Crítica sobre o filme "John Carter - Entre Dois Mundos":

Rubens Ewald Filho
John Carter - Entre Dois Mundos Por Rubens Ewald Filho
| Data: 09/03/2012

Não sei quem foi o louco do executivo que aprovou este projeto sem atores famosos, com um nome desconhecido (ou quase) e pouco sugestivo, com um marketing duvidoso e um orçamento exorbitante de 250 milhões de dólares (fora as despesas de lançamento e propaganda). Com tudo isso é fácil prever que a produtora Disney vai perder dinheiro e é capaz de enfrentar um dos maiores fracassos de sua história.

O pior de tudo é que o filme não chega a ser ruim. O problema é que praticamente ninguém ouviu falar dele, o 3D não atrai ninguém por si só (e muito menos alguém vai a uma sala de cinema para ver dinheiro ser queimado num orçamento inflado!). Talvez os mais velhos se lembrem do herói John Carter de Marte, que foi criado pelo conhecido Edgar Rice Burroughs (eu me recordo ainda da decepção que tive quando criança ao ler os livros originais de Tarzan e descobrir que suas histórias e tramas nada tinham a ver com a dos filmes de Lex Barker ou Johnny Weissmuller).

Quem dirigiu foi Andrew Stanton que vocês conhecem como o realizador de animações de sucesso como Procurando Nemo, Wall-E e Vida de Inseto. Em 2004, quando o projeto se chamava Princesa de Marte, quem iria dirigir era Robert Rodriguez, cuja maior contribuição foi contratar Frank Frazetta que era o ilustrador original dos livros de Burroughs. Mas quando Rodriguez pediu demissão do Sindicato dos Diretores por causa de Sin City, a Paramount foi obrigada a despedi-lo (tinham velho acordo com o Sindicato) e substituí-lo outro, no caso Kerry Conran, que havia feito o fraco Capitão Sky e o Mundo de Amanhã. Ele não durou muito sendo substituído por Jon Favreau que ficou no projeto até agosto de 2006, quando a Paramount não renovou os direitos do filme preferindo focar em Star Trek. Favreau foi fazer Iron Man e a Disney recuperou os direitos (em 1980, o diretor John McTiernan havia pensado em filma-lo).

A Princesa de Marte havia sido publicado originalmente como Under the Moons of Mars, por Norman Bean, que era pseudônimo de Edgar Rice Burroughs, numa revista pulp (seis números de 1912! Ou seja, há cem anos atrás...). Ele escondeu seu nome com medo de cair no ridículo por contar uma fantasia dessas quando o gênero ficção cientifica não havia sido inventado direito. O engraçado é que o pseudônimo deveria ter sido Normal Bean (isto é, eu sou uma pessoa normal), mas houve erro de impressão! Mas o livro fez sucesso assim como suas 10 continuações (este filme foi realizado como parte de uma trilogia que já está meio escrita, depende agora de fazer ou não sucesso) chamada série Barsoom (que o nome dado ao planeta Marte por seus habitantes). Os livros tiveram enorme influência em outros autores (e visivelmente em Star Wars, já que fica clara que ele almeja ficar parecido com a obra de George Lucas).

Jon Hamm e Josh Duhamel foram considerados para o papel central, mas acabaram escolhendo Taylor Kitsch que tinha parecido promissor em Wolverine e Bang Bang Club, mas que estranhamente não corresponde na tela. Não chega a ser ruim, simplesmente o diretor Stanton não soube criar uma estrela, não lhe deu as cenas certas, as frases, o cuidado de iluminação ou maquiagem que o tornasse mais interessante. Por vezes parece um Tom Hanks mais jovem, mas nunca se percebe a explosão de um grande talento destinado ao estrelato. Pelo menos também não chega a ser uma calamidade, fica num meio termo.

O irônico é que o projeto de filmar John Carter ficou em desenvolvimento num tempo recorde de 79 anos. Já em 1931, Robert Clampett diretor dos desenhos da Looney Tunes queria fazer um filme de animação com este Princesa de Marte. Seria o primeiro longa-metragem do gênero bem antes de Branca de Neve.

Este filme começou a ser feito como “John Carter de Marte”, mas o diretor quis mudar e deixar mais genérico. Besteira. O primeiro erro, porque no fundo o filme realmente saiu genérico, sem personalidade ou cara. Lembra praticamente todos os filmes do gênero, nem sempre positivamente (ou momento em que eu pensava nos antigos seriados de Flash Gordon).

O roteiro atual faz uso da figura do escritor Edgar Rice que seria uma espécie de primo desse John Carter, um homem muito rico, da Virginia, que foi capitão do Exército Confederado e que viajou o mundo aparentemente em busca de uma mina de ouro. Edgar (vivido pelo fraco Daryl Sabara) se torna herdeiro e começa a ler um livro de memórias de Carter, descobrindo que tem uma missão importante a cumprir. Começam assim os flashbacks que nos levam ao velho faroeste, quando ele sofreu uma tragédia pessoal (altamente previsível), mas mesmo assim foi sequestrado pela Cavalaria que luta contra os apaches (aparição de Bryan Cranston que agora está em tudo que é filme) e acidentalmente se refugia numa caverna onde irá encontrar um medalhão mágico que o levará para outro lugar, que eventualmente descobriremos será Marte.

Um planeta ao contrário do que pensamos é intensamente povoado por povos conflitantes, em constante guerra. Na verdade, não é muito fácil de seguir a história e têm várias coisas que não são bem explicadas, por exemplo, como o povo verde conseguiu aquelas naves, justamente eles que recusavam voar? E assim por diante. Também por que apenas alguns são humanos, ou parecem ser como é o caso da Princesa e sua corte! De qualquer forma o resultado é caótico e o conselho é não se fixar muito em detalhes e apreciar as muitas cenas de ação. Nesse caso, ele é um filme para menino, tenho certeza que se tivesse visto quando criança teria me divertido muito.

Mas voltando à história, Carter vai parar nesse povo verde e comprido de quatro braços chamado de Tarks e lá vai encontrar seus protetores (me incomodou um pouco que eles visivelmente pareçam africanos, não sei se é politicamente correto ou besteira minha). Ali vai conseguir seu Cão/Monstro de estimação (a moda deles), uma amiga rebelde e irá salvar o interesse romântico que será a Princesa Cientista chamada Dejah Toris. A atriz é bem interessante, me lembrou um pouco Jennifer Aniston, mas com formação clássica, tendo feito muito Shakespeare. Apesar da coitada ser obrigada a desfilar de tanga, tem certa força dramática ausente no resto do elenco. Que inclui o pior ator inglês do momento Ciaran Hinds (como o pai dela).

Outra coisa que não entendi por que escalaram dois atores que são um a cara do outro, Dominic West (que faz o vilão) e James Purefoy (que faz o protetor da princesa), isso só conseguiu confundir ainda mais o filme que não tem qualquer pretensão filosófica (mas eu gostei de uma mensagem sobre a decadência de Marte, provocada primeiro pela superpopulação e outras coisas semelhantes à Terra. Aliás, os desertos do Oeste e de Marte são muito parecidos (até também porque as cenas foram feitas em Utah e Nova México).

Ah, a coisa mais confusa de todas e que saímos sem entender são os Thurds, espécie de mensageiros, que não consigo explicar para que vieram, apoiam o ditador, mas não deixam matar Carter, sei lá que pito tocam! Além de ficar mostrando o tempo todo o bíceps e o peitoral do herói (que, no entanto, parece cabeludo e amarelado demais) a história usa muito a habilidade do personagem dar saltos gigantes e ter sua força aumentada (aparentemente pela gravidade, eles simplesmente preferem não aprofundar o assunto). No fundo tudo é mero pretexto para várias cenas de ação, perseguição, lutas na arena, de raios azuis mortais, ou espadas, pouco importa. Tem razão os que dizem que é um filme com coração de Filme B perdido num superorçamento que lhe rouba a alma e certa maneira impede a gente de curti-lo como a aventura meio ridícula que John Carter no fundo aspira ser.