Crítica sobre o filme "Contestado, O - Restos Mortais":

Rubens Ewald Filho
Contestado, O - Restos Mortais Por Rubens Ewald Filho
| Data: 27/11/2012

Continuo reclamando que o documentário brasileiro é completamente censurado pelos órgãos de financiamento que o impedem ou inibem de realizarem registros mais polêmicos sobre a nossa cultura ou política.

Como não realizaram um documentário sobre o Mensalão? Essa é a função do documentarista, questionar, polemizar, fazer o que a tevê por seus compromissos comerciais não tem condição. Em vez disso, ficam fazendo filmes sobre escolas de samba, praias, festas folclóricas, compositores, e coisas piores.

Poucos se deram conta que foi o diretor Sylvio Back (nascido em Santa Catarina, fez parte de sua carreira no Paraná) uns dos pioneiros (como João Batista de Andrade) a alternar filmes dramáticos de ficção com documentários em seu caso, sobre fatos mal conhecidos da História do Brasil (o que chega a ser uma redundância já que toda a nossa História é muito mal conhecida em geral!). Até mesmo fatos recentes, porque lei obtusas impedem até a publicação de biografias mais esclarecedoras.

Foi assim que antes da chegada do digital desmistificou a Guerra do Paraguai (ou do Brasil, como eles dizem do lado de lá), a Republica Guarani, Rádio Auriverde (sobre a FEB) e parece que já tem um outro praticamente pronto que é O Universo Graciliano. Chega agora com este documentário completado em 2010, que aborda um assunto ainda menos conhecido (embora Sylvio tenha feito uma ficção sobre o tema, seu segundo filme que foi A Guerra dos Pelados, 1971). Mas é certamente dos grandes conflitos brasileiros o menos divulgado e discutido, em termos nacionais.

A chamada Guerra do Contestado (1912-16), aconteceu entre Santa Catarina e Paraná, com alguma semelhança com Canudos (por ter fanáticos religiosos, ou seja, fundo messiânico). Foi basicamente uma guerra civil numa região rica em Mate, que inclui a chegada da estrada de ferro estrangeira, conturbando o centro-oeste de Santa Catarina, numa área do tamanho de Alagoas e que era reivindicada pelo Paraná. Ideia essa que era contestada no Supremo Tribunal Federal, daí o nome Contestado.

O filme procura contar os fatos através de depoimentos de historiadores, e descendentes dos sobreviventes, que são fotografados em planos próximos. Os supercloses são reservados para um recurso que nunca foi usado em cinema antes e não sei até que ponto pode-se considerar licença poética ou verdade.

O diretor optou em conseguir depoimentos de mortos que se manifestam (muito dramaticamente) através de médiuns, me pareceram quase todas mulheres, que lamentam sua sorte ou esbravejam contra as injustiças. Tornando realidade aquela piada que se faz sempre sobre conversar com um morto, só se for em centro espírita! Mas na verdade tudo que dizem não é relevante em termos de levantamento histórico, certamente a ideia foi dar mais dramaticidade e força aos fatos e constatar que a presença religiosa toma novas formas, mas nunca abandona o ser humano. Sempre preso a alguma forma de espiritualismo.

Conhecendo e admirando Sylvio acho que esses depoimentos tornam mais interessantes o que poderia ser um exercício muito desgastante de fatos históricos, com nomes que desconhecemos (usam-se fotos antigas, com alguma animação, o que foi possível se conseguir de filmes antigos, mas a maior parte das denúncias, inclusive do discutível comportamento do exército brasileiro que fez grandes massacres e matou com frequência sem necessidade, são confirmados por recortes de jornais). Mas é um conflito complexo e ainda desconhecido, que resulta num filme inquietante e marca a volta ao cinema de Sylvio (ausente desde o injustiçado Lost Zweig, de 2003).