Não é fácil fazer um filme sobre a Igreja Católica, na verdade qualquer Igreja, em particular num país como a Itália, que tem encravado no coração de Roma, outro país que é o Vaticano, sede do catolicismo.
Embora os italianos tenham antiga tradição como anarquistas e militantes do Partido Comunista, sempre sofreram pressões fortes e diretas dos líderes católicos. Vejam, por exemplo, quantos anos se passaram até conseguirem aprovar uma lei do divórcio contra qual se opunham os católicos.
Daí a ousadia de se fazer esta comédia ou sátira, que tem que ser respeitosa e até certo ponto. Mesmo quando parte de um diretor irreverente como Moretti, escolhido para ser presidente do júri de Cannes do ano que vem e premiado com a Palma pelo O Quarto do Filho.
Aliás, o filme concorreu ano passado lá, mas não foi premiado, por outro lado levou vários prêmios da crítica italiana e algumas indicações do European Film Award.
Assim, ele literalmente está mexendo com o fogo quando resolve contar como seria feita a escolha de um novo líder da Igreja, um novo Papa, nada menos do que o representante de Deus na Terra, e tudo que fala é infalível segundo os Dogmas!
Não espere um humor mais explícito dentro da tradição italiana ou da moda atual americana. Quando se mostra a dificuldade de escolher um novo Papa e acabam cismando com um muito velho, que pode estar com depressão, doente ou incompetente (nunca se sabe bem se tudo isso ou nada disso) está evidente a referência ao atual Papa.
Se o filme é discreto eu também vou ser. O título se refere a frase em latim que é o tradicional anúncio do fim do pleito (Temos um Papa!). No caso, o escolhido achando que não está qualificado para o cargo, foge. Os cardeais pensam que ele está apenas rezando em seu quarto. Mas ele é difícil de convencer.
Chamam um psiquiatra Professor Bruzzi (o próprio Moretti) que também é obrigado a ficar confinado (sem celular) no Vaticano enquanto a questão não se resolver. Eventualmente o escolhido consegue fugir, perambula pelas ruas de Roma, aluga quarto em hotel e encontra uma troupe de atores que está montando a Gaivota de Tchecov.
Enquanto o Vaticano se esforça para esconde os fatos, o ex-futuro Papa acaba fazendo parte do elenco da peça (a referência era ao Papa anterior que tinha ligação com teatro, escrevendo inclusive peças). O final será lógico e não com especial impacto.
Não é um filme de grandes risadas ou reações, na verdade nenhum dos filmes do diretor são assim. Apresenta os fatos, sempre com um detalhe crítico de subtexto e sem a agressividade que tinha ao crítico Berlusconi, seu inimigo político, no filme anterior, O Crocodilo.
Parece mais uma meditação amarga e ambivalente sobre a passagem do tempo, ou seja, a idade, o destino, a falibilidade, a hipocrisia, mas sempre com dignidade. Que é muito provocada pela presença do veterano Michel Piccoli, que aos 85 anos, famoso por sua vitalidade e virilidade agora parece sombrio, decadente, devastado (que é mais do personagem do que dele).
Consegue dar uma dimensão humana as situações. Dá a impressão de que não quis ofender ou pegar pesado, preferiu então partir para uma certa melancolia, já contente em desvendar os bastidores proibidos e mostrar sem julgar, sem comprar demasiadas brigas.
Tem sido justamente essa a crítica mais comum ao filme que vindo de um iconoclasta, não tem a fúria e garra de outros trabalhos. Nem sei bem se é uma comédia (o que também explica a relativa decepção de bilheteria).
Naturalmente o Vaticano não colaborou com o filme, e grande parte foi feita nos estúdios da Cinecittá e no Palacio Farnese (ou em cenas roubadas).