Em O declínio do império americano (Le déclin de l’empire américan;
1986) o cineasta canadense Denys Arcand executa um
modelo de cinema em que as ações dramáticas
se passam inteiramente nos lábios das personagens;
este tipo de cinema só pode ter vida quando
a palavra brilha e o diálogo pode assim tornar-se
interessante como centro da linguagem cinematográfica – numa
palavra, cinema literário. O francês
Eric Rohmer, o suíço Alain Tanner e
o norte-americano Woody Allen são alguns realizadores
que atingiram um nível elevado ao fazer um
cinema de palavras em que o despojamento da imagem
casa com o verbo solto na boca dos atores. Arcand
não chega a ter o estofo dos diretores referidos: às
vezes gorduroso demais, outras satisfazendo-se apressadamente
com o transitório e o circunstancial, aqui
e ali dispersivo em suas intenções.
Mas, ainda assim, este seu filme mais conceituado,
embora inferior a Jesus de Montreal (1989), permanece
como uma obra que marcou as discussões cinematográficas
dos anos 80.
À
maneira dos franceses Alain Resnais em Providence (1976) e Bertrand Tavernier em Um
sonho de domingo (1984), Arcand isola no campo um grupo de intelectuais
da classe média canadense para se revelarem
por diálogos em que inquietações
transcendentes se misturam com puras trivialidades
do cotidiano de qualquer um; é claro que Arcand
parece mais postiço que Resnais ou Tavernier,
suas incursões pela autoparódia intelectual
em certos instantes não acham o tom adequado,
mas logo o realizador dá a volta por cima
e nos envolve com achados de espontaneidade de filmar.
As relações entre homens e mulheres
inunda as questões do filme, e os diálogos
transbordam de referências sexuais; observe-se
que esta realização foi o primeiro
filme do mercado internacional que fez uma referência,
ainda que breve e distante, ao então nascente
problema da AIDS (lembremos que naqueles anos se
supunha que esta doença estava atrelada ao
homossexualismo do paciente).
Arcand
estrutura seu filme em duas partes. Na primeira parte
ele alterna imagens do encontro dos homens
(no campo) com seqüências do encontro
das mulheres (na cidade); na segunda parte as mulheres
chegam ao campo, e homens e mulheres misturam seus
diálogos. Sobre o universo ficcional retratado
paira a tese exposta desde a aula que abre o filme:
seria nossa época uma época de decadência
(as facilidades dos costumes, a falência das
instituições, epidemias, guerras) ou
uma época de Renascença (as tecnologias
avançadas, as comodidades)?
Em
duas cenas distanciadas no corpo da projeção
Arcand faz suas personagens citarem o filósofo
Witttgenstein e o pintor Caravaggio. Curiosamente
estes dois artistas (um da palavra, outro das tintas,
pois o cinema, tal como Arcand o concebe, não é assim
uma união de palavras e tintas?) foram retratados
em filmes muito pessoais pelo inglês Derek
Jarman, cineasta homossexual que morreu de AIDS há cerca
de dez anos.
Um
dos movimentos mais intensos do filme é aquele,
depois da breve aula que serve de intróito à narrativa,
travelling-para-a-frente que percorre o largo e extenso
corredor duma escola enquanto os créditos
desfilam na tela; ao cabo do movimento de câmara
e dos créditos, uma mulher está entrevistando
outra diante do gravador.
Visto
pela primeira vez no Brasil em novembro de 1986 no
Festival de Cinema do Rio de Janeiro, a que
compareci, na espaçosa Sala Glauber Rocha,
no Hotel Nacional, e revisto em 1987 em Porto Alegre,
o filme de Arcand, relançado nos cinemas em
2003, conserva ainda hoje os mesmos problemas e as
mesmas virtudes que pude enxergar nele há dezessete
anos: é um belo apanhado da superficialidade
intelectual daquela época como de hoje. (Eron
Fagundes. Leia mais críticas do colunista
em Cinemania)
P.S.:
O texto acima foi escrito em junho de 2003, quando
o filme de Arcand foi reprisado em Porto Alegre.
Meses depois, a visão de As
invasões
bárbaras (2003), marco do cinema deste início
de milênio, modificaria bastante meus conceitos
do cinema de Arcand. Para quem se interessa, meu
texto sobre As invasões pode ser encontrado
na cinemania de 2003.
Prêmio
da Crítica em Cannes, indicação
ao Oscar de filme estrangeiro são alguns dos
prêmios deste excelente filme canadense (da
parte francesa de Quebec). É no fundo um grande
bate-papo (e por isso perde um pouco em vídeo)
mas é inteligente, original, profundo e também
engraçado. Mostra basicamente o que os homens
falam das mulheres quando estão sozinhos (e
o que elas falam deles também). Ou seja, quase
sempre sobre sexo. São quatro casais universitários
(por isso, o nível do papo é alto),
um deles homossexual com medo de estar com AIDS (a
situação dele é muito bem colocada),
todos preocupados com seu prazer e satisfação.
O título se explica pela tese de um deles:
uma professora de História afirma que em toda
a civilização onde a busca da felicidade
individual é mais importante do que a coletiva é sinal
de sua decadência. Excelentes atores, música
clássica, bela foto, direção
inspirada (como o plano de abertura). Mas o brilhantismo
dos diálogos é o ponto alto. (Rubens
Ewald Filho. Leia mais críticas e
artigos de REF na coluna Clássicos)
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- Trailer (legendado)
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Atores: biografia muito simplificada de Dominique
Michel, Dorothée Berryman, Louise Portal,
Pierre Curzi, Rémy
Girard
, Yves Jacques, com no máximo 1 ou duas telas para cada um. Fraco.
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Diretor: idem, um pouco mais completo, mais parece
uma filmografia comentada.
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Produtores: idem
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Outros Lançamentos: capas de 6 lançamentos da distribuidora
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Um excelente filme que mereceria um tratamento melhor
em relação aos extras, bem fracos.
Apenas o trailer e textos bastante fracos. Não
deixa de ser bem oportuno, pois sua “continuação”,
Invasões Bárbaras,
está fazendo
o mesmo sucesso. A imagem está muito boa,
respeitando o formato original do cinema. O áudio,
bom, original de época em dois canais. O filme
supera toda a falta de extras, onde o seu conteúdo,
profundo e bem diferente dos filmes de hoje, nos
traz de volta “apenas” o poder da palavra,
da conversa, das relações humanas.
Não Perca.
A não ser que seu tipo de filme predileto seja só com muita ação e efeitos especias.
Um filme maduro, que não envelheceu com o tempo.
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