Este foi o primeiro dos três filmes que John Ford fez sobre a cavalaria (os outros sendo Legião Invencível/She Wore a Yellow Ribbon, de 1949, e Rio Bravo/Rio Grande, de 1950).
É curioso saber que a trilogia não foi concebida dessa forma, sucedeu não propositalmente. Na época em que fez este filme John Ford (1894-1973) estava tendo problemas em sustentar sua produtora independente Argosy, depois que o filme anterior The Fugitive/Domínio dos Bárbaros (com os mesmos Henry Fonda e Pedro Armendariz que estão aqui) foi um fracasso de bilheteria.
Por isso tiveram que adiar o projeto de rodar The Quiet Man (que só seria feito em 1952 como Depois do Vendaval) e fazer algo mais comercial, no caso um faroeste, ainda que Classe A, rodado em locações na sua região favorita, que ficava em Utah, habitada por índios Navajos e hoje conhecida como a Terra de John Ford (e em particular o John Ford Point).
Os interiores foram feitos nos Estudios Selsznick, em Culver City. É importante notar que antes de No Tempo das Diligências que já comentamos aqui os westerns eram rodados nos back-lots, nos quintais dos estúdios. A partir de Ford passaram a ser feitos em locação reais, em grandes espaços o que viria a fascinar principalmente os espectadores estrangeiros. Ford descobriu a região para Diligências e depois retornou à com Paixão dos Fortes/My Darling Clementine. Esta foi sua terceira visita e todo o elenco teve que ficar em habitações primitivas e desconfortáveis alugadas por Harry Goulding (que havia sido o autor do convite para vir conhecer a região).
Ford se tornou grande amigo e protetor dos índios, coisa que não era comum ou popular na época. Sua ajuda ficou consubstanciada principalmente durante um inverno particularmente rigoroso em que Ford conseguiu que seus amigos do exército levassem comida e abrigo para os navajos (que teriam morrido não fosse esse socorro). É importante notar que o mesmo Ford que matou tantos índios na tela foi também o primeiro a dar a palavra aos nativos, tentando mesmo protegê-los e defender seus direitos.
Há uma razão em particular por que a fotografia deste filme é tão notável e principalmente quando mostra formações de nuvens. São das mais belas paisagens e cenas de natureza são registradas e sabem por quê? Porque Ford usou pela primeira vez o recém-inventado filme infravermelho descoberto durante a Segunda Guerra para cenas noturnas. Tinha o problema de deixar o rosto dos atores marcados e estes foram forçados a usar maquiagem pesada, meio marrom. Mas era notável para reforçar contrates do deserto. Esse visual teria sido inspirado também pelas pinturas do Oeste de Frederic Remington e o roteiro não é tão vagamente assim baseado na resistência suicida do General Custer em Little Big Horn.
É preciso explicar um pouco os fatos que chegaram até nós deformados. Quando Custer foi massacrado ele imediatamente passou a ser tratado como herói e vítima. Durante anos se esqueceram de que o loiro Custer era um sujeito ambicioso, arrogante, que deseja ser presidente americano e que fazia qualquer coisa pela glória. Seu ato mais digno ficou registrado no filme, que foi preferir morrer em ação e assim passar para a história.
Assim este personagem do Coronel Owen Thursday é realmente inspirado em fatos reais e Custer (na história original ele não tinha uma filha, mas foi colocada uma para humanizá-lo um pouco, não deixá-lo antipático demais com sua frieza e ambição). Este foi um dos personagens mais marcantes de Henry Fonda (1905-82), que segundo seus filhos Peter e Jane Fonda, se parecia muito com o Coronel, era uma pessoa intratável e fechada (principalmente com a família, assim que terminou o filme ele foi fazer Mister Roberts nos palcos e ficou sete anos longe do cinema. Quando foi rodar Roberts com Ford, os dois brigaram para o resto da vida e Ford largou o filme).
Repito que este foi dos primeiros filmes a mostrar os índios como nobres e dignos e a enfatizar a injustiça das ações do exército contra eles e, se não chega a ser antimilitar, mostra com clareza o ceticismo com que o diretor via a questão: o coronel inflexível e autoritário feito por Henry Fonda é retratado de forma claramente negativa, em contraste com o capitão mais tolerante e que respeita os índios, feito por John Wayne (pela primeira vez tendo seu nome em primeiro lugar nos letreiros num filme de Ford e olha que ele só entra em cena depois de 11 minutos).
Mas como em todo filme dele, a temática séria vem acompanhada de humor, romance, cenas de baile, etc., nunca resvalando para a pregação vazia e resultando num grande filme de aventura do genial diretor. Na verdade, para o espectador atual ele pode parecer um pouco lento na sua primeira parte porque deixa toda a ação para o final, não tendo pressa em construir os personagens e as relações.
Parece que o espectador de então era menos apressado do que hoje em dia. Outra coisa: Ford sempre dizia que não havia nada tão belo quando mostrar cavalos correndo e casais dançando e por isso o filme tem bastante de ambos.
Ford já tinha dirigido Shirley Temple quando ela era criança e estrela infantil e não se incomodou em chamá-la agora que já estava adulta e casada. Chegou mesmo a colocar “Apresentando” para o marido ela, o ex-militar John Agar (1912-2002) que forma o par romântico do filme. Mesmo que em dois anos o casamento já tinha se acabado com brigas e acusações de violência (ele batia nela), infidelidade e alcoolismo.
Agar faria depois uma medíocre carreira como ator. Shirley virou uma figura pedante e ameirada e aos 21 anos iria se aposentar e eventualmente virar embaixadora americana durante o governo Nixon. (Falamos dela aqui recentemente).
Curiosidade: Ford também achava que ela era fraca como atriz e não perdia a chance de zombar de sua falta de talento e educação. É muito conhecida a frase de Ford em O Homem que Matou o Facínora quando ele ilustra a sua tese e do Velho Oeste onde quando a Lenda é maior do que a Verdade, imprima-se a Lenda.
Na verdade, isso já acontece aqui quando se mostra um famoso quadro que dá uma visão completamente mentirosa do que teria sido o ataque a Custer (com Thursday como Custer e Apaches em vez de Sioux). E no entanto, Wayne mesmo que com amargura confirma e espalha a mentira.
Alguns detalhes curiosos: O Forte Apache existe até hoje e pode ser visitado em City Park, no Simi Valley (foi usado na série de TV, As Aventuras de Rin Tin Tin). As cenas de abertura do filme são uma espécie de trailer do que vem a seguir, coisa rara na época assim como os letreiros sobrepostos.
A atriz mexicana Movita que faz a criada de Shirley, é a mesma de O Grande Motim, versão de Clark Gable e que depois seria esposa de Marlon Brando (mesmo sendo bem mais velha). As sequências de ação e ataque são parecidas e um pouco inferiores as de No Tempo das Diligências, mas ainda espetaculares. Ford sabia cortar na câmera (ele nunca deixava nada para o montador inventar).
Na parte final ele vai se entusiasmando e não hesita em dizer que tudo é mentira. Que os verdadeiros heróis estão ali, mas já mortos (há uma bela cena dos soldados desfilando como se fossem reflexos no vidro).
Por outro lado, já houve críticos que acharam que o filme tem um discurso a favor da América na Guerra Fria como uma fortaleza diante da ameaça comunista. Mas não é isso que se sente numa revisão.
O filme é até melancólico, passando clima de perda e incerteza. Li no New York Times que o historiador Richard Slotkin acha que Thursday teria sido inspirado no Gen. Douglas MacArthur, com quem Ford serviu no Pacífico.
O verdadeiro coração do filme não está com ele, mas nos aposentos modestos do Sargento Major Michael O’Rourke (Ward Bond) e sua mulher Mary (Irene Rich). Mas Thursday nem considera possível o romance do filho dos O’Rourkes Michael (John Agar), que voltou de West Point porque há diferença de classe e posto que não podem ser superadas.
Um esnobe e racista, que considera os apaches selvagens, Thursday representa uma tradição destinada a morrer. Ironicamente vira uma figura mítica, um mártir. Mas a imagem que fica é da interminável parada de soldados da cavalaria como se não tivesse fim. Que não me parece heróico mas trágico.