Crítica sobre o filme "Becket":

Rubens Ewald Filho
Becket Por Rubens Ewald Filho
| Data: 08/07/2012

Nunca tinha revisto este drama britânico que é uma adaptação de uma famosa peça do francês Jean Anouilh que foi montada na Broadway com Laurence Olivier como Beckett e Anthony Quinn como o Rei (quando este saiu Laurence trocou de papel e entrou Arthur Kennedy) e que levou o Tony de Melhor Peça do Ano.

O texto foi feito na França pelo famoso grupo (de esquerda) chamado Teatro Nacional Popular para Gérard Philippe (1922-59, que iria morrer do coração antes da estreia, ele era o maior astro do cinema francês naquele momento) e Daniel Ivernel (1920-99), que fez apenas papéis menores em filmes como Diário de uma Camareira, Sempre as Domingos, O Corpo do meu Inimigo.

Embora Anouilh (1910-87) esteja meio fora de moda, ele foi muito importante e famoso, chegando a dirigir dois filmes (Deux sous de violettes, 51, com Dany Robin e Le Voyageur de Bagages, 44, com Pierre Fresnay e Sylvie). Suas obras já tiveram mais de 130 títulos (entre eles, O Canto da Cotovia, sobre Joana D´arc, feita nos EUA com Julie Harris e no Brasil com Maria Della Costa, o famoso Monsieur Vincent, 47, o ótimo A Valsa dos Toreadores, com Peter Sellers, 62, Antigone, Euridice e outros.

Quem produziu o filme foi outro nome famoso o produtor Hal B. Wallis (1900-1986), que foi o lendário produtor de Casablanca e que brigou com a Warner quando não lhe deixaram receber o Oscar de Melhor Filme. Ele produziu 372 filmes e deixou viúva a atriz Martha Hyer ! Passou então para a Paramount, se especializando em contratar atores que depois emprestava aos estúdios, entre eles, Kirk Douglas, Burt Lancaster, Elvis Presley, Dean Martin e Jerry Lewis, dentre muito outros.

Ele gostava de fazer adaptações teatrais (como A Rosa Tatuada, Anjo de Pedra do Tennessee Williams, Boeing Boeing) e no fim de carreira, Ana dos Mil Dias com Burton e Mary Stuart, com Vanessa Redgrave. Aqui, ele contou com a ajuda do roteirista Edward Anhalt (1914-2000), que ganhou Oscars por Pânico nas Ruas, de Kazan, 51 e por este Becket e mais uma indicação por Volúpia de Matar/ The Sniper, 53.

O filme Becket era originalmente da Paramount (mas saiu por uma independente) e quando passou em nossos cinemas teve o subtítulo de O Favorito do Rei. É que ele levanta de forma muito sutil, a possibilidade da dupla ter tido uma ligação homossexual (que não fica muito verossímil com a dupla nem tanto O´Toole, mas Burton que era um ator frio e impassível que dava a impressão de se impressionar com sua própria voz.

Além disso, a censura teria caído em cima porque o homossexualismo na época ainda era considerado crime na Inglaterra!). Peter admite que isso pudesse ser o caso, mas que ele interpretou como se fosse realmente um amor de verdade, não necessariamente com sexo.

Outro detalhe curioso: embora os dois astros fossem alcoólatras e famosos por suas bebedeiras, não teriam bebido durante as primeiras semanas das doze de filmagem por causa da presença de seus mentores. Na verdade, a cópia em Blu-ray é decente, mas como sempre acentua os defeitos da maquiagem, principalmente de Burton que era muito carregada para tentar esconder suas marcas na pele (em vão!). Acaba deixando-o pálido e esquisito.

Hoje seria mais convincente com atores mais jovens. Mas na época não houve problemas. Alec Guinness teria feito pior e fez bem em recusar o papel do rei porque não acreditava no filme! (eu não acredito nele, acho um ator composto e que constrói personagens de fora para dentro, ou seja, sempre fica falso).

Embora tenha ganhado apenas o Oscar de Roteiro Adaptado foi indicado também como Atores (Burton, 1925-84, que nunca ganharia o prêmio até o fim de sua vida, O´Toole que ganharia apenas um Especial), coadjuvante (o grande ator shakespereano Gielgud 1904-200 que ganharia mais tarde por Arthur, o milionário e que tem aqui apenas duas cenas), Direção de Arte, Fotografia, Figurino, Direção (o britânico e teatral Glenville 1913-96), Montagem, Trilha Musical, Som e Filme. Ganhou Globo de Ouro de drama e ator (O´Toole).

É um filme de pouca ação e muitos sets em estúdio, concebido como um show para os dois atores, Burton mais contido e discreto pouco antes de se casar com Elizabeth Taylor e O´Toole, sempre mais flamboyant (ele voltaria a interpretar o mesmo personagem, também de forma memorável em O Leão no Inverno, 1968.

A atriz que interpreta aqui, Gwendolen, apesar do nome Sean era realmente mulher de O´Toole na época). Embora o filme tome algumas liberdades com os fatos reais da história porque o autor não fez qualquer pesquisa histórica (portanto, pouco tem a ver com a realidade) é eficiente, com um bom elenco de apoio (curiosamente estão no elenco os mentores da dupla, Gielgud que lançou Burton e Donald Wolfit que deu as primeiras oportunidades para O´Toole).

De qualquer forma, Anouilh gostou e aprovou esta versão. São quase três horas de solene e bom teatro filmado.

Richard Burton inicialmente recusou o filme achando que a imprensa iria zombar dele. Achava também era mais adequado para fazer o Rei Henrique II. Embora ele afirmasse que foi convidado para esse papel, os produtores negam ate porque o rei tinha que ser mais novo que Beckett e Peter era 7 anos mais jovem que Richard.

 Aliás, Peter não estreou esse texto no West End em Londres porque foi escolhido para Lawrence da Arábia. No extra com o compositor Laurence Rosenthal ele que conta que o produtor Hal B. Wallis insistiu numa trilha musical não apenas com cantos gregorianos, mas quis um final mais retumbante, para não ficar depressivo.

Originalmente o filme tinha um intervalo imposto pelo produtor. Até hoje este filme mantém o recorde de maior número de perdas no Oscar, 10! Está junto com Momento de decisão, A cor Púrpura, Gangs de Nova York e Bravura Indômita.