Crítica sobre o filme "Janela para o Amor, Uma":

Rubens Ewald Filho
Janela para o Amor, Uma Por Rubens Ewald Filho
| Data: 03/07/2012

Este é um dos meus filmes preferidos, desde que o vi pela primeira vez num Fest Rio, quando fiquei impressionado com a qualidade da produção, do elenco e do bom gosto. Não podia adivinhar naquele momento que a dupla James Ivory (1928) e o produtor Ismail Merchant (1936-2005) estavam dando vida a um novo gênero, o drama (em geral romântico) sobre os hábitos e costumes da classe alta britânica, nas primeiras décadas do século XX. A partir daqui, houve muitos descendentes (alguns influenciados pelas peças de Oscar Wilde) e eles mesmos enveredaram por outros parecidos. Na verdade, é interessante saber que os dois eram companheiros de vida e Ivory começou rodando filmes na Índia, que chegaram a ser descobertos pela crítica. Por volta de 1979, fizeram alguns filmes nos EUA (Os Europeus com Lee Remick e Os Bostonianos com Vanessa Redgrave, ambos baseados em Henry James).

E retornaram ocasionalmente lá (Cenas de um Casamento, com Paul Newman e Joanne Woodward, de 90, Um Caso meio Incomum/Slaves of New York, de 89, com Berndette Peters). Mas se deram sempre melhor quando adaptavam E.M. Forster (1879-1970). Gay assumido, ele foi descoberto para o cinema por David Lean, que realizou Passagem para a Índia (84). Depois de Uma Janela para o Amor seguiram-se o belo Maurice/Idem, de 87 , de Ivory, Onde os Anjos não Passam (Where Angels Fear to Tread), de 91, de Charles Sturridge, com Helena Bonham Carter, Helen Mirren e Rupert Graves. Retorno a Howard´s End, de Ivory, de 92, com Anthony Hopkins, Emma Thompson, Vanessa Redgrave, e refilmagem para a TV em 2007, de A Room with a View, Nicholas Renton com Elaine Cassidy, Laurence Fox, Rafe Spall.

Antes deste filme não havia mais o costume de fazer projetos na Inglaterra, onde se recriava com cuidado os ambientes das casas de interior dos ricos, seu comportamento, sua paixão pela Itália (não se esqueçam que a Itália- fora seu norte- é um país solar, cálido de boa comida e bebida contraste com a fria Inglaterra, onde chove muito, tem muita neblina e tudo é cinzento). Por isso o impacto do filme que levou três Oscars (direção de arte, roteiro adaptado e figurinos). Foi indicado ao Oscars de ator coadjuvante (Denholm Elliott), atriz coadjuvante (a sublime Maggie Smith), fotografia, direção e também melhor filme!

Uma palavra especial para o trabalho da roteirista Ruth Prawer Jhabvala (1927), alemã de nascimento, mas de origem indiana, foi a autora dos scripts para a dupla desde 1963, ou seja, quando estavam começando na Índia. Levou outro Oscar também por Howard´s End. E seu trabalho é impecável. Neste filme, por exemplo, procurou ser muito fiel, mas intercala capítulos entre as principais cenas. Toda a primeira parte (cerca 42 minutos na Itália, em Firenze, e o resto no interior britânico para ter uma coda, um finalzinho novamente na janela italiana com uma bela vista da cidade).

A ação se passa por volta de 1907, mas é basicamente um estudo de costumes da época, quando as jovens românticas viajavam à Itália em busca de um pouco da sensualidade latina. É o que faz a jovem Lucy (Helena), chaperonada pela tia Charlotte (outra ótima composição de Maggie Smith, desta vez contida e sem exageros). Chegando a Florença/Firenze na pensão que vai hospedá-las, elas se aborrecem por não receberem, conforme lhes foi prometido, um quarto com vista para a cidade. Um irreverente senhor inglês (Denholm Elliot) lhes oferece seu quarto. Mas é o filho dele George (Sands) que será mais impertinente, a ponto de, durante piquenique no campo, beijar os lábios da jovem Lucy. É curioso que, no livro, esse campo é descrito como coberto de violetas, mas como não era época dessas flores, rodaram com cevada, ainda assim o efeito é bonito. Mas jovens inglesas de boa família não foram treinadas para assumir seus sentimentos e Lucy passa o resto do tempo tentando dissimular para os outros, e principalmente para ela mesma, o que de fato está sentindo.

Aceita ficar noiva de um pedante e rico pó de arroz, indolente e esnobe que vive de renda (Daniel Lewis, em divertida composição) mesmo quando o rapaz George reaparece como seu vizinho. E se a primeira parte foi uma visão esplendorosa de Florença (Toscana) e seus encantos, os dois terços finais pintam um retrato idílico do campo inglês (rodado em Sussex e Kent). Propositalmente leve (a cena mais engraçada é um banho que os dois rapazes e um reverendo vão tomar sem roupa e são pilhados pelas mulheres, com nudez frontal e prolongada, rara na época), com elenco impecável, extremo bom gosto em todos os detalhes, fotografia, utilização das músicas (incluindo várias de óperas, como a deslumbrante ária O Meio Banbino Caro, de Gianni Schicchi, de Puccini, Chi il Bel Sogno di Doretta, de La Rondini, ambos de Puccini, interpretados por Kiri Te Kanawa, certamente uma das mais felizes utilizações de música clássica num filme), elegância dos figurinos e todo o desenho visual de produção.

Igualmente notável é a escolha do elenco, repleta de revelações, ao menos para fora da Inglaterra. Assim, ninguém conhecia ainda na época Daniel-Day Lewis (1952), hoje já vencedor de dois Oscars. Mas estava em começo de carreira, depois de pontas em Gandhi e The Bounty (Rebelião em Alto mar, de 84), ele fez quase ao mesmo tempo dois filmes que curiosamente estrearam no mesmo dia em Nova York e onde ele tinha interpretações completamente diferentes, Minha Adorável Lavanderia/ My Beautiful Laundrette (onde era um excêntrico gay skinhead que tinha caso com um paquistanês) e esnobe aristocrata daqui.

A crítica o descobriu e consagrou (mas curiosamente ele não quis participar da campanha para indicação ao Oscar, deixando espaço para Denholm Elliott (1922-1992). Ele teve uma vida complicada. Foi casado com a estrela Virginia McKenna, depois com Susan Robinson, até sua morte (a filha deles, Jennifer, era viciada em heroína e se matou em 2003). Bissexual, morreu de Aids. Estreou no cinema em 1949 e também foi famoso por Setembro de Woody Allen, Caçadores da Arca Perdida, Indiana Jones e Ultima Cruzada, Maurice, num total de 155 títulos.

Mas não fica somente neles. Em Uma Janela, estreia Helena Bonham Carter (1966) atual companheira do diretor Tim Burton. Filha de banqueiro, bisneta de primeiro ministro, sobrinha do diretor Anthony Asquith, Indicada a 2 Oscars (O Discurso do Rei, de 2011, e Asas do Amor, de 98). Além disso, quatro Baftas (ganhou por O discurso do Rei), dois Emmys, seis Globos de Ouro.

Julian Sands (1958), que faz George Emerson, se revelou em seu quinto filme, como fotografo em Os Gritos do Silencio, de 84, mas só ficou famoso depois deste trabalho. Teve uma fase de estrelato com Gothic (onde fez Shelley), Marcas de uma Paixão, filmes de terror como Warlock, Aracnofobia, George e Frederic, Encaixotando Helena. Já tem mais de 100 créditos, mas hoje se contenta em fazer coadjuvantes em Millenium: Os Homens que não amavam as Mulheres, Treze Homens e um novo Segredo. É casado com a herdeira do império da Cerveja Guinness, seu segundo casamento.

Rupert Graves (1963) faz Freddy, irmão da heroína. Logo a seguir faria outro papel importante, com Ivory, em Maurice. Estreou na TV aos 15 anos, mas Janela foi seu primeiro filme. Esteve em Um Punhado de Pó, Onde os Anjos Não Passam, Perdas e Danos, A Loucura do Rei George, Bent, Mrs Dalloway, V de Vingança, Revolução em Dageham, Morte no Funeral e como o policial Di Lastrate na atual serie de teve britânica Sherlock! Eu o vi na Broadway, estrelando o famoso Closer (2000). Foi cantor punk, é casado com quatro filhos.

Judi Dench (1934), embora fosse uma consagrada atriz do teatro e em series de televisão, tinha feito pouco cinema e foi este o filme que a consagrou e lhe deu uma carreira super bem sucedida (que incluiu a M da série James Bond, 6 indicações ao Oscar e uma vitória por Shakespeare Apaixonado), 23 indicações ao Bafta (e 12 vitórias) , 3 para o Emmy e 9 para o Globo de Ouro (2 vitórias). Ficou viúva do ator e parceiro Michael Williams em 2001.

Simon Callow (1949) faz o Reverendo Beebe, mas também é lembrado como escritor (escreveu famosa biografia de Orson Welles), e como o que morre em Quatro Casamentos e um Funeral. Tem quase 100 créditos, que incluem O Fantasma da Opera, Receitas do Amor, Angels in America, Roma, Shakespeare Apaixonado. Indicado 2 vezes ao BAFTA. É gay assumido.

Ou seja, o filme é realmente uma pequena joia, extremamente bela, delicada, requintada e que marcou também o início da melhor fase do diretor James Ivory. A cópia é de boa qualidade. A edição traz os extras já conhecidos: reportagem da BBC, Relembrando E. M. Forster, Um Tributo a James Ivory e Ismail Merchant.