Por causa da atual crise econômica na Grécia, temos ouvido informações contraditórias sobre seu povo e políticos, que nem sempre são elogiosas. Isso, sem dúvida, faz parte da própria mítica dessa antiga civilização que parece ter sido corrompida pela proximidade com a Turquia (seu amigo/inimigo) e a cultura árabe.
Tornou-se um País ainda mais complexo do que outros do Mercado Comum Europeu, e uma obra como esta pode ajudar a decifrar as contradições da alma grega que, como no Egito, tem muito pouco a ver com o brilho e profundidade da antiga cultura clássica do século de Péricles.
Ajuda muito seguir o filme (na edição em Blu-ray) com os comentários de um estudioso de literatura grega da Faculdade de Loyola que explica muito sobre o autor do livro, Nikos Kazantazakis (1883-1957), que também escreveu o super polêmico A Última Tentação de Cristo, filmado por Scorsese (88) e Aquele que Deve Morrer, rodado por Jules Dassin (57), já com a grega Melina Mercouri.
Ficamos sabendo assim que ele começou a escrever, muito tarde, quando já tinha 60 anos e pediu pessoalmente a Cacoyannis que adaptasse um livro seu porque era seu admirador. O comentário deve ter sido gravado não faz muito tempo, porque o diretor morreu em 2011. E ele teve uma notável importância. O cinema grego praticamente nasceu com ele.
Nasceu em Limassol, Chipre, e foi responsável pelo lançamento de duas grandes estrelas internacionais: a sua musa Irene Papas e Melina Mercouri , com quem fez Stella, 55, que teve circulação internacional, e também pelo interesse mundial por seu País, depois do êxito deste filme junto com Nunca aos Domingos, do americano Jules Dassin que se casaria com Melina e se radicaria na Grécia.
Filho de um advogado, Michael foi para Londres estudar Direito, mas como era época da guerra, foi trabalhar como produtor de rádio para os programas da resistência grega, na BBC. Aos poucos se interessou por teatro e cinema, fazendo algumas pontas.
O cinema grego praticamente nasceu com seu retorno a Atenas. Sua obra-prima foi premiada em Cannes, Electra, a Vingadora, uma telúrica tragédia grega, com Irene Papas, que foi exatamente o trabalho anterior e lhe deu crédito e carta branca neste projeto, em que teve inclusive o corte final.
Ele conta que o filme era para ser com a United, mas está começando a interferir e, da noite para o dia, mudou para a Fox, que topou por causa do elenco. Nos anos 70, a decadência pareceu explicável pelos problemas políticos da época, que o obrigaram a se afastar de seu País.
Dirigiu ocasionalmente para o teatro. Foi indicado ao Oscar três vezes pelo roteiro, produção e direção de Zorba, o Grego, participou na competição de Cannes por sete vezes. Na verdade, ninguém como ele soube transpor para o cinema as grandes tragédias clássicas gregas.
Mas Zorba, foi um caso à parte: rodado na parte mais pobre da Ilha de Creta, é sobre um velho grego que tem uma incrível filosofia de vida e influência um jovem engenheiro inglês (Alan Bates 1934-2003) que sonha em ser escritor e foi pra lá tentar reviver uma mina abandona. No original, a história se passa em 1910, mas no filme não fica muito determinada, e o narrador é grego.
A trama original é inspirada em fatos reais e realmente existiu um Zorba, que Nikos conheceu bem. Foi o melhor papel de toda a ilustre carreira de Anthony Quinn (1915-2001), que concorreu ao Oscar naquele ano, mas não venceu.
Aquele foi o ano de My Fair Lady, Rex Harrison, Julie Andrews e o diretor George Cukor. Depois Quinn já tinha dois Oscars de coadjuvante e deve ter parecido aos membros que era mais do que suficiente (arrogante e difícil, Quinn não era muito popular entre os colegas).
Quinn depois repetiria o papel em show musical da Broadway chamado Zorba, em que ele impôs também a Boubolina, ou seja, Lila Kedrova. E também exigiu que a direção fosse do próprio Cacoyannis. Este confirma que os dois tiveram muitas brigas, mas que Quinn, no final da vida foi muito leal e chegou de pedir desculpas públicas numa entrevista. Assim, no final, quando ele morreu, estavam em paz.
A única coisa que dizia ter contra ele é que Quinn não sabia dançar muito bem e, por vezes, enganavam na edição ou no enquadramento. Mas que este tinha uma paixão pela vida que era maior do que tudo e isso era essencial para a história que, no fundo, é justamente uma afirmação da vida de que todo mundo tem problemas e, por isso, tem que ter uma visão positiva de como enfrentá-los.
De qualquer forma, o show da Broadway também foi sucesso e no resto da vida, Quinn interpretou basicamente variações desse personagem de Zorba (embora não tivesse nada de grego, era mexicano, descendente de índios e irlandeses).
Na edição sobre a vida de Quinn, na série Biografia da TV americana, conta-se a história de ele foi concebido enquanto os pais lutavam na Revolução Mexicana de Zapata e Villa. O pai morreu cedo e ele teve que sustentar a família já na América.
Foi ajudado pela pregadora protestante famosa, Aimee MacPherson, com quem estudou e e se educou. Fingindo ser índio americano, conseguiu papel no cinema e logo se apaixonou pela filha do diretor Cecil B. De Mille. Mas nada foi fácil, até porque, toda hora estava se apaixonando por outras mulheres e tendo muitos filhos.
Mas Zorba é um personagem incrível. Sua filosofia de viver a vida a cada momento até hoje impressiona as pessoas. Há um momento forte quando para esquecer as mágoas, Zorba sai dançando e bebendo até cair. O inglês todo travado não entende e ele tenta explicar: “Pela dança a gente se libera. O que você faz quando está cheio de problemas por dentro. Explode? Não, você dança e bota tudo para fora”.
Há outras frases famosas de Zorba:
Zorba: Que droga, chefe. Eu você de você demais para não dizer a verdade. Você tem tudo menos uma coisa: a loucura! Um homem precisa de loucura... Se não... Se não, nunca corta a corda e fica livre.
Zorba: Que espécie de homem é você que nem gosta de golfinhos!
Zorba: Você diz eu não quero problemas. A vida é problema. Só a morte que não é. Estar vivo é desamarrar seu cinto e procurar problemas.
Zorba: Como não posso amá-las... pobres criaturas frágeis... E pedem tampouco, uma mão em seu seio e eles lhe dão tudo que tem.
Zorba: Na porta de um surdo você pode bater para o resto da vida que ele não vai ouvir. Por que os jovens morrem? Porque qualquer um morre? Basil responde: Não sei. Zorba prossegue: Para que servem esses livros todos se não consegue responder isso. Basil:eles falam da agonia do homem que não consegue encontrar resposas. Zorba: Eu cuspo na sua agonia. Você pensa demais. Esse é seu problema. As pessoas espertas e os mercadores, eles pesam tudo antes. Eu sou um homem e um homem não é tol? Eu sou um homem,então eu me casei. Mulher, filhos, casa, tudo. A catástrofe completa. Deus tem um coração grande, mas tem um pecado que ele não perdoa. Se uma mulher chama você para a cama dela e ele não vai. Tudo bem, nós vamos lá fora onde Deus pode nos ver melhor.
Cacoyannis comenta também que pensou em fazer depois outra adaptação de Kazantazakis do livro, Freedom or Death, cujos direitos pertenciam a Burt Lancaster. A Warner pensou em produzir, mas nunca deu certo. Diz que sendo produtor também de Zorba foi ele quem fez a escolha de rodar em preto e branco para aproveitar a qualidade da luz da Grécia (segundo ele a única sequência que funcionaria colorida é uma que acabou sendo cortada da copia final, um flashback do passado de Zorba na Rússia.
Cenas que por sinal tiveram a participação de Pia Lindstrom, filha de Ingrid Bergman). Este foi a quarta parceria de Cacoyannis com o alemão Walter Lassaly, que levou o Oscar aqui e fez outros trabalhos importantes como Um Gosto de Mel e As Aventuras de Tom Jones.
O filme deve muito também seu sucesso a música de Mikis Theodorakis que ainda está vivo. Era vizinho e amigo de Cacoyannis com quem fez Electra, As Troianas, O Dia em que os Peixes Sairam D´água e Efigênia. Mikis, que foi perseguido pela ditadura militar grega, também compôs as trilhas de Serpico, Z e Estado de Sítio de Costa Gavras, Eva de Losey, Profanação de Dassin. Dentre 69 títulos. Afinal, terminar com a dupla dançando o chamado Sirtaki, que chegou a ser dançado até em discotecas, é realmente notável.
Não sei bem porque eu reclamava do filme misturar drama e momentos de comédia, sendo que estes eram bem menos eficientes. Acho exagerada a realização da sequência da tempestada no navio, não o fato da maneira que fizeram, mas as brincadeiras com os monges. Há um momento em que Zorba joga pedra e dois deles saem correndo, já que estavam escondidos numa pedra. Será que insinuava que estariam se amassando?
Há uma leitura homossexual na relação da dupla, principalmente porque Zorba é vital e o personagem de Alan Bates é covarde na sua relação com a viúva. Irene Papas está belíssima e irretocável, ninguém melhor que para esse tipo de mulher de negro. Eu era fã do ator, que estranhamente nos últimos vinte anos de sua carreira fica amaneirado e perdeu o estrelato.
O conheci em Portugal numa filmagem e fiquei chocado como ele parecia uma tia velha inglesa, cheia de maneirismos e frescuras. Foi um choque ainda quando o revi tão bonito e bom ator neste filme. Já Quinn, que também fez seu último filme aqui no Brasil (que aliás ele odiou, o filme não, o País), é isso mesmo. Uma força da natureza como Zorba tinha que ser.
Outra coisa importante: o filme começou a ser rodado com uma estrela francesa no papel de Baboulina, que não é pejorativo, ao contrário, se refere a um personagem histórico grego, um almirante da marinha grega heroica e respeitada. Era Simone Signoret (1921-85) que havia ganhado já um Oscar em 59 e super respeitada.
Mas depois de três semanas, Cacoyannis a despediu dizendo que ela não estava conseguindo fazer o personagem. Esta aceitou a ordem e tempos depois teria se arrependido, parece que não queria se mostrar feia e velha, foi vaidade.
O diretor assumiu sua segunda escolha indo buscar na França uma atriz completamente desconhecida chamada Lila Kedrova (1918-2000), de origem russa (nasceu em São Petesburgo e que não sabia falar inglês. Foi tudo fonético). Mas impossível pensar em alguém melhor no papel.
Ela está humana, patética, delicada, trágica, uma figura encantadora sem cair nunca na caricatura. Assim ganhou um Oscar de coadjuvante, disputando com outras atrizes antigas como Gladys Cooper, Agnes Moorehead, Edith Evans e Grayson Hall.
Lila faria depois participações importantes em filmes como Cortina Rasgada de Hitchcock, O Inquilino de Polanski, Um Homem Uma Mulher Uma Noite de Costa Gavras, Vendaval na Jamaica, Os Prazeres de Penélope. Lila também ganhou o Tony de coadjuvante pela remontagem teatral do musical Zorba (que esteve novamente em cartaz em 83/84). A versão original ficou em cartaz em 1969 e foi indicada como melhor musical do ano!
O filme foi uma produção barata, custou US$ 783 mil e rendeu US$ 9 milhões e 400 mil, sem contar a inflação. Quando estreou nos EUA já tinha coberto seu custo de produção. Zorba ganhou também os Oscars de Fotografia e Direção de Arte, tendo sido indicado ainda como Melhor Direção, Filme e Roteiro. Foi indicado ao Globo de Ouro de drama, ator, diretor, trilha musical e atriz coadj (Lila). E aos Bafta de filme, ator e atriz e Cacoyannis ganhou como diretor.
É um grande filme que, com certeza, você vai querer assistir mais de uma vez. A edição traz comentários do diretor e Demetrios Liappas, a biografia de Anthony Quinn (Sede de Viver/A Lust for life ), noticiário mudo da Fox da estreia (Movietone) e a coisa mais curiosa, uma introdução alternativa.
Que confirma o que eu acho: o diretor é bom no drama, mas não sabe fazer comédia. Esta sequência que abriria o filme seria um desastre. Num estúdio mostrando de forma bem pobre e cafona numa nuvem no céu, aparece (Quinn cabeludo e barbudo) como se fosse Deus, mas agindo como um paxá!
Até quando chega uma mortal nua, mas coberta pelos cabelos longuíssimos. E diz a narração feita por Quinn, usando um trecho do livro: se Deus existisse, ele viveria numa nuvem decidindo quem vai para o céu e o inferno. Usaria uma esponja molhada para limpar os pecados dos homens e não mandaria ninguém para o inferno. Perdoaria tudo. Ainda bem que foi cortado, iria acabar com o filme, que tem um tom completamente diferente. Aliás, a edição inicial do filme era de três horas e felizmente foi reduzida.
Quem faz ponta é o futuro diretor George Pan Cosmatos, como o rapaz cheio de espinhas que anota os pensamentos do analfabeto Zorba. Falta comentar somente duas cenas muito fortes, que são a morte de dois personagens centrais: uma delas muito bem coreografada, quase um balé trágico, a outra ainda mais triste, Boubolina morrendo e as velhas invadindo sua casa para lhe roubarem a herança.
São momentos como este que ajudam a tornar o filme inesquecível.