Houveram muitos filmes soviéticos que contavam a vida do czar Boris Feodorovich Godunov (1551-1605), desde óperas a minisséries, mas nenhuma versão chegou perto desse épico sombrio dirigido por Sergey Bondarchuk, que também interpreta a figura central e ainda escreveu o roteiro, baseado na peça de teatro de Aleksandr Pushkin (um dos maiores poetas do Romantismo Russo). A história de ambição e política funciona bem, tudo se encaixa nessa biografia que remonta os sete anos do czarismo de Godunov, de 1598 até sua morte, em 1605. Um período curto, marcado por truques, dilemas, traições e violência, quando a Rússia se fortalecia como império. Godunov reinou brevemente com apoio dos boiardos (a aristocracia da época). Aos poucos viu os aliados minguarem deixando-o cada vez mais solitário e apreensivo. Um grande número deles passou a acreditar que Godunov havia envenenado o czar anterior, Dimitry, filho de Ivan, o Terrível, para obter a coroa real. Assombrado pelos boatos, Godunov viu seu derradeiro fim, quando um impostor que alegava ser o verdadeiro Dimitry surgiu com respaldo de camponeses insatisfeitos reivindicando por meio de revoltas o poder que lhe pertencia.
O roteiro funcional e direto, com traços das tragédias shakespearianas, encaixa-se como uma luva na trilha sonora brilhante de Vyacheslav Ovchinnikov, falecido este ano, o compositor de “Andrei Rublev” (1966). Utilizaram bem a fotografia de Vadim Yusov, de “Solaris” (1972), recorrendo a uma direção de arte nota 10, de Ilya Amursky, o mesmo de “Sibéria” (1998).
Versátil, Sergey Bondarchuk (1920-1994) era um homem múltiplo na Sétima Arte; atuava, escrevia roteiros e dirigia. É dele “O destino de um homem” (1959) e o longo épico ganhador do Oscar de filme estrangeiro “Guerra e paz” (1966). Foi casado duas vezes, com duas atrizes, primeiro com Inna Makarova (com quem teve uma filha atriz, Natalya Bondarchuk), depois com Irina Skobtseva, e até hoje ocupa forte posição como um dos maiores cineastas russos de todos os tempos. “Boris Godunov” foi o último trabalho dele como diretor e comprova nitidamente o talento do realizador – o filme recebeu indicação à Palma de Ouro em Cannes em 1986.