Crítica sobre o filme "M: M - O Vampiro de Dusseldorf, M - O Maldito":

Rubens Ewald Filho
M: M - O Vampiro de Dusseldorf, M - O Maldito Por Rubens Ewald Filho
| Data: 01/06/2019

M - Vampiro de Dusseldorf

Fritz Lang e sua mulher coroteirista Thea von Harbou devem ter se inspirado num caso real, de Peter Kurten, preso, em maio de 1930, por uma série de assassinatos na cidade de Dusseldorf. Mas, ao contrário do personagem do filme, chamado Franz Becker, ele matava adultos e crianças, indiscriminadamente. Sua última vítima foi uma menina de oito anos, nos jardins de um zoológico. De acordo com a imprensa da época, os marginais teriam ajudado a perseguir o assassino (porque ele atrapalhava suas atividades ilegais). Lang sempre negou isso, mas ele era famoso mentiroso e dissimulador.

O filme iria se chamar "Mörder unter uns"/"O Assassinato está entre nós", o que causou problemas com os censores, porque acharam que se referia à situação política do país. Segundo o diretor, eles discutiram a possibilidade de o crime ser cartas anônimas, mas acabaram achando que um assassino de crianças, um pedófilo, seria mais forte.

O filme, embora falado, foi feito inteiramente sem música, quase todo rodado em estúdio. Tudo isso aumenta a força dramática quando se utiliza uma ária de "Peer Gynt", de Grieg, assobiada pelo criminoso. O elenco não era todo profissional. Durante a cena do julgamento, foram utilizados marginais autênticos.

Para evitar problemas com dublagens em outras línguas, Lang evitou fazer closes dos atores, a não ser de Lorre (em geral, na versão em inglês, os atores se dublaram a si mesmos, mas o assobio era do próprio Lang). Foi refilmado fielmente nos Estados Unidos pelo mesmo produtor como "O Maldito" ("M", 1951, por Joseph Losey, com David Wayne e Howard da Silva).

Fritz Lang já era o mais famoso diretor do cinema expressionista alemão, responsável por fitas como "Metropolis", quando fez este seu primeiro filme falado, certamente a obra-prima desta sua fase (mais tarde, ele teria problemas ao ter de fugir do nazismo e ir trabalhar no cinema americano, deixando a mulher Thea para trás, em 1934, mesmo porque ela se tornaria nazista e ele era metade judeu). Mas muita gente acha que este filme não tem tanto do Expressionismo, nem da variante Kammerspiel (que pedia unidade de tempo, lugar e espaço), mas tinha a ver com o movimento chamado A Nova Objetividade, defendido pelo Teatro de Brecht (de onde veio o grande ator de origem húngara Lorre e seus olhos esbugalhados), pedindo, em vez do radicalismo e otimismo, o cinismo, a negação da fé e dependências externas. E, na verdade, o filme tem certas semelhanças com "A Ópera dos Três Vinténs"/"Die Dreigroschenoper", de Brecht, que descreve o mesmo ambiente criminoso.

O mais impressionante no trabalho de Lorre é que ele pouco fala (ao menos até o discurso final, no julgamento) e todo o clima ameaçador é feito por efeitos de luz e sombra. Toda narrativa ainda é concebida visualmente. Mas há até mesmo uma certa tentativa de compreender como funcionaria a mente criminosa e mesmo uma mensagem contra a pena capital, que eram raras e ousadas na época.

Com cenários ao mesmo tempo realistas e estilizados, com impressionantes resultados visuais (a caçada, o julgamento), o filme, se não prenuncia a chegada de Hitler e do nazismo, ao menos reflete a atmosfera de mal estar; o ambiente nefasto que existia na sociedade daquela época. Uma autêntica aula de cinema numa fita que até hoje ainda é perturbadora.