É estranho como a tragédia numa pré-estreia no cinema pode comprometer o resultado e a percepção deste filme (já se sabe que isso pode ter lhe custado as indicações ao Oscar!), mesmo com os cuidados que a produtora Warner está tendo (cancelando pré-estreias, proibindo pessoas fantasiadas na plateia, doando dinheiro para as vítimas), quando o enfoque deveria ser outro. A culpa não é deste filme, nem do anterior, mas antes de tudo de uma sociedade como a americana, que insiste em liberar a venda de armamentos até pela Internet (e aí me pergunto se hoje existe por lá um sistema acima da lei de descobrir e evitar atos de terrorismo. Não deveriam eles ter descoberto antes que esse maluco tinha em casa um verdadeiro arsenal? Não só árabes são extremistas e fanáticos, ou doentes mentais como parece ser o caso). Se o Joker foi tão forte a ponto de autodestruir o ator que o compôs, imagine se não poderia atingir alguém de cabeça fraca, por coincidência estudante de medicina, como seu precursor brasileiro (Isso é outra coisa que faz pensar, a gente pode cair fácil nas mãos dessa gente que gosta de matar!).
Enfim, vamos tentar nos abstrair das circunstancias e analisar o filme em si, se ainda formos capazes. Saí do cinema achando várias coisas, entre elas que o Imax do Cinepolis JK é menor e bem inferior ao do Bourbon e nem sequer comparável aos americanos! São minis Imax. Depois, com a certeza de que o diretor Nolan é extremamente competente (não havia dúvidas, mas não custa repetir) e gosta de situações complexas. Na forma de narrar, por exemplo, ele começa de forma muito rápida, com montagem sucinta, mantém uma trilha musical constante e incessante como nos filmes antigos (e nos ocasionais momentos de silencio nas cenas de luta, o ruído de metais e que tais acaba virando trilha) . De fato, não senti passar a longa-metragem.
Por outro lado, Nolan como roteirista junto com o irmão Jonathan é ainda mais denso. Difícil pensar num blockbuster que reflita um clima mais dark, mais trágico, pessimista do que este. É quase um filme de anti-super herói, no sentido de desmistificar o lado glorioso e ufanista de suas ações para contemplar a falência da atual sociedade, a corrupção em todos os niveis, o egoísmo, o descaso com as injustiças sociais e principalmente a mentira que dominou todas as formas de comunicação do poder. Comentei aqui já a história do policial que explode a ponte porque é cego demais, só sabe seguir ordens. Existem outros detalhes semelhantes no filme que não devemos ainda esmiuçar.
Mas é muito forte vermos um Batman, que afinal não tem poderes mágicos ou miraculosos, ter ficado não apenas aleijado de uma perna, como execrado pelo mesmo público que tantas vezes salvou e o idolatrou. E o filme personaliza isso muito bem na figura do fiel companheiro, o mordomo Alfred (Michael Caine), que no final das contas é fraco demais para protegê-lo e ajudá-lo até o fim. Quando a figura paterna o abandona, o que pode lhe restar?
Não acho que Nolan tenha sido feliz na escolha de Tom Hardy para ser o super-vilão Bane. Já dá para perceber que ele é de trabalhar com sua turminha de sempre, já que traz novamente praticamente todo mundo de A Origem de volta. Outras vezes eu louvei Hardy, mas aqui não é culpa dele, o fato de ser baixinho e não ter olhos expressivos. Bane deveria ser uma figura monstruosamente forte e não mediano. O IMDB diz um metro e setenta e oito, mas acho que está mentindo, a maior parte das vezes é filmado de baixo para cima e com certeza está numa plataforma (ou banquinho) para parecer maior do que a realidade. Nolan deveria ter inventado alguma outra coisa em vez da máscara que ele usa no rosto e que lhe deixa à vista apenas os olhos. Isso limita demais os recursos que Hardy tem para usar, de forma que o Bane nunca chega a aparentar a figura apocalíptica que deveria ser.
Por outro lado, acertou na figura da Mulher Gato (que nunca é chamada assim) que Anne Hathaway faz com charme e graça, até leveza demais. No meio da morbidez geral até que ela funciona como alivio cômico e mesmo romântico. Assim como a sempre maravilhosa Marion Cotillard, que tem a difícil tarefa de ser o interesse romântico, mas quando tem que comparecer não nega fogo.
Para mim o mais grave é a irregularidade do elenco. Talvez o trabalho de Nolan tenha sido tanto que ele descuidou-se na escolha dos atores. Achava que já estávamos livres de Matthew Modine para ele retornar aqui no papel importante do policial Foley, que muda de lealdades e parece totalmente falso para depois se reabilitar. Está canastrão e inseguro, mas não pior do que o australiano Ben Mendelsohn fazendo o vilão Dagget, aquele que assume o board of directors. E por fim, por mais legal que seja, Joseph Gordon Levitt não tem a garra ou o carisma para segurar um personagem de tal importância.
Nada a reclamar das cenas de ação, da concepção visual, muito menos de Christian Bale (me pareceu mais discreto que de costume) até porque a narrativa é tão forte que o filme tem grande impacto na plateia. Mas talvez e justamente pela irregularidade do elenco, é inferior ao capitulo do meio (já que este seria o fim da trilogia, a Warner certamente terá que inventar um reboot como fez a Sony com o Homem Aranha).
Agora um Spoiler, não vou revelar a conclusão, mas se não quer saber de certas coisas antes de ver o filme, melhor pular este parágrafo. 1) há no filme e numa cena chave um momento em que determinado personagem é ferido gravemente a faca e com requintes de crueldade, já que a torcem no corpo da vítima. Acontece uma reviravolta e ninguém mais toca no assunto. 2) Também no final um importante aparelho teria sido consertado, fica meio difícil de entender como. 3) Nolan joga com o espectador e na sequência no bar com o Alfred é importante lembrar que aquilo que ele vê pode ser apenas sua imaginação (como em momentos anteriores culposa conforme ele confessa) e não algo que contradiga o que foi mostrado antes.
É provável que você saia do cinema discutindo detalhes e polemizando. Não há dúvida que eu, mesmo com restrições, gostei do filme, e mesmo lamentando os tristes fatos não posso evitar de que eles só confirmam a natureza reveladora e profunda dos filmes de Batman - O Cavaleiro das Trevas (o nome já diz tudo), que se propõe revelar a intrincada perversidade a que pode chegar a natureza humana.