Crítica sobre o filme "Nasce uma Estrela":

Rubens Ewald Filho
Nasce uma Estrela Por Rubens Ewald Filho
| Data: 04/04/2012

Esta é até agora a melhor de todas as versões da história, a mais bem contada, mais emocionante e mais fiel a Hollywood (tem cenas no Chinese Theatre e uma festa da Academia, onde se usa mesmo a estatueta, inclusive a que na vida real Janet Gaynor tinha ganhado).

Foi a primeira das três versões da história clássica (a segunda em 1954 com Judy Garland e James Mason, a outra em 1976 com Barbra Streisand e Kris Kristofferson, que apesar de ter sido sucesso, hoje é difícil de encontrar) e ainda se fala numa provável refilmagem com elenco negro prevista para este ano, dirigida por Clint Eastwood.

Mas a história inspirada em fatos reais, foi também inspirada no filme Hollywood (What Price Hollywood?, 32, de George Cukor com Constance Bennett e Lowell Sherman).

O personagem de Norman Maine foi baseado em vários atores, todos alcoólatras, como John Barrymore, John Gilbert e John Bowers que se afogou em Malibu, aos 50 anos, durante a produção do filme (ele trabalhava desde 1916 e a chegada do som arruinou sua carreira, ele pegou um barco e remou até o oceano onde se matou).

Outra versão nunca confirmada dizia que foi inspirada no casamento de Barbara Stanwyck com seu primeiro marido Frank Fay. A cena do funeral foi inspirada no que aconteceu no do produtor Irving Thalberg onde os fãs atacaram sua viúva, a estrela Norma Shearer, fora da igreja.

Cenas semelhantes sucederam depois no funeral de Jean Harlow dois meses após a estreia do filme (é muito forte a cena em que uma fã mal-encarada vem por trás e arranca o véu de Janet/Vicky Lester que dá um grito!). Contam que o produtor Selznick (o mesmo que mais tarde faria E o Vento Levou) rejeitou a história porque os filmes sobre Hollywood tinham ido mal de bilheteria, mas foi convencido por sua mulher Irene Mayer (filha do chefe da MGM).

O roteirista e diretor William A. Wellman tinha proposto como alternativa uma continuação de O Inimigo Público, seu não tão antigo sucesso como Outro Inimigo Público. Em 1938, anunciaram planos para uma continuação que ia se chamar Heartbreak Town, mas não foi adiante.

O filme tem uma ligação especial com o Oscar. Foi o primeiro totalmente colorido indicado ao prêmio de melhor filme do ano e acabou ganhando um Oscar Especial pela fotografia a cores (raridade na época) e também argumento original (hoje não existe mais esta categoria).

Foi ainda indicado como Atriz (Janet), Ator (March, que eventualmente ganharia 2 Oscars), Diretor Assistente (categoria que não existe mais), Direção, Roteiro e como já disse Filme.

Janet Gaynor (1906-84) havia sido a primeira vencedora do Oscar na sua primeira festa (na verdade, por conjunto de obras, três filmes, entre eles a obra prima Aurora de Murnau). Quando ela recebeu o prêmio, teve um incidente parecido com o do filme quando Norman Maine apareceu bêbado e faz um escândalo, até agredindo ela com um tapa.

Na festa original, foi a irmã dela que bebeu demais e deu vexame! Nasce uma Estrela foi um dos dez filmes indicados naquele ano e perdeu para A Vida de Emile Zola (que deu o primeiro Oscar para o estúdio da Warner) que muita gente acha que foi um dos piores vencedores (exagero, pode ser inferior a este, mas é uma biografia sólida e bem feita do escritor francês. Só ficou fora de moda).

Janet teve uma fase de muito êxito na Fox fazendo filmes românticos com Charles Farrell (como Sétimo Céu, 27) e Selznick a resgatou.

Mas já no ano seguinte ela iria se aposentar (faria apenas um filme madura, O Sonho que Eu Vivi, 57, que lançou Pat Boone) e viria morar no Brasil, em Anápolis, Goiás, ao lado de sua melhor amiga Mary Martin e do marido Adrian , famoso figurinista da Metro (ficariam juntos até a morte dele em 59 e ela se casaria de novo com o produtor Paul Gregory).

Janet não era uma grande atriz. Tem uma voz desagradável e o habito de fazer caretas (parece que algo repuxa no seu rosto quando fala), tem traços de velha (embora não o fosse) e um rosto antiquado. Difícil acreditar que se tornasse estrela, porque era baixinha, não tinha qualquer atrativo especial. Mas foi isso que sucedeu. Tinha, porém, uma grande qualidade: era doce, encantadora, adorável e o público simpatizava com ela. E isso sucede ainda hoje.

Fredric March (1897-75) talvez esteja esquecido hoje em dia e tem um estilo de representar carregado, que ficou fora de moda. Mas ainda é um grande ator, capaz de convencer como o Médico e o Monstro (primeiro Oscar em 32 e ter um enorme êxito com o segundo, Os Melhores Anos de Nossas Vidas, em 46. Também foi indicado por A Família Real, em 31, e A Morte de um Caixeiro Viajante, em 52).

Está especialmente bem aqui, inclusive nas cenas de bêbado, onde nunca perde o controle. Embora todas as versões contém histórias semelhantes, este é o mais humano e mais resolvido (talvez por ser o único não musical, no máximo tem retumbante trilha musical de Max Steiner, com um bonito tema romântico).

A diferença maior e o grande achado é a presença da avó da heroína (feita por uma estrela da época, a venerável May Robson, 1858-1942, que fez filmes famosos como Levada da Breca, Dama por um Dia, Jantar as Oito, Chicago (o original).

É ela que tem a mensagem do filme (que, por sinal, é confirmada depois pelo produtor/chefe do estúdio que diz “nada é de graça e o preço vem em sofrimento”, feito com muita dignidade por um astro também famoso, até por sua elegância, Adolphe Menjou (1890-63)).

A ideia é a seguinte: é melhor ser infeliz por conta própria, fazendo o que gosta. Na vida sempre se paga um preço e em geral muito alto. Também para o sucesso. É uma das minhas sequências preferidas porque concordo com o que diz e vou tentar reproduzi-la:

“Esther, todo mundo neste mundo que já sonhou com alguma coisa melhor já foi ridicularizada, sabia? Há uma diferença entre sonhar e fazer. Não adiante ficar sentada e lamentar que as coisas não sejam diferentes. Os anos passam e eles envelhecem e esquecem de seus sonhos. Você quer se alguém na vida, mas quer tudo fácil. Vocês, garotas modernas, não sabem o que é a vida. É preciso lutar para tornar seus sonhos realidade, não ficar se queixando. Mas fique sabendo que na vida por tudo se paga um preço e quase sempre com uma dor no coração (heatbreak). Sempre terá um novo desafio a conquistar”.

A avó aparece no começo, a previne, e depois retorna ao final quando Esther/Vicky está pensando em largar tudo e voltar para a família. Relembra o que disse e acrescenta: a “tragédia é um teste da coragem. Você pode enfrentá-la e vai deixá-la engrandecida, senão terá que viver como uma covarde porque nunca vai conseguir fugir de si mesma” (garanto que a cena funciona melhor interpretada do que lida).

Um detalhe importante: o filme começa mostrando um roteiro (final, pronto para filmar) de cinema e começa descrevendo a primeira cena e irá concluir com a última (cena 253). Ou seja, assume que é um filme e não a realidade.

Tem ainda outras falas famosas, a despedida de Maine (“One more look/ apenas mais uma olhada”, ele pede antes de ir para o mar) e naturalmente a cena final quando Vicky diz no microfone do rádio para o mundo: “Aqui a Sra. Norman Maine” (foi votada como uma das frases mais famosas do cinema).

No script, estava ela chorando dizendo "Oh, Norman, Norman", e ouve outra alternativa filmada em que ela dizia: "Alô, todo mundo, aqui é Vicky Lester” (obviamente mais fraca).

Esta uma produção classe A, de Selznick, impecável no retrato de uma época lendária de Hollywood. Jack Conway também dirigiu cenas do filme e a famosa escritora Dorothy Parker é uma das roteiristas junto com o marido Alan Campbell.

Não é verdade que Lana Turner tenha feito uma ponta no filme. Mas se destacam ainda no elenco o comediante country Andy Devine (favorito de John Ford, que aqui faz o assistente de direção, que é o primeiro amigo de Janet) e Lionel Stander (que faz o publicista violento e agressivo).