Gosto muito dos filmes de Guediguian, um cineasta de Marselha, que foi descoberto pelo Festival de Cannes e teve desde então uma bem-sucedida carreira que tem sido acompanhada pelos brasileiros, até por que ele ficou amigo do Jean Thomas, dono da Imovision, que também é de Marselha!
Eu me lembro de ter sido em Cannes o primeiro jornalista de tevê a entrevistar ele, sua mulher e musa Ariane, e seu ator Gerard. Embora tenha sido Daroussin que faz aqui o papel principal quem ficou mais famoso e tem feito muitos papeis em filmes de outros cineastas, aliás ele está especialmente bem neste nesse trabalho porque tem uma cara comum, sensibilidade e técnica. Prefiro, porém, os filmes de Robert quando ele situa a ação justamente em sua cidade natal, dando para nós uma visão rara do que é a vida num porto francês, onde os operários que lutaram a vida inteira em movimentos sindicais conseguiram um padrão de vida razoável, até confortável só para ver tudo ameaçado com as crises econômicas do momento.
É muito interessante acompanhar a vida cotidiana de um casal de meia idade, com um casal de filhos já casados, com crianças pequenas (ela para ajudar cuida de velhos ou entrega jornais). Mas o marido velho sindicalista perde o emprego (se submetendo a uma sorte da qual ele podia ficar de fora) e praticamente vira um aposentado. Não pensem que o filme tenha algo a ver com Hemingway ou aquele outro filme famoso com Gregory Peck e Ava Gardner, sobre as famosas neves africanas.
Aqui o casal ganha dos amigos, que fizeram uma coleta, um presente de 40 anos de casamento, que são bilhetes de avião para irem até a África para verem a famosa montanha. Mas o mundo piorou muito e na festa deles está presente um jovem colega que irá participar de um assalto violento na casa deles (os amarram, batem neles, e levam todo o dinheiro). A cunhada fica em crise nervosa e o casal não consegue entender o porquê da violência.
O ladrão cometeu o erro de levar uma revista em quadrinhos assinada que irá ajudar a encontrá-lo. Mas não foi um ato sem razão, o rapaz tem que sustentar seus dois meios-irmãos, porque a mãe deles simplesmente os largou (isso para não falar dos pais que desapareceram faz tempo). A sequência em que a mãe tenta se explicar é muito forte e das melhores do filme. Ao contrário do similar americano, sempre superficial, este filme aprofunda os sentimentos, as razões, dores e perdas. Sem exageros, mas de forma realista e mesmo poética, mas com sabor de vida, de verdade.
Aliás, todos os atores tem isso, cara de gente, habitando um universo que existe, com os altos e baixos de qualquer um de nós. É o grande mérito de um cineasta muito interessante que desta vez consegue um de seus melhores trabalhos.