VÔO PARA O VAZIO
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09 de maio de 2005

Os aspectos teatrais da linguagem cinematográfica do realizador húngaro Istvan Szabo se acentuam incomodamente em Adorável Júlia (Being Julia; 2004), extraído dum romance do escritor inglês William Somerset Maugham (que este comentarista, apaixonado também por literatura, nunca leu, daí ficar impedido de fazer um exercício que ama, a crítica comparativa entre livro e filme). O teatro como signo político esteve no centro do mais estimado filme de Szabo, Mephisto (1981), obra emblemática da década de 80 do século passado e onde o rosto perplexo e perguntador do intérprete Klaus Maria Brandauer encerrava a narrativa iluminado por um denso e intenso holofote. Szabo não deixou de ser teatral em Encontro com Vênus (1991) e Queridas amigas (1992), dois belos melodramas em que a arte do cineasta chegou a brilhar nas telas daqui.

Adorável Júlia revela a desatualização do cinema de Szabo, que permaneceu fiel a certos modelos de encenação incapazes de provocar o público contemporâneo. É certo que Szabo dota seu estilo de um rigor formal que sempre poderia interessar o espectador crítico. Igualmente são maravilhosas as participações de Annette Bening e Jeremy Irons, assim como é precisa a marcação que a direção de atores de Szabo põe em cena para todo o elenco, esforçando-se por aprimorar o desempenho dos atores mais jovens. Mas Adorável Júlia falha no excessivo e rebuscado formalismo que caracterizou um certo cinema dos anos 80 e que hoje pode parecer coisa de museu; isto tem acontecido com freqüência em alguns trabalhos recentes de veteranos do cinema europeu especialmente, pois um americano como Sydney Pollack, mesmo com todos os defeitos que possa conter uma narrativa como a de A intérprete (2005), demonstra uma surpreendente capacidade de atualização estética.

Enfim, para os nostálgicos que um dia desfrutamos de Mephisto e o discutimos acaloradamente, Adorável Júlia é uma pálida sombra.

Por Eron Fagundes