2046, SEGREDOS DO AMOR (2046)
 


26 de janeiro de 2006

Não gostei do filme quando ele estreou em Cannes. Aliás ninguém da critica o apreciou embora estivesse no auge da expectativa por causa da obra prima que foi Amor à Flor da Pele (In the Mood for Love), o filme anterior do diretor chinês Wong Kar Wai (eu o tinha colocado em primeiro lugar nos melhores do ano). Na época eu escrevi o seguinte: “O filme que era o favorito de Cannes 2004, 2046 de Wong Kar Wai, não é tudo aquilo que se esperava. Embora a sessão tivesse ficado lotada (e num caso único na historia do festival, foi apresentado para a imprensa noutra sala ao mesmo tempo em que a sessão oficial). O filme foi recebido polidamente com alguns aplausos mas foi outra decepção num festival que já se impôs como o pior dos últimos vinte anos.

Esta semi-continuação de Amor a Flor da Pele estraga o personagem do herói, que antes vivia um mor casto transformando-o num jogador, que vive de prostitutas e explora mulheres sem remorso. Alem de redundante e desnecessário, é aborrecido e confuso, quando envereda pela ficção cientifica (porque ele escreve um romance futurista onde vai de trem para o futuro tentando encontrar aquele amor perdido). Na verdade, a trilha musical parece um disco quebrado que fica se repetindo ate matar a gente de tédio (e volta Nat king cole cantando musical de natal e um tema de Siboney e para variar um pouco árias de opera).

Tem sexo banal, um elenco dificil de reconhecer (Gong Li muito mal maquiada parece travesti, Maggie Cheung nem se reconhece em sua ponta creditada e o filme só é salvo pela presenca da bela Zhang Ziyi, que faz a prostituta que se apaixona pelo herói jornalista, que não consegue gostar dela. Depois de se aproveitar da moca acaba tratando-a com respeito. Mas enfim, o filme é redundante mesmo, da a impressão de que o diretor não tem mais nada a dizer, ainda que o faça com certo charme e visual bonito (inclusive com sua marca registrada de camera lenta). Sem duvida inferior ate mesmo dentro da obra de Wong Kar Wai.

Depois dessa recepção fria, o diretor voltou para a sala de montagem, e remontou a fita, com mais distanciamento. O curioso é que não foi nada muito radical, mas poliu as arestas, completou os efeitos especiais (nas cenas futuristas, que pertenceriam ao livro e teve melhores criticas, tanto que os americanos o adoraram).

Fui revê-lo e até fiquei contente em mudar parcialmente de idéia. Muito do que disse é verdade. O filme ainda é bastante confuso, se tornando difícil reconhecer personagens principalmente as mulheres (e me deu a impressão de que faltou uma seqüência de conclusão com o personagem de Ziyi (o curioso é que na China, o sobrenome vem antes do nome) onde ela terminava na ruína. Será que foi apenas imaginação minha?

Apesar de lento e ainda difícil, o filme me conquistou principalmente pelo estilo narrativo do diretor, que eu acho muito especial e admiro. É todo feito de pequenos detalhes (uma maçaneta, um pedaço do vestido), enquadramentos próximos mas originais (é a primeira vez em que ele trabalhou em widescreen) e usando muito a camera lenta. O fato é que se tornou uma marca registrada e para mim arrebatadora.

O filme realmente se confirma como uma continuação de Amor A flor da Pele, trazendo Leung novamente como o protagonista Chow mo Wan que em 1960 encontrou e perdeu o amor de Maggie Cheung (ela só é vista num plano num carro quando ele esta bêbado no ombro dela). Mas depois disso, em 67, quando mora em Hong Kong como jornalista e a cidade sofre distúrbios, esta escrevendo um livro sobre 2046 (que é também o numero do quarta de pensão) enquanto vai vivendo uma vida dissoluta de muitas mulheres e jogo, com extrema melancolia e a certeza de que nunca mais reencontrara os amores que teve (ou quase teve) e perdeu.

Pela pensão passam varias mulheres, muitas realmente difíceis de diferenciar (até porque pela ficha técnica a gente descobre a atriz que faz Lulu também é Mimi e uma andróide no trem de 2046, outra faz Wang e também outra andróide). Mas cada uma com sua história de amor, em geral trágica (o filme é intercalado por letreiros e tem sua boa dose de frases memoráveis). Esteticamente ele caminha pelos mesmos recursos da fita anterior (canções antigas em gravações de som ruim, ambientes fechados, praticamente sem externas, closes, ênfase em detalhes. Mais clima e ambiente do que ação). Mas é quase um delírio, “uma viagem”. Em que você embarca (ou não).

É bem possível rejeitar o filme, desde que não esteja ligado para isso.

Sem duvida, a reedição que Wong Kar Wai fez, transformo aquele copião estranho e insatisfatório, num filme ousado e onírico, se não de seus melhores, ainda assim de qualidade. O que não deixa de ser uma grande lição de cinema.

Por Rubens Ewald Filho

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