart, realmente em seu melhor momento. Com menos tiques, mais humano, dizendo tudo com a maior sinceridade.

Mas estamos sendo injustos porque quem realmente rouba o filme é uma coadjuvante completamente esquecida que se chama Josephine Hull (1884-1957) que havia criado o papel da irmã na Broadway e levou o Oscar de Coadjuvante (isso no mesmo ano de A Malvada!). Ela é uma daquelas adoráveis personalidades que nasceram para fazer rir, estilo Marilia Pera ou Eva Todor. Veterana estrela do palco, ela fez poucos filmes (dois pequenos e sem importância, um de Frank Borzage em 32, Esperança (After Tomorrow, com Charles Farrell) e um depois de Harvey na Universal que foi seu último trabalho em cinema, o inferior Teimosa e Valente/The Lady from Texas, 52, de Joseph Pevney com Mona Freeman. Teria ainda um outro grande sucesso na Broadway com The Solid Gold Cadillac, filmado depois com Judy Holliday. Morreu em 1957 aos 71 anos de uma hemorragia cerebral.

Mas não falei noutro trabalho sensacional de Josephine no palco e depois no cinema na peça Arsênico e Alfazema, filmado por Frank Capra como Este Mundo é um Hospício (ela é uma das velhinhas que envenena os vagabundos sem lar, por pura caridade). Aqui como a irmã de bom coração de Elwood seu talento está preservado (tem direito a fazer todas as caretas e trejeitos, no entanto, sempre apropriados). Impossível não rir com ela.

Mas é porque o filme é muito bem dirigido pelo subestimado Henry Koster (1905-88), o alemão Herman Kosterlitz, que fez mais muitos filmes e musicais (o último foi Dominique, com Debbie Reynolds, em 66), mas que ainda é mais lembrado por ter sido o descobridor de Deanne Durbin e realizador de seus principais sucessos. Mas dentre os seus trabalhos estão O Manto Sagrado, Desirée, O Amor de Napoleão, com Marlon Brando, Na Estrada do Céu, A Marcha Triunfal, e outros com Stewart, As Férias de Papai e Minha Querida Brigitte.

Entre os coadjuvantes temos o muito querido na época Cecil Kellaway (1993-73, que faz o diretor do sanatório que também passa a ver Harvey e que tem uma sequência notável entrando no hospital à noite. Kellaway foi indicado ao Oscar de coadjuvante por O Toque Mágico (The Luck of the irish, 49) e Adivinhe Quem Vem Para Jantar, 67. Outra figura carimbada é o que faz o enfermeiro, Jesse White, (1917-97), que teve 165 créditos fazendo um pouco de tudo. Na verdade, não há pontos fracos nem mesmo o interesse romântico que ficou por conta de Peggy Dow, que não fez mais de 10 filmes (ainda esteve em Só Resta Uma Lembrança, Não Quero Dizer-te Adeus) para logo se casar com homem de petróleo e largar o cinema. Mudou-se para Oklahoma e teve cinco filhos. Na época, a Universal pagou uma grande quantia, 750 mil dólares pelos direitos de adaptação. Quem faz a voz do motorista de táxi é o estreante Fess Parker, depois famoso como Daniel Boone.

Formalmente pode ter envelhecido um pouco a estrutura teatral, mas o filme ainda é divertido, alegre, o melhor já feito sobre amigos secretos ou imaginários e por isso mesmo libertário e sem moralismos (o final é particularmente bonito), de tal maneira que a gente fica realmente até com a impressão não só de que Harvey existe, como até o vemos. E mesmo queremos um amigo como aquele! Uma comédia clássica que ainda me faz rir muito.