Crítica sobre o filme "Eu Sou a Lenda":

Rubens Ewald Filho
Eu Sou a Lenda Por Rubens Ewald Filho
| Data: 29/05/2008

Esta ficção científica, estrelada por Will Smith (que se confirma assim como o maior astro de cinema da atualidade, ainda mais agora que Tom Cruise se perdeu) já rendeu mais de 200 milhões de dólares só nos EUA. É baseada num velho livro de Richard Matheson, mestre do fantástico - que teria sido a origem do zumbis modernos - e que foi antes adaptado duas vezes para o cinema: na Itália, com Vincent Price, como Mortos que Matam (The  Last Man on Earth - 1964), de Sidney Salkow; e como A Última Esperança da Terra (The Omega Man – 1971), de Boris Sagal, com Charlton Heston. Pensou-se, durante anos, numa refilmagem, com Ridley Scott e Arnold Schwarzernegger, mas sairia cara demais. Até, finalmente, o desenvolvimento dos efeitos digitais permitiu tanto criar os vampiros, quanto limpar a cidade de Nova York de vestígios de vida.

Will Smith é o ator certo para fazer este protagonista, que é um militar que se torna, aparentemente, o único sobrevivente de uma praga, surgida depois que uma vacina destinada a curar o câncer tem efeitos devastadores (Emma Thompson faz aparição como a médica que criou a vacina). Os que escaparam se tornaram uma espécie de vampiro, que só podem atacar de noite, e espalham o vírus com facilidade. Apenas Robert Neville (Smith) escapou e agora, sozinho (em flashbacks vemos sua família sendo morta, quando tentava fugir do bloqueio à cidade), procura uma cura para a doença. Ele percorre a cidade, agora inteiramente deserta, a não se por corças e tigres em imagens impressionantes. Mas mantém no rádio um permanente pedido de socorro, para chamar outros possíveis sobreviventes.

Assim, durante praticamente uma hora, Smith está sozinho no filme, mesmo que ocasionalmente enfrentando e estudando os monstros. Só então é que aparece uma sobrevivente, com uma criança (ela é a Alice Braga, sobrinha de Sonia Braga, filha de Ana Braga - que foi atriz, não a apresentadora). É uma presença muito simpática, muito eficiente (ela não tem problemas com o inglês), mas provoca o ataque dos vampiros ao refúgio do herói.

No livro original, Neville é uma lenda (para os vampiros, que são o que sobrou da humanidade, justamente por ter sobrevivido tanto tempo), mas aqui a opção é outra, mesmo assim bastante funcional, como todo o filme, que tem bom visual, uma narrativa rápida e momentos de emoção, ação e suspense. Bem feitinho pelo diretor de Constantine, com Keanu Reeves, Francis Lawrence.

Ou seja, uma competente aventura futurística (indicado ao Screen Actors Guild Awards de dublês de cenas de perigo), que se assiste com atenção. (Rubens Ewald Filho na coluna Clássicos de 10 de fevereiro de 2008)

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Diante de um melodrama futurista tão adequadamente feito para conquistar as impressões sombrias da platéia educada pelo cinema americano, como este Eu sou a lenda (I am the legend; 2007), dirigido com competência formal por Francis Lawrence, o espectador conclui que a estrela do ator norte-americano Will Smith julga ter atingido seu ponto de maior luminosidade. Ao atribuir à personagem de Smith, o doutor e militar Robert Neville, o epíteto de lenda da sociedade americana, é um pouco como se Smith se estivesse atribuindo a característica de lenda viva do universo fílmico americano atual. Smith é um dos bons atores da atualidade, mas em Eu sou a lenda seu estrelismo melodramático compromete um pouco sua atuação; de qualquer maneira, ele logra sustentar sua personagem sem problemas —e é um jogo difícil de interpretação, pois a maior parte do tempo ele tem de contracenar com uma cadela, cenários semidestruídos e vazios de pessoas e alguns monstros que semelham humanos mas só tem violência e ódio para dar.

O que estorva em Eu sou a lenda é seu intenso artificialismo. É também este artificialismo que lhe dá uma substância curiosa —paradoxo. O roteiro está cheio de indecisões e precariedades. Até que começa bem. Mostra como uma descoberta científica boa (a cura do câncer) vai provocar a catástrofe, a criação de um vírus que destruirá quase inteiramente a humanidade. Mas lá pelas tantas a história não sabe o que fazer com Smith e o nada que o cerca. Aí surgem os monstros de horrível aparência humana e violentos; então o filme envereda por uma paródia bastante ridícula de narrativas de mortos-vivos; a coisa transparece como um pastiche fora-de-tom do mestre do gênero, o cineasta norte-americano George A. Romero. No final, o surgimento duma garota (vivida pela brasileira Alice Braga, sobrinha de Sônia Braga e vista no filme brasileiro Cidade baixa, 2005, de Sérgio Machado, e na produção internacional Só Deus sabe, 2006, do mexicano Carlos Bolado) e um menino parece mais um artifício fracassado para compensar a solidão de espaços da personagem central. Mais que tudo, o sacrifício final da criatura de Will Smith soa hiperbólico e constrangedoramente hipócrita para um “herói do cinema†como o ator Smith.

Se Smith quer ser mesmo uma lenda do cinema americano, este filme, baixada a poeira do fascínio imediato que possa exercer sobre as platéias da hora, não deve ajudá-lo muito. (Eron Fagundes)