Crítica sobre o filme "Colecao Planeta Proibido, Menino Invisivel":

Rubens Ewald Filho
Colecao Planeta Proibido, Menino Invisivel Por Rubens Ewald Filho
| Data: 20/08/2012

Nunca assisti, na sua estreia, este filme cult de ficção cientifica da Metro e passei anos esperando a chance de conhecê-lo em uma versão menos estropiada do que a que passava (mesmo assim raramente) na televisão (porque foi feito em formato CinemaScope, widescreen e não se ajustava bem ao formato das televisões da época). Lembro de ter lido sua adaptação para novela (uma espécie de conto mais longo) feita para a Filmelandia (revista de cinema da época) e por isso estava familiarizado com a história e principalmente intrigado com sua resolução.

Só o vi direito há poucos anos numa edição americana em Blu-ray. Há outro motivo para a expectativa: no Brasil fez muito sucesso um dos personagens do filme, Robby, o robô, que chegou a ser usado pela TV Tupi como convidado, inclusive numa novela de ficção cientifica (que foi anunciada como se fosse mesmo interferência espacial). Antes de Perdidos no Espaço, Robby foi o robô mais popular do cinema, de tal forma que aqui também saiu outro filme da Metro em que ele trabalhou, O Garoto Invisivel/The Invisible Boy, de Herman Hoffman, 57. (Aliás, o IMDB continua registrando uma refilmagem de Planeta para o futuro indeterminado!). E também num episódio da série de TV The Thin Man, com Peter Lawford e Phyllis Kirk. Outra coisa Robby foi criado pelo mesmo Robert Kinoshita, que é creditado como diretor de arte justamente de Perdidos no Espaço (Lost in Space), seriado em que Robby apareceu em dois episódios. Também foi convidado em outras séries de sucesso na TV americana nas décadas seguintes como Columbo e Mork & Mindy.

Embora indicado para o Oscar de efeitos especiais, o filme naturalmente parece ingênuo e tolinho, nesse aspecto para os olhos treinados do espectador atual. Mas isso é parte do encanto, já que na época eram poucos os filmes Classe A de ficção cientifica da MGM que não tocava no gênero desde 1929, ele custou quase dois milhões de dólares e rendeu mais de três milhões (Houve antes o sucesso de A Guerra dos Mundos, da Paramount) e este foi também o primeiro grande filme de estúdio a utilizar inteiramente na trilha música eletrônica. Louis Barron e Bebe Barron fizeram a trilha em apenas três meses! Substituindo David Rose, que foi contratado e despedido. O filme tinha ido tão bem de bilheteria que Dore Schary chefe do estúdio mandou o filme rapidamente para as salas, mesmo sem ter alguns efeitos visuais prontos. Os Barron não estão creditados porque o Sindicato reclamou e proibiu que fossem chamados de músicos!!!!! Eles tiveram a ajuda também do maestro Andre Previn que compôs uma fanfarra para o trailer.

Na estreia não se falou muito a respeito, mas hoje já se sabe que a história é inspirada em A Tempestade, última peça de Shakespeare, só que situada agora no espaço sideral. Na história original, uma embarcação encalha em uma ilha (agora um planeta) onde Próspero (no filme o Dr. Morbius) vivia com Miranda e sua criada Ariel (no filme, um robô que poderia ser considerado algo como o tio-avô de Hal 9000 de 2001 Uma Odisseia no Espaço). A direção de arte sem crédito (porque ainda era costume na época creditarem apenas o chefe do departamento, hoje se sabe os responsáveis foram Irving Block e Mentor Huebner) alterna acertos com modernidade da época, em especial na casa de Morbius (as paredes de pedras, alguns esculturas de gosto duvidoso fazendo lembrar casas no deserto de Palm Springs), sem esquecer que alguns sets foram reciclados de O Mágico de Oz (foram feitos no mesmo estúdio), embora os figurinos (do famoso Walter Plunkett, de E o Vento Levou e Cantando na Chuva, sejam mais felizes. Por exemplo, na roupa discreta de Morbius, na roupa dos astronautas).

Mesmo assim, é estranho que a MGM tenha delegado este projeto ambicioso nas mãos de um diretor B, Fred M. Wilcox (1907-64), que antes fez apenas filmes de Lassie, O Jardim Secreto, com Margaret O´Brien e logo largou o cinema. Sua especialidade era a segunda unidade, ou seja, cenas de ação. O elenco também não é muito forte. A única figura estelar era o já veterano Walter Pidgeon (1897-1984), famoso por fazer durante anos dupla com Greer Garson em melodramas famosos. Como sua filha, uma promessa do estúdio: a encantadora Anne Francis (1920-2011), que vinha dos sucessos de Sementes de Violência e Conspiração do Silêncio, mas só encontraria espaço depois na televisão. O mais curioso e absurdo é que o estúdio na época apostava em Leslie Nielsen (1926-2010) como galã, quando parece óbvio que ele seria muito mais adequado para fazer comédias, como sucedeu mais de 20 anos depois! O resto do elenco também encontraria espaço maior na TV, como Jack Kelly (de 1927-92, da série Maverick), Warren Stevens de Lanceiros de Bengala (1919-2012), Earl Holliman (ainda vivo), James Drury (O Homem da Virginia) e James Best (Os Gatões).

O autor do roteiro, Cyril Hume (1900-66, irmã da atriz Benita Hume), escreveu as coisas mais variadas, de Tarzan, o Homem Macaco, com Weissmuller, em 32, a Delírio de Loucura, de Nicholas Ray (56). A Metro mexeu no roteiro acrescentando alívio cômico com o cozinheiro de bordo (Earl Holliman). Marvin Miller dublou a voz de ´Robby The Robot´. O planeta Altair IV também faz parte da Federação dos Planetas de acordo com a série Star Trek: Deep Space Nine. Muitas vezes, o próprio criador de Star Trek, Gene Roddenberry, afirmou que este filme foi uma importante inspiração para sua série.

Para o espectador atual vai parecer estranho que o filme não tenha closes, porque eles não tinham lentes adequadas na época e temiam que um rosto ficasse deformado numa tela tão grande! Então, praticamente tudo é filmado de plano americano (do joelho para cima) e médio (mais ou menos da cintura para cima). Ou geral (o diretor é um artesão medíocre e nunca ousa). Dá para perdoar também os sets pintados que emolduram o planeta (ao menos à noite ficam menos falsos). Outra coisa da época: com frequência a mudança de cenas é feita através de fusões, uma saindo lentamente e a cena seguinte já entrando, se fundindo. Notem também que, quando há algum efeito para acontecer, a imagem perde em intensidade, porque para realizar esse efeito foi preciso usar um internegativo (cópia do negativo), onde seria impresso, digamos assim, o efeito.

Os laboratórios são mais convincentes e depois de alguns momentos leves (brincadeiras com o robô, a tentativa do primeiro beijo com Anne), após os 50 minutos, entra o verdadeiro tema: a busca de uma civilização perdida, a dos Krell, que viveram nesse planeta e sumiram sem explicação. É basicamente isso que irá segurar o interesse do espectador até o final e sua explicação muito atrevida, mesmo porque naquele momento ninguém falava em inconsciente coletivo, noção desenvolvida nos trabalhos do psiquiatra suíço Carl Gustav Jung e que mesmo hoje não é um assunto dominado pelos leigos.

Com uma hora e seis minutos acontece o primeiro ataque visível dos monstros invisíveis, mas que vão deixando pegadas (assustadora ideia). E depois, no segundo ataque à nave, tomam a forma de uma fera meio leonina (a sequência mais eficiente, avermelhada e que ainda funciona bem). Finalmente, ficamos sabendo de que se trata [Spoiler alerta!] dos monstros do Id. O que seria id (parte da mente humana conforme desenvolvido por Sigmund Freud) e segundo Morbius (ou seja, como Próspero), um termo ultrapassado, que era outrora usado para descrever a parte elementar do subconsciente da mente. Eles tinham chegado ao ponto de conseguir criação pela simples força do pensamento. Mas os Krells se esqueceram de uma coisa. O ódio que eles tinham no seu subconsciente e o desejo da autodestruição. A Besta. A força primitiva original. Alguma coisa parecida com o Pecado Original, o lado mal de sua natureza. Uma projeção de uma mente que tenta impedir alguém que desafiou seus poderes. São os demônios que temos dentro de nós, só que escondidos, e pensamos que os mantemos sob controle.

Mas haverá ainda mais uma revelação (essa vou lhe poupar), quando a Besta ataca a residência de Morbius e enfrenta Robby. Usando um termo fora de moda, o filme deve realmente ter fundindo a cabeça dos jovens daquela época. Sua resolução muito freudiana é muito inteligente e inusitada, até hoje ainda não é para todo mundo pela ousadia de explorar filosóficamente as angústias da psique humana. O que explica justamente o fato do filme continuar tão atual e tão admirado.

Walter Pidgeon está muito esforçado no que seria seu clímax, mas é aí justamente que faz falta um melhor diretor, numa cena forte (com a porta de metal se desfazendo), mas não lhe focalizam na hora certa (falta um plano próximo dele) e o coitado do casal olha tudo de uma maneira falsa e quase ridícula. Que pena! O disco voador (não dos mais convincentes) continua voando no espaço, mas não sem antes passar a mensagem de sempre, de que o homem não está pronto para brincar de Deus (dito na Guerra Fria, hoje não mudou muito. Talvez tenha até piorado!).