Um filme que foi dos primeiros que os ingleses conseguiram produzir assim que estourou a Segunda Guerra, chegando aos cinemas britânicos em dezembro daquele ano (houve antes o bom E um de Nossos Aviões não Regressou, de Michael Powell, que estreou em junho de 42).
Foi indicado aos Oscars de melhor roteiro e filme (ambos de Noel Coward que também produziu, estrelou e compôs a trilha musical), levou um prêmio Honorário da Academia para ele (por seu esforço de produção). Ganhou também melhor filme do National Film Board e Críticos de Nova York.
Este foi o segundo filme de David Lean (1908-91) como realizador, mas o primeiro creditado, depois de uma longa e importante carreira como montador (ele havia assinado Major Bárbara junto com Harold French e o produtor Gabriel Pascal).
Na verdade, todo o projeto era em cima de Noel, famoso ator e dramaturgo, que era amigo do Lorde Louis Mountbatten, que foi o capitão do Destróier HMS Kelly do começo da Segunda Guerra até quando foi naufragado em ação em maio de 1941.
Coward escreveu o roteiro baseando-se nas experiências do amigo. Mas o projeto também tomou forma porque Coward era muito amigo do Primeiro Ministro Winston Churchill (com quem pintava quadros aos domingos) e queria muito também ajudar no esforço de guerra (a Inglaterra lutaria sozinha contra os nazistas até quando os japoneses atacaram Pearl Harbor e os americanos entraram no conflito).
E também as comédias leves e musicais que ele escrevia estavam ficando fora de moda. Noel Coward estava nervoso diante da possibilidade de dirigir e pediu ao seu amigo John Mills que recomendasse quem poderia ajudá-lo e este indicou Lean, que “era o melhor montador do país”.
Lean pediu para ter seu nome junto de Coward nos letreiros (mas Coward insistiu em colocar na mesma cartela, o nome do fotógrafo Ronald Neame, que no futuro seria também um bom diretor, como em O Destino de Poseidon. Aliás, o operador de câmera, Guy Green também mais parte passaria para a realização).
Mills teve o seu papel especialmente escrito para ele e colocou a filha de um ano, Juliet Mills, futura atriz, como o bebê que nasce durante o ataque aéreo.
Antes do meio da filmagem, Coward percebeu que Lean era competente, não se incomodava com o trabalho, as horas tardias e praticamente deixou tudo na mão do parceiro. Até porque o roteiro é incrivelmente técnico e já previa tudo que iria aparecer na tela (mas foi reduzido para não virar um filme de quatro horas).
O filme só conseguiu ser feito por causa da colaboração da Marinha (a quem o filme é dedicado) que forneceu os figurantes, que eram marinheiros de verdade. Mas mesmo assim houve tragédias no set como uma explosão fora de hora que matou o eletricista chefe.
O longa começa mostrando a construção do navio HMS (His Majesty Ship) Torrin e depois mostra, nos primeiros 15 minutos, suas primeiras missões de combate (os efeitos para a época são bastante bem feitos misturando miniaturas com cenas reais de combate).
Mas a maior parte da história é contada em flashbacks que vão entrando quando o navio afunda primeiro com a figura de Coward debaixo d´água e depois mostrando as lembranças dos tripulantes de um navio de guerra afundado, à deriva em um bote em alto-mar, numa sucessão de episódios breves e simples, sempre sensíveis e humanos, apresentando os acontecimentos da vida civil deles.
Namoros, casamentos, nascimentos de filhos, festas de Natal, os entes-queridos em casa temendo pelas vidas deles (mas também sendo mortos nos bombardeios alemães). As cenas do oceano foram feitas num tanque montado no estúdio com água aquecida, mas o óleo que se despejou nela a tornava nojenta e até provocava disenteria.
Os atores odiaram rodar mais de uma cena nesse lago artificial onde, como disse Coward, a desinteira vem a cada nova onda. Um detalhe ruim: na época o público ainda não estava acostumado com flashback e a cada um deles usou-se um recurso que aborrece: uma espécie de onda, feita com água correndo, anunciando que se trata de algo que sucedeu no passado.
Outra curiosidade: a cena de Coward debaixo d´água foi emprestada de outro filme, The Scoundrel – O Energúmeno (35), de Ben Hecht. E a explosão que atinge um dos marinheiros segurando no barco salva-vidas era com o uso de uma camisinha inflada!
Conta Neame que para imitar Cidadão Kane queriam fazer todos os planos de baixo para cima, em contra plongée como era chamado antigamente. Só que Coward fotografava melhor da forma oposta, mas que revelava seu cabelo ficando ralo.
O filme tem um elenco também que seria importante. Foi a estreia de Célia Johnson (que faz a mulher de Noel e tem uma bela cena de brinde feita em um único take. Ela depois estrelaria o genial Desencontro para Lean e Coward).
Também tem destaque Michael Wilding (que no começo dos anos 50 se casaria com Elizabeth Taylor), o estreante, muito jovem e não creditado por puro esquecimento Richard Attenborough (que faz um marinheiro covarde e lembra um pouco Mickey Rooney), Daniel Massey (filho de Raymond e afilhado de Coward, então criança). [
Quem faz o papel do marine na festa de Natal na casa de John Mills é o futuro diretor Michael Anderson (A Volta ao Mundo em 80 Dias) e conseguiu o papel na hora, quando outro ator, William Hartnell, chegou tarde e foi despedido.
A censura americana criou problemas eliminando a palavra "bastard", mas teve que engolir God, Hell e Damn. É interessante também que o filme mostra uma manchete de um jornal dizendo que não haveria guerra naquele ano. Foi a vingança contra o dono desse jornal Daily Express que era contra o filme. Eles esperavam que acabassem com o resultado do filme nas críticas, mas inesperadamente eles gostaram e elogiaram muito.
Claro que para o espectador de hoje que não se lembra de Noel Coward, sua figura epicena é esquisita (homossexual assumido, ele falava rápido e difícil de entender, não convence totalmente como pai de família. Parece sempre duro, posando, mas isso fica como característica dos ingleses em geral).
Também a fórmula do filme foi utilizada e copiada muitas vezes e, portanto, perdeu seu impacto. Mas é muito bem realizado, tudo é devidamente patriótico como pretendiam sem cair no ridículo ou exagero.