Aos 12 de fevereiro de 1954, anos antes do I Festival Internacional
de Cinema do Rio e da Mostra Internacional de Cinema de SP,
de Leon Cakoff, era inaugurado em sessão de gala no
Cine Marrocos o I Festival Internacional de Cinema de São
Paulo (que não se repetiria), com a exibição
de Música e Lágrimas, a biografia do
maestro Glenn Miller, na interpretação de James
Stewart. Fez parte de uma série de eventos, entre os
quais a inauguração do Parque Ibirapuera, em
comemoração
ao IV Centenário da cidade. O festival foi um acontecimento,
hoje esquecido e, mesmo na época, teve algumas críticas
dissonantes mas sua programação foi intensa.
O Cine Marrocos era um verdadeiro palácio, com um saguão
tendo no centro um chafariz. Foi construído numa espécie
de estilo mourisco estilizado, com espelhos, desenhos no chão
e tinha dois balcões chamados pulmans e um bar na sala
de espera.
Os filmes inéditos se distribuíam nas sessões
do Marrocos, ás quais compareciam os astros e estrelas
convidados, e as chamadas Jornadas Nacionais, no Cine Arlequim,
na Brigadeiro Luís Antonio (anos depois se não
nos enganamos, transformado em teatro onde Ellis Regina levou
seu espetáculo Falso Brilhante). Não
tinha estrelas, mas ali o público assistiu em primeira
mão, filmes
como I Vitelloni,
de Fellini, O Salário
do Medo, de
Cluzot, Os Brutos Também Amam, de George Stevens,
Belles de Nuit (Esta Noite é Minha), de René Clair,
A Rede, de Emilio Fernandez, entre outros. No Marrocos
o público
tomou conhecimento de um cineasta chamado Ingmar Bergman, em
Noites de Circo e testemunhou o lançamento
de Audrey Hepburn como estrela, em A
Princesa e o Plebeu. Júlio
Cesar, versão da peça de Shakespeare, direção
de Joseph L.Mankiewicz teve sessão lotada no Marrocos,
também nos balcões. Havia problemas de visibilidade
(gente em pé), mas quem ficou na última fila
junto à parede pôde levantar o assento da poltrona
para conseguir ver. Só que como era Shakespeare, teatro
filmado e muitas falas muita gente foi embora durante a projeção
e o problema de visibilidade desapareceu. O festival exibiu
ainda vários curtas, com destaque para o francês
Crina Branca, bem poético, sobre um garoto e
um cavalo.
Dois grandes cineastas foram homenageados, Erich Von Stroheim,
que teve uma retrospectiva de seus filmes como ator e diretor.
E Abel Gance, de quem foi exibido o tríptico Napoleão.
Os dois estiveram na cidade, o primeiro com sua mulher, a francesa
Denise Vernac. Outros eventos: a Retrospectiva Internacional,
com obras de Buñuel, Manoel de Oliveira, Murnau e outros.
O Festival do Cinema Científico e a Retrospectiva do
Cinema Brasileiro, ambos no Museu de Arte Moderna (o representante
nacional no Marrocos foi Chamas no Cafezal, produção
paulista da Multifilmes, direção de José Carlos
Burle), além de sessões especiais para crianças.
A maior delegação de atores foi a de Hollywood.
Entre outros estiveram aqui Erroll Flynn, Irene Dunne, Walter
Pidgeon, Edward G. Robinson, os casais Jeffrey Hunter e Barbara
Rush; Fred Mac Murray e June Haver e Jeanette MacDonald e Gene
Raymond. A rumbera mexicana de A Pecadora, fita que
ficou 22 semanas em cartaz em São Paulo, o grande ator
francês
Michel Simon, foram alguns - entre os mais conhecidos que vieram
para a mostra. Também os brasileiros: do Rio, os atores
Cyl Farney e Fada Santoro, de São Paulo os diretores
Alberto Cavalcanti e Lima Barreto e Mazzaroppi, que assistiu
a uma das sessões de gala. O casal Francisco Matarazzo
Sobrinho e Yolanda Penteado Matarazzo deu uma festa só para
convidados em sua fazenda de Leme, no interior de São
Paulo, com a presença de todos ou quase todos astros
e estrelas do Festival.
Por Carlos M. Motta