Este é um caso raro de um filme italiano ganhar o Oscar de melhor roteiro original (e não era um ano fraco concorreu com o francês ano passado em Mariembad, Freud Além da Alma, Através de um Espelho, de Bergman, e Carícias de Luxo, comédia de Doris Day). Mas, além disso, foi indicado ao Oscar de melhor ator (Marcello Mastroianni que perdeu para Gregory Peck) e direção (Pietro Germi, que perdeu para David Lean, por Lawrence da Arábia). Ou seja, era uma época onde realmente se faziam grandes filmes e não se tinha preconceito contra o cinema europeu.
Tem mais: o filme ganhou um prêmio especial de comédia no Festival de Cannes, Globo de Ouro, Bafta de melhor ator.Infelizmente as pessoas se esqueceram do grande cineasta (e também ator), que foi Pietro Germi. Vamos recordar um pouco.
Germi, Pietro (1914-1974). Diretor e ator italiano, nascido em 14 de setembro, em Gênova. Um dos nomes mais importantes do neorealismo, derivando depois para a comédia de costumes, onde conseguiu resultados extraordinários. Morreu no momento em que prometia um retorno à melhor forma, depois de Alfredo, Alfredo. Germi frequentou o Instituto Náutico em sua cidade natal, mas se mudou para Roma a fim de estudar no Centro Sperimentale, diplomando-se em interpretação e direção. Foi assistente de Blasetti (que supervisionou seu primeiro filme como diretor). Sempre abordou temas sociais, sabendo depois evoluir para o humor. Divórcio à Italiana ganhou o Oscar de Roteiro. Além de suas próprias fitas, apareceu como ator ocasionalmente (de títulos, entre eles E Venne um Uomo, de Ermano Olmi, 65; O Sicario (Idem), de Damiano Damiani, 61, La Viaccia, de Bolognini, 61, Cinco Mulheres Marcadas/Jovanka, de Martin Ritt, O Batom/Il Rossetto, de Damiani, 60, e mais dois em começo de carreira, Fuga in Francia, 49), Montecassino, 46). Quando morreu, preparava Meus Caros Amigos (Amici Miei), rodado por Mario Monicelli, que acabou tendo grande êxito e foi dedicado a ele.
Germi morreu apenas com 60 anos sem que se tenha feito até hoje justiça a sua bela carreira como ator, como um dos nomes mais importantes primeiro do neorealismo, depois da chamada "comédia a la italiana", sempre de fundo social mexendo em feridas da sociedade, fazendo rir de coisas sérias. Quem via sua figura taciturna tinha dificuldade de imaginar que fosse o mesmo que inventou situações, na época tão originais (como muito dos filmes hoje clássicos este filme foi muito imitado, por comédiazinhas mais pobres e baratas).
Na verdade, Germi faria uma trilogia mostrando como se faz amor e se trai na Sicilia (o igualmente brilhante Seduzida e Abandonada, novamente com Stefania Sandrelli, que daria prêmio de melhor ator para Saro Urzi em Cannes) e Confusões à Italiana (Signore e Signori) que era um pouco inferior, mas que ganhou a Palma de Ouro em Cannes empatada com Um Homem e Uma Mulher)e seria indicada ao Globo de Ouro. Tomara que a Versátil distribua também esses e outros grandes filmes do diretor.
Talvez a figura mais impressionante do filme seja a de Mastroianni, que está no auge de sua fama e que, embora com relutância, teve que aprender a falar inglês para continuar sua carreira internacional (coisa que no fundo não queria, não tinha grandes ambições). Estava no auge da popularidade por causa do êxito mundial de La Dolce Vita, de Fellini, que provocou enorme escândalo na moralista Itália (e ironicamente o filme mostra a repercussão do filme na Sicilia, ou seja, num filme com Mastroianni apresentando outro dele, embora focado aqui nas cenas com La Ekberg). Não custa lembrar que Mastroianni teria ainda mais duas indicações para o Oscar de ator, Um dia Muito Especial, de 77, e Olhos Negros, de 87. Ou seja, não deram a ele, mas deram para Jean Dujardin! Total falta de lógica! Mesmo porque Mastroianni ainda é considerado, inclusive por mim, o melhor ator de cinema de todos os tempos.
Mastroianni estava acostumado a fazer dramas, mas aqui funciona no outro registro, o de comédia, satirizando muito de leve, na medida certa, a figura do nobre siciliano decadente, de bigodinho que narra a história (e por isso fala pouco, reparem como Marcello expressava tudo em seu olhar, era tudo um processo interno, o que pensava, sentia, estava literalmente em sua cara. Por isso resultava tão sincero, tão humano). Aqui ele interpreta o Barão Don Ferdinando Cefalù, que vive num velho palácio, já sem quase fortuna porque tudo está sendo perdido pelo pai alcoólatra (Odoardo Spadaro), que também sendo roubado pelo ex-capataz. De bigodinho e cabelo engomado, o Barão está cansado de sua mulher Rosalia, em parte porque não é fácil ter uma mulher de bigode Rosalia (Daniela Rocca), que exige atenção e sexo constantes. O problema é que ele está apaixonado pela prima virgem e muito jovem, Angela (Stefania Sandrelli). Como na época não existia divórcio na Itália (e no fundo esse é o tema do filme! Criticando um país onde é mais fácil matar e sair livre do que aprovarem o divórcio já que a Igreja Católica fazia intenso bloqueio da possível lei).
Então pensando um pouco o Barão vai acumulando provas e circunstâncias a seu favor, quando descobre que a mulher tem um ex-namorado (casado), um restaurador de obras de arte Carmelo Patanè (Leopoldo Trieste). Começa gravando as conversas deles e planeja encontrá-los na cama e matá-los em flagrante. Só que eles fogem juntos. Mas isso não chega a ser um problema. A justiça à moda siciliana ou italiana será feita. É que existia um Artigo 587 do Código Penal italiano (espero que tenha sido abolido) que permitia que qualquer homem matasse sua mulher para proteger sua honra (e ele assim tinha uma sentença leve).
Tenho que admitir que o filme era muito mais engraçado em sua estreia simplesmente porque tudo que mostrava era novo e amoral, sendo depois exaurido (um detalhe curioso é a presença de Lando Buzzanca, que no Brasil seria astro de enorme público enquanto na Itália ficaria em segundo plano e é praticamente o único ator dessa geração de humoristas ainda vivo. Aqui ele faz o namorado de muitos anos da irmã do Barão).
Outro fato importante são as mulheres. O filme consagrou Stefania Sandrelli, que teria uma das carreiras mais longas do cinema italiano, hoje com 124 títulos e ainda trabalhando, e por sinal bonita e ousada (lembram que ela fez o erótico A Chava de Tinto brass?). Já tinha feito antes dois filmes (um dos deles O Fascista, de Luciano Salce), embora ainda adolescente (nasceu em 1946, e sua filha Amanda também é atriz e o companheiro diretor Giovanni Soldati. Em 2009 dirigiu seu primeiro longa Christine Christina. Eu a conheço pessoalmente e é exatamente igual aos filmes, espontânea, impulsiva e sempre bela.
O outro caso é mais curioso ainda. Daniela Rocca (1937-95), que faz a esposa era siciliana e uma bela mulher (embora aqui faça composição como feia e chata). Começou sendo Miss Catânia, concorreu a Miss Itália e entrou para o cinema já em 1955 e teve certo relevo em fitas de romanos ou históricas participando inclusive do americano Esther e o Rei, com Joan Collins, As Legiões de Cleópatra (feita pela argentina Linda Cristal), A Batalha da Maratona, com Steve Reeves, La Noia/Vidas Vazias, de Damiano Damiani, com Bette Davis, o americano Behold a Pale Horse, de Fred Zinnemann, A Voz do Sangue. Seu último trabalho foi em 70, Un Giorno, una Vita e num telefilme de Bellochio, La Machina di Cinema (79).
Parece que na época ela era a namorada de Germi e tinha perigosas tendências suicidas (cortou os pulsos). O fato é que quando tinha apenas 35 anos foi julgada louca num tribunal e confinada a um sanatório (mas lá escreveria e publicaria cinco livros). Não tenho muitos detalhes da história, mas a Wikipedia confirma esses dados, dizendo que durante as filmagens se apaixonou por Germi e tentou se matar quando este a rejeitou. Dali em diante seria considerada mentalmente instável e não teria mais ofertas. Dão até o nome dos livros Agente Segreto, com Licenza di Vivere, Avvocato Offresi, Il Condannato a Morte, Piscoanalisi, Sogni, Fantasie nascosti nella Mente e uma coleção de poemas, Ara.
Voltando ao Divórcio, o filme uma lição de comédia. Não percam.