Crítica sobre o filme "À Beira do Abismo":

Rubens Ewald Filho
À Beira do Abismo Por Rubens Ewald Filho
| Data: 23/11/2012

Este foi o segundo dos quatro filmes que Bogart e Bacall fizeram juntos, eles se conheceram rodando Uma Aventura na Martinica e só se casariam três meses depois de terminada a filmagem desta fita.

A produção foi concluída em 12 de janeiro de 45 e foi logo apresentada para os soldados em luta na segunda guerra, o que era praxe para diverti-los. Eles viam antes, só depois que alguns filmes eram distribuídos por que o mercado estava congestionado, às vezes, até com dois anos de atraso como aconteceu aqui. A Warner achava que com o fim da guerra era mais importante lançar logo os filmes sobre o tema. O agente Charles Feldman convenceu Jack Warner, dono do estúdio, que era preciso cuidar melhor de Lauren Bacall, porque em seu filme anterior Confidential Agent, sem Bogart, ela tinha tido críticas ruins. Sugeriu então que fossem rodadas cenas adicionais entre ela e Bogart, três ou quatro, que acentuariam a química entre o casal como aconteceu no primeiro filme, sendo que os diálogos seriam muito sugestivos sexualmente sempre com duplo sentido, como quando falam em corridas de cavalos. Aliás, prestem atenção.

Então esses acréscimos estão na versão que passou nos cinemas, ou seja, a oficial. Embora as duas versões tenham praticamente a mesma metragem, elas são bem diferentes. Alguns detalhes: a versão do diretor tem um diálogo sobre corridas de cavalos bem mais discreta, uma versão diferente da cena em que Marlowe encontra a mulher de Eddie Mars, com outra atriz inclusive, e uma conversa entre o detetive e o promotor em que eles resumem e explicam a ação - o que ajuda o expectador na trama complexa. É mais longa a cena em que Marlowe revista a casa do chofer, a cena de Bogart com a irmã mais nova drogada é diferente e o diálogo mais forte e sugestivo na dos cinemas. A cópia dos cinemas corta inteiramente uma cena em que Lauren vai ao escritório de Marlowe usando um véu substituindo-a por uma conversa sexy num restaurante. Também tem sequência em que a irmã mais nova tenta seduzir Marlowe e se revela uma psicopata.

Sem essa cena fica difícil entender quem matou o chofer. É importante notar que o roteiro deste filme é assinado por uma mulher Leigh Brackett, que a partir deste filme se tornaria a grande parceira em scripts do diretor Hawks e do escritor premiado com o Nobel William Faulkner. Há uma história ótima sobre ele, que não gostava de Hollywood, que pediu permissão para trabalhar no roteiro em casa. Isso foi concedido porque pensaram que era casa em Hollywood, mas ele falava da casa mesmo dele no Sul dos Estados Unidos, em Oxford, Missouri.

Outra lenda famosa é que quando escreviam o roteiro Hawks e Brackett não conseguiam entender quem matou a primeira vítima. Telefonaram para Raymond Chandler, que lhe disse que a resposta estava no livro. Mas este foi consultar e não conseguiu encontrar a resposta. Agora, na versão do diretor encontra-se a resposta, mas não dos cinemas, onde o mistério continua. Curioso: são feitas referências a baixa estatura de Bogart que na verdade era mais baixo que ambas atrizes centrais do filme. Entre as cenas que a refilmagem não usou, temos Marlowe usando óculos escuros (extraído do livro) para entrar na loja de pornografia e uma sequência em que ele fica namorando a moça da frente da loja (que é feita pela mesma Dorothy Malone, que ganharia o Oscar de coadjuvante por Palavras ao Vento e ainda está viva!).

De qualquer forma, esta edição é um deleite para o cinéfilo que para bem curti-la era que ver 3 filmes parecidos mas diferentes.