Crítica sobre o filme "Conversação, A":

Rubens Ewald Filho
Conversação, A Por Rubens Ewald Filho
| Data: 02/03/2012

Não havia revisto este filme que teve grande impacto em mim em sua estreia, logo depois de ter ganhado uma Palma de Ouro e o prêmio Ecumênico no Festival de Cannes (a segunda para Coppola) e ter concorrido aos Oscars de filme, som e roteiro.

Ele foi produzido pelo próprio Coppola através de suas Companhias Directors Company, Coppola Company e através da Zooetrope (A Paramount o distribuiu originalmente).

Os filmes dessa época, anos 70, tem, em geral, uma fotografia desmaiada e datada, mas esta cópia é de boa qualidade, dando-lhe nitidez (um dos extras mais interessantes é o que compara as locações do filme na época com a atualidade e se percebe que não mudou muito, nem mesmo na praça principal chamada Union Square).

É curioso também que a gente se lembra muito bem da trama principal, da escuta na praça, da descoberta do possível crime (o que faz lembrar bastante Blow Up, de Antonioni, cujo ponto de partida é semelhante e por tabela Um Grito na Noite de De Palma).

Mas se esquece de um segundo ato, a parte do meio, quando o herói Harry Caul (o nome ia ser Harry Call, mas houve um erro de batida/tipografia e acabou ficando o atual Caul) vai até uma feira de aparelhos de segurança e encontra seus colegas e rivais. É no contato com aquela gente que se percebe as dificuldades de comunicação de Harry, seus problemas que nunca consegue revelar direito (bem que tenta com a loira Meredith (MacRae que fez carreira mais em telenovelas) que parece mais interessada em transar com ele, do que escutá-lo.

Também havia esquecido da figura do parceiro dele, Stan (feito por John Cazale, então companheiro de Meryl Streep na vida real e que logo depois morreria de câncer), que sente-se desprezado e preterido, já que Harry insiste na privacidade, não deixando ninguém entrar em seu apartamento, sempre telefonando para clientes de telefones públicos, na tentativa de controlar o que está em sua volta.

Embora considerado o melhor deles, Harry também sofre naquele armazém quase vazio, sua maior humilhação é não perceber que a caneta que lhe deram também é um aparelho de escuta.

Depois é que entraremos num terceiro ato que será mais policialesco (e quando tem maior força a aparição de Harrison Ford. O curioso é que ele quando mais jovem tinha uma presença mais demoníaca, menos de galã. Isso explica a relutância dos estúdios em contratá-lo, até porque é visível que não era bom ator e seu jeito é cínico, até ameaçador. Ford, que faria originalmente só uma pontinha, agradou tanto ao diretor que teve seu personagem bem aumentado.

Muito menos conhecido do que A Saga do Poderoso Chefão ou Apocalipse Now, o filme é um modesto drama de estudo psicológico de um personagem, disfarçado como suspense, com eficiente narrativa, clima e técnica. Com o mínimo de explicações, Coppola, que dizia sonhar com filmes experimentais e inovadores acabara sendo induzido a dirigir o primeiro Chefão, um projeto comercial baseado em um best-seller.

Foi quando iniciou a Malfadada Directors Company com William Friedkin e Peter Bogdanovich (que nunca deu certo) e desenterrou um velho roteiro seu, de 1966, que ele achava hitchcockiano (mas que, como disse, lembrava maios Blow-Up). Só que em vez de um fotógrafo de moda, é a história de um especialista em escutas e gravação de som (Hackman), famoso na área, mas amargo, antissocial e muito religioso, cujo trabalho atual é gravar um casal que se encontra em um parque, justamente para não ser ouvido.

Essa sequência no parque é muito interessante porque filmado a distância (tem um momento em que um mímico percebe Gene e começa a imitar seu jeito de andar) ou de forma disfarçada, aos poucos, vamos reconstituindo o que o casal está conversando (a dupla é Cindy Williams de American Graffiti e Frederic Forrest, que era um dos atores descobertos e contratados por Coppola naquela época, junto, aliás, com Teri Garr que também aparece no filme). Comprovando, por sinal, que Coppola não é um grande descobridor de talentos já que nenhum deles foi muito para frente.

Enfim, o processo de reconstituir os diálogos e perceber (junto com Harry) que há alguma coisa errada, talvez um crime. Pouco a pouco percebemos que aquelas gravações poderão resultar em assassinato. Harry entra em crise, atormentado também por um serviço do passado que também acabou em tragédia.

O hoje aposentado Gene Hackman (que diz que este é seu filme predileto, aliás, Coppola afirma a mesma coisa) faz com sobriedade e precisão o personagem. Aliás, é sempre um grande ator, sem ego, sem exageros, absolutamente humano e preciso.

Há também um não-creditado Robert Duvall (lembram se dele em Apocalypse, como o oficial que gosta de surfe?). Boa parte do impacto do filme, porém, vem do brilhante design de som (indicado ao Oscar e ganhador do BAFTA) do mestre Walter Murch (que faz aqui um comentário em áudio somente dele. Há outro de Coppola).

O som é o próprio assunto do filme, e Murch o usa quase como um personagem, misturando o real com o imaginário, comentando a ação e sugerindo as emoções do impassível personagem central. De certa maneira o filme foi também premonitório anunciando a atual era de Big Brothers, onde não há segredos e as escutas estão em toda parte nos controlando.

A filmagem não correu sem problemas. Coppola brigou com o diretor de fotografia, o grande Haskell Wexler que foi dispensado e substítuido por Bill Butler. O sinistro Timothy Carey começou a filmar como Bernie (o cara rival que coloca a caneta microfone em Harry), mas preferiram trocá–lo pelo escorregadio Allen Garfield, portanto, menos óbvio (e toda a sequência teve que ser refeita).

No script original, Harry era o dono do prédio onde mora e tinha reunião com os inquilinos, mas tudo isso foi cortado na edição final. Na verdade, o filme original era para ser uma história de terror e com Marlon Brando. O sobrenome em Caul, se refere a uma membrana fetal e parece que Coppola procurou fazer referências a isso, na capa transparente e no fato de que ele é mostrado através de plástico translúcido quando ameaçado.

Um dos pontos altos do filme é a trilha musical de David Shire que era justamente o cunhado de Coppola (foi casado com sua irmã Talia de 1970 a 78). Aqui traz uma entrevista recente que Coppola fez com Shire (os dois tocam piano juntos), onde o compositor diz que o diretor pediu a trilha toda em piano, e que esta ficou pronta antes do filme e foi usada em alguns momentos na filmagem para criar clima.

Também que era tão original na época que foi o trabalho dele que mais teve repercussão e que lhe rendeu mais convites (realmente resistiu muito bem ao tempo). Há também uma entrevista da época da filmagem, mas rara, em que Gene conta que aprendeu a tocar saxofone especialmente para o filme (mas é visível que ela não gosta de dar entrevistas).

Algumas cenas que foram necessárias para edição final do filme foram rodadas em antigo set de Chinatown, na Paramount (inclusive a que descobre que o tape sumiu). Quando Harry liga a TV no hotel fala-se do escândalo de Watergate (que era justamente um caso de escuta sem autorização). Na cena final, Coppola declara no áudio que não tem ideia de onde estava a escuta, mas sugere a alça do saxofone ou que Harry estava delirando.

Para encerrar, vou citar o diretor John Madden que afirma que esse foi o filme que mudou sua vida. Diz ele: “O filme faz o que só os melhores thrillers psicológicos são capazes de fazer- mexe no coração e no estômago, ao mesmo tempo, puxando você para dentro da história. É feito com o mínimo de artifício, simplicidade. É um filme percebido através do ouvido, da audição, não do olho. É construído muito cuidadosamente em ritmos de barulho e silêncio. Mas a alma do filme é a brilhante interpretação de Gene Hackman. Que passa seu personagem através da linguagem corporal e tom vocal. Um ator espantoso!”